II SIMPÓSIO RPG & EDUCAÇÃO

O que aconteceu no II Simpósio RPG & Educação, parte 2

O Simpósio é um evento interessantíssimo para divulgar o RPG como ferramenta educacional. Atrai a atenção da mídia, da comunidade “professoral” e, principalmente, de pessoas que já jogam e conhecem RPG, e querem aplicar nas escolas. Tanto o primeiro simpósio, do ano passado, quanto o segundo, desse ano de 2003, atingiram seus objetivos principais. Mas eu tenho algumas ressalvas a fazer para que esse evento possa melhorar cada vez mais e fazer a comunidade escolar conhecer e aplicar cada vez mais essa estratégia de ensino.

Minha “jornada” – aqui os parabéns antecipados pelas excelentes oficinas da Maria do Carmo, do Ricon e do Cesar, onde tratam divinamente a questão da Jornada do Herói, quem quiser saber mais, acesse a página do Simpósio para ler o material – começou na sexta, às 7:30 da manhã, quando eu e um companheiro da Jogo de Aprender, o André Domingues, graduando de Letras na USP, ator, monitor de recreação e mestre de RPG há alguns anos, chegamos ao local. Estávamos praticamente sozinhos no Centro Cultural quando dois cabeludos com camisetas de RPG nos chamaram e perguntaram se somos da Jogo de Aprender. Apresentações feitas, soube que um deles era o meu “amigo virtual” Wagner Schmidt, de Londrina, que me contou muitas coisas sobre o trabalho dele por lá (por sinal, muito bacana), enquanto eu falava (bastante, diga-se de passagem) sobre o nosso trabalho na Jogo de Aprender. O outro rapaz perguntava algumas coisas, relatava outras e parecia concordar com o que falávamos. Esse “rapaz”, depois vim a descobrir, era o Cesar, que deu, com a Maria do Carmo uma senhora oficina de “Formação de Narradores”.

Depois de uma espera longa (essa foi uma parte meio ruim do Simpósio, a chegada das pessoas para a primeira etapa estava meio confusa, é preciso rever esse esquema para agilizar o processo), fomos, eu e o André, para a fala do Douglas, introdutória à aventura (também introdutória) do Caco, chamada “Resgate de Retirantes”. Essa fala introdutória não foi exatamente “empolgante” na minha maneira de ver, não pelo conteúdo, que era muito interessante, mas talvez pela forma de expressão, outra forma e dividida entre quem já conhece o jogo (e acaba meio que monopolizando as observações e intervenções) e quem não conhece nada de RPG. Talvez uma atividade mais dinâmica que uma simples fala, sei lá. Acho um ponto a ser melhorado.

Fomos, então para a aventura (que eu já tinha jogado no ano anterior, mas que é muito boa). Na nossa mesa, além de nós dois, mais 4 professores que nunca tinham jogado RPG. Nós demos sorte com o mestre, que era excelente, muito bem preparado. Aliás, parabéns a ele também e a muitos outros voluntários que trabalharam com afinco no evento. Por eu saber mais ou menos (um ano depois não dá para lembrar todos os detalhes), ajudei um pouco, eu confesso, mas reparei algumas falhas na excelente aventura do Caco: mais ou menos no início, ela depende de um personagem liberar uma informação, que talvez ele não tenha porque fazer. O professor que interpretava o personagem realmente não queria fazer, exigindo muito do mestre (e do meu personagem, que apelou até para tortura e pentotal sódico, o soro da verdade). Esse é o problema: uma aventura escrita para mestres iniciantes jogarem com jogadores ainda mais iniciantes tem de ser perfeita, sem depender muito da habilidade do mestre, como nesse caso. No debate posterior, soube de mesas que emperraram aí. No ano passado, minha mesa emperrou aí também. Em uma 2ª edição da aventura, acho que o autor poderia modificar esse detalhe. Um outro problema que eu vejo é a não-obrigatoriedade dos personagens passarem por todos os locais e, conseqüentemente, não receberem todas as informações, que são a razão de ser da aventura. Claro que um mestre habilidoso pode consertar isso, mas, novamente caímos na questão que a aventura é feita para mestres iniciantes. De resto, a aventura foi excelente, bem como o debate que a sucedeu. Porém, para os professores ficou uma pergunta: como fazer isso em uma sala de 40 alunos? O Caco respondeu, há outras soluções, mas penso que, no Simpósio, essa é a primeira pergunta a ser respondida, logo depois da clássica o que é RPG, e não ser citada de raspão no meio de um debate com outras preocupações. Nesse ponto, minha sugestão é que, ao invés de fazer essa aventura desse jeito, o Caco, ou a Maria do Carmo, ou outra pessoa experiente mestre uma aventura para 40 professores. Daí vai ser o “pulo do gato”.

No intervalo entre a aventura e o debate sobre ela, fui procurar o painel que tinha preparado e o achei, mas o lugar em que ele estava não era dos melhores. Infelizmente só tinha mais um outro painel, e os autores não tiveram o mesmo rigor formal que nós (que, por sinal, seguimos as orientações da organização. Na verdade, poderíamos fazer algo bem mais “vistoso”), fazendo com que o painel não fosse suficientemente “acessado”, e que muitos professores ficassem sem essa nossa visão do RPG como instrumento pedagógico. Mas aproveito para agradecer a oportunidade que nos foi dada pela Ludus de divulgar nosso trabalho.

Depois do almoço chegaram mais dois colaboradores da Jogo de Aprender (Regina, graduanda de arquitetura e monitora de recreação e Luciano, graduando de Jornalismo, monitor de recreação e mestre de RPG), e fui com eles e o André para mais um jogo de Resgate de Retirantes.

Infelizmente, dessa vez, o nosso mestre era péssimo, muito mal preparado, a ponto de, no final da aventura, as pessoas que não tinham jogado antes, não saberem as informações que constavam do questionário. O mestre deu, ainda, uma informação errada para uma professora sobre Portinari. No debate seguinte, uma professora disse que a mesa dela não teve informação nenhuma porque perderam todo o tempo em uma perseguição de carro (?!!!). Esses dois fatos mostram que alguns mestres voluntários, infelizmente, não se dedicaram o suficiente para uma tarefa de tão grande importância. Sei que não é culpa da organização, da Ludus, do Caco ou da Devir, mas um cuidado maior no “cartão de visitas” do Simpósio seria bem-vindo, pois esses mestres “descuidados” acabam “queimando o filme” do RPG e do evento.

Ao final do dia, um saldo extremamente positivo, pois pude conversar com muita gente, trocar várias idéias e experiências com professores e rpgistas. Além disso, encontrei o professor Rui e outra “celebridade”, o Alessandro Vieira, de Santa Catarina, que me mostrou um negócio fascinante: o Sapiens Circus, que é a fundação que ele trabalha, a CERTI, está desenvolvendo, envolvendo RPG com projeções em uma tenda de circo. Parece que os jogadores estão realmente dentro do jogo. Para quem tiver oportunidade, vale a pena conhecer. Mais uma realização excelente para a educação envolvendo o RPG.

No sábado, segundo dia do Simpósio, além dos meus companheiros já citados, tivemos a companhia da Lillian, arquiteta que cuida do figurino, cenário e administração geral da Jogo de Aprender. A nossa primeira atividade foi a primeira parte da oficina de formação do narrador, ministrada pela Maria do Carmo Zanini e pelo César, com a ajuda de alguns voluntários. Excelente oficina, que com certeza ajudou vários professores a entender o que é e como aplicar o RPG como ferramenta de ensino. Travamos uma amizade interessante com uma dupla de professores de uma escola pública de Santo André, que se mostraram muito interessados em aprender novas estratégias para ajudar a transformar a vida das crianças e jovens que atendem. Ouvi falar muito bem da oficina “Criação de uma Aventura Paradidática”, dada pelo Ricon e pela Maria do Carmo. Disseram-me que foi excelente.

Na tarde de sábado, assisti a duas palestras: uma sobre a utilização do Live Action na educação e outra sobre um trabalho do CENPEC usando o RPG como estratégia de ensino de português e história nas aulas de reforço da rede estadual do Paraná. Como uma forma de esclarecer os professores, não gostei da palestra sobre o Live Action. Os palestrantes fizeram relatos muito bacanas e interessantes sobre como fazem para montar os seus Lives. O que pareceu para os professores que assistiam aos relatos é que um Live Action é algo que exige um esforço hercúleo para ser feito, um trabalho monstruoso para ser organizado e que não há controle nenhum sobre a trama e os alunos. Resumindo, daquela forma descrita, os Live Actions são inaplicáveis. Muito bacana e divertido, mas é algo que amedronta os professores. Minha sugestão para essa palestra sobre Lives é uma simplificação das regras e da montagem e uma abordagem mais prática dessa modalidade. Deveria ser dada a resposta à velha pergunta: como eu faço isso na minha classe de 40 alunos? Talvez uma pequena demonstração seguida de instruções sobre como montar um Live Action com uma abordagem pedagógica.

Por sua vez, a palestra da professora América e de seu filho Tiago, do CENPEC foi excelente. Foi um relato prático sobre como o RPG pode ser usado (e foi, com excelentes resultados) em sala de aula. Mais do que isso, foi usado em classes de aceleração e/ou reforço, com uma ampla capacitação feita com os professores que iriam aplicar essa estratégia. Se ela tivesse dado os detalhes dessa aplicação, teria sido ainda melhor. No fim do dia, um saldo excelente e mais conversas com o pessoal que, na verdade é a razão de ser do Simpósio: trocas de informações e de e-mails, para que esse compartilhar continue por mais tempo.

No domingo, último dia, mais conversas, além da segunda parte da oficina da Maria do Carmo e César e duas palestras/relatos à tarde. Na continuação da oficina, os professores aprenderam como narrar uma aventura de RPG, já que tinham visto como montar uma aventura no dia anterior. Novamente foi muito positiva a experiência. Só penso que o sistema sugerido, apesar de bem simplificado e adequado aos mestres iniciantes, ainda é um pouco complexo, na minha modesta opinião. Mas nada que tire o brilhantismo dessa oficina.

O relato do Alessandro, à tarde, foi muito bom para os professores verem o que está sendo feito, em alto nível com RPG (como a sua aula para o MBA da USP, o Sapiens Circus, entre outras), e mais, falou sobre a excelente ferramenta criada por ele, a FLER, que pode ser baixada gratuitamente em seu site. Houve, ainda uma última palestra, mas não assisti e, por isso, não posso analisar. Quando estava saindo, uma conversa de 5 minutos com outra “celebridade”, o Ricon. Essa conversa foi muito bacana e serviu para que eu me convencesse que deveria “sentar na frente do computador e sistematizar as nossas experiências”, como ele me disse. Um pena que eu não levei os meus Mini-Gurps para ele autografar.

No final do Simpósio, muitos acertos e algumas poucas falhas, facilmente solucionáveis para as próximas edições. É uma excelente oportunidade para trocas de informações e experiências, atrai realmente o público não-rpgista e possibilita que os professores descubram uma estratégia de ensino que pode trazer muito para a educação. Vejo três fatores importantes que tornam o RPG uma atividade positiva para o processo educativo: é um jogo, o que traz grande motivação, é cooperativo, pois não prevê vencedores nem derrotados, e possibilita o desenvolvimento de conteúdo. Acho que, para as próximas edições, devem ser dados os seguintes enfoques: oficinas para ensinar os professores a montar e aplicar as aventuras, exemplos práticos e referencial teórico com as três características que eu citei. Um exemplo de Live action e um exemplo de aventura para 40 professores ao mesmo tempo seriam muito bem-vindos.

Em suma, o Simpósio foi realmente muito bem. No meu modo de ver, a melhor atitude em prol do RPG dos últimos anos e, ao mesmo tempo, um grande passo a frente para os professores terem em mãos uma estratégia lúdica de ensino.

Marcos Tanaka Riyis
Coordenador Pedagógico da Jogo de Aprender
Cedido à Equipe REDE RPG

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