Um conto de Réia: O Escudeiro e os Orcs

O clamor da batalha subia às suas faces… Aquele era o momento que tanto ansiara, pelo qual tanto havia se dedicado ao treinamento. E Demiurgo fora mais uma vez generoso com ele: iriam atacar um acampamento de orcs. Em um segundo, sua vida passou diante de seus olhos e lembrou a jornada que o levou até a esse momento…

Thibault odiava os orcs acima de tudo. Quando criança, sua vila havia sido atacada por um bando deles. Seu pai, soldado veterano das primeiras campanhas de conquista do Imperador Carlomano, lutou bravamente e conseguiu afugentar o bando, antes de cair mortalmente ferido e vir a falecer alguns dias depois daquele fatídico ataque. Mas a coragem de seu pai não evitou que sua irmã mais velha fosse violentada por aquelas monstruosidades. E meses depois, quando a dor pela perda de seu pai ainda mal cicatrizara, sua irmã cometeu o pecado de tirar a própria vida, ao descobrir que carregava no ventre um fruto do estupro…

Um velho companheiro de armas de seu pai apiedou-se do jovem Thibault, que estava então sozinho no mundo, e o levou para o castelo do barão local ao qual servia, onde Thibault foi tornado pajem. Thibault acabou caindo nas graças do barão e começou a ser treinado para ser escudeiro. Por fim, a sorte lhe sorriu mais uma vez, e devido a um débito que o barão possuía com Crisagon, o nobre cavaleiro tomou Thibault como seu próprio escudeiro.

O olhar perdido de Thibault dentro do elmo foi trazido de volta à realidade pela voz de Crisagon. Seu senhor estava no comando de um grupo de cavaleiros do Sacro Império.

Uma pequena vila havia sido atacada há dois dias. Eles haviam chegado tarde para evitar o ataque, mas a trilha dos orcs era fácil de seguir: as criaturas haviam levado as mulheres mais jovens da vila.

Tendo a vantagem de estarem à cavalo, bastou cavalgarem à rédea solta durante a noite para alcançar o bando e suas reféns. Os orcs estavam acampados logo depois da colina em frente…

O grupo de quinze cavaleiros e cinco escudeiros alinhou os cavalos formando uma linha de ataque. O sol nascia nas costas do esquadrão: eles atacariam tendo a luz do sol a seu favor. O bufar dos cavalos remexia o ar gelado da madrugada que aos poucos iria embora com o calor do dia. Crisagon falou firme para seus comandados:

– “Aquele é o acampamento da tribo. Há fêmeas e filhotes de orcs. A tribo irá se dispersar e fugir. Nosso objetivo é libertar as reféns. Esqueçam os orcs que fugirem.” – e cortou momentaneamente as suas palavras para sacar a sua espada e então dizer – “Por Demiurgo, pelo Sacro Império e por Carlomano!”

Os cavaleiros e escudeiros sacaram suas armas e repetiram o brado, e os cavalos dispararam chegando logo no alto da colina. O ar frio da madrugada que se ia cortou gelado o rosto de Thibault, como se o sangue em suas faces o derretesse.

Do alto da colina, com a luz do amanhecer a seu favor, o grupo de cavaleiros desceu em carga em direção ao acampamento orc. Os vigias haviam dado o alarme, mas mesmo assim eles seriam facilmente derrotados… O acampamento tinha quinze choupanas, não deveria ter mais do que trinta guerreiros orcs.

As espadas dos cavaleiros deceparam rapidamente a resistência dos vigias. Thibault avançou seguindo Crisagon e suas espadas ceifavam os machos orcs que tentavam opor alguma resistência.

De lampejo, ele viu dentro de uma das choupanas uma humana, e então segurou o galope de seu cavalo, virando-o nessa direção. Ao se aproximar da choupana, um guerreiro orc seminu emergiu de dentro empunhando um machado grande. O orc grunhiu um grito de guerra animalesco e saltou para cima do cavalo do escudeiro, golpeando fortemente o escudo de Thibault, o qual ele esticara para evitar que o golpe do machado acertasse o cavalo. Mas a força do golpe acabou jogando Thibault ao chão.

Por um instante a dor da queda e o metal de sua cota de malha o fizeram perder a respiração, mas teve que se recobrar rapidamente diante do machado grande que vinha em sua direção. Thibault rolou para o lado e procurou se levantar para contra-atacar o forte guerreiro orc. Contudo, ele não foi suficiente rápido e sua vida teria terminado no fio do machado se Crisagon não viesse em carga com seu cavalo e decepasse um dos braços do orc.

O orc deixou o machado cair, incapaz de empunha-lo com um único braço, ao que Thibault aproveitou-se do momento para cravar a espada no peito do inimigo. O orc segurou a lâmina da espada de Thibault, tentando tira-la de seu peito e das mãos do escudeiro, mas dessa vez Thibault foi mais rápido, puxando sua espada do peito e das mãos do orc e brandindo-a novamente, para então decepar o cabeça da criatura.

Quando ia se virar para a choupana, um pequeno e jovem macho orc avançou em sua direção, tentando estocar-lhe com uma adaga. Thibault habilmente aparou a adaga com sua espada e golpeou a cabeça do jovem orc com seu escudo, fazendo-o cair inconsciente.

Thibault ergueu sua espada para também decepar a cabeça do jovem orc caído, mas seu golpe foi parado pela espada de Crisagon:

– “Ele é apenas uma criança orc e você já o subjugou. Ajude a moça dentro da choupana…” – disse o cavaleiro apontando para um par de olhos humanos assustado dentro da choupana e depois seguiu em seu cavalo, procurando mais alguma resistência por parte dos inimigos.

Thibault encontrou uma jovem humana, seminua, violentada e com hematomas e feridas por todo corpo. Ele voltou ao seu cavalo e pegou sua capa para cobri-la. Ele olhou nos olhos dela e viu os olhos de sua irmã…

Uma hora depois, todas as choupanas estavam em chamas. Todas as reféns haviam sido salvas, mas elas nunca mais seriam as mesmas… Os outros escudeiros prepararam uma pequena carroça que haviam achado no acampamento dos orcs para levar as moças. Dois deles atrelaram seus cavalos e a guiariam. Além disso, havia um grupo de orcs prisioneiros, a maioria mulheres e crianças, entre eles o jovem orc que Thibault havia subjugado

Impaciente, Thibault perguntou a Crisagon o que fariam com os prisioneiros. Crisagon virou-se para os orcs:

-“Vocês estão livres. Nunca mais pisem nessas terras e saiam do Sacro Império!”

Thibault, impertinente questinou seu senhor diante de todos:

-“Mas, meu senhor, estas criaturas jamais teriam piedade para conosco. Aquele jovem que derrotei, daqui há algumas estações será adulto e provavelmente atacará alguma vila humana, senão aqui, em algum outro lugar. Meu senhor, deveríamos exterminar esses monstros!”

Crisagon deu um sorriso amargo. Colocou o seu elmo e subiu em seu cavalo de guerra, e só então respondeu:

– “Sim, ele vai crescer e provavelmente irá atacar alguma vila humana. E eu peço a Demiurgo que, quando isso acontecer, me dê a graça de estar vivo e poder chegar mais cedo para evitar o pior, e derrotar esses monstros…”

Thibault fitou confuso Crisagon e o cavaleiro, olhando bem fundo nos olhos do escudeiro, complementou:

– “Ter piedade para com eles, mesmo sabendo que eles nunca teriam para conosco, é o que nos diferencia deles, escudeiro, não a nossa aparência. Espero que um dia você entenda isso…”

Thibault engoliu em sêco e abaixou sua cabeça. Crisagon ordenou a todos montarem e os cavaleiro seguiram de volta para a vila atacada em coluna dupla, com a carroça no meio da formação. Os cavaleiros começaram a entoar uma canção, agradecendo a Demiurgo por todos estarem vivos. Algumas das jovens humanas choravam baixo e outras tinham o olhar vazio e distante. Os escudeiros que seguiam com elas na carroça ficaram silenciosos…

Thibault seguia cabisbaixo e também silencioso, pedindo a Demiurgo que o perdoasse e o aliviasse do ódio àquelas criaturas que ele carregava na alma…

Por Marcelo Telles
Réia é um cenário de fantasia medieval épica
criado por Marcelo Telles para o sistema D20.
Não percam, no primeiro domingo de fevereiro,
a estréia da coluna mensal
Réia: Notas de Criação do Cenário,
em que o autor falará do desenvolvimento desse novo cenário.
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