Uma carta sobre os Zions

Mui digníssima Regia Princesa Magus Diedre Ladassia, da casa de Tudori,

Perdoe as minhas palavras desprovidas de poesia ou de métrica, mas bem como a Vossa Sereníssima Alteza sabe eu sou um apenas batedor e não um trovador. Segue abaixo o relatório que a Magistrix Tudori de Hiperbórea requereu a mim e minha pequena equipe. Eu tomei a liberdade de dividir em diversos documentos, cada um deles falando de um povo ou espécie especifica dos três impérios humanos.

Por fim, eu espero que este relatório seja de alguma valia para os planos de Vossa Sereníssima Alteza para a vinda da Alta Corte de Hiperbórea para estas terras. Eu mesmo notei que os terrores que tomaram a terra de seus pais estão presentes aqui, mas de outra forma. Nos primeiros documentos irei descrever alguns dos povos mais fascinantes e quase sempre menosprezados ou temidos os quais não têm comparativos em nossa terra de origem, incluindo os dragões continentais que não tem nada a ver com os que conhecemos.

Desde já espero que tudo esteja ao vosso contento

Dirk Loech, líder da Balil’sidran e da empreitada de investigação continental para a casa Tudori.

* * *

O Misterioso Povo de Zion Harchem

O meu primeiro foco de investigação foi o povo de Zion Harchem, um povo fascinante por si só. Apesar de eles serem humanos como a grande maioria dos habitantes dos três impérios, eles são diferentes de todos, incluindo aqueles que são provenientes de terras gélidas como os reinos. O meu primeiro contato com eles aconteceu alguns instantes antes de minha partida do porto da cidade de Sindhar. Um deles tinha acabado de aportar na cidade. Ele era um homem de vestes negras, barba longa, magro e falava o nosso idioma quase perfeitamente. A princípio eu achei que ele era um anão magro que estava sob o efeito de algum encanto que tinha aumentado seu tamanho, mas eu errei. Ele era um dos seres humanos mais fantásticos que eu me deparei nesta jornada. Não pelas magias que ele praticava ou como ele empunhava sua espada e sua fé, mas por suas palavras e velocidade de raciocínio. Ele era o negociador de uma missão comercial, seu nome era Aavram Bin Mosché, e a principio ele tinha vindo até aquela cidade vender não só as ervas medicinais que estava nos engradados, mas bolas de guano de morcego, varinhas de vidro e outros componentes que os magos precisam para os seus encantos e feitiços devidamente escondidos debaixo de mantas de peixe salgado.

No primeiro instante em que eu avaliei Aavram, ele parecia apenas mais um humano. Ele não parecia ser muito focado e nem muito inteligente como boa parte dos seres que são predominantes nesta esfera, mas a minha opinião mudou completamente quando ele começou a conversar com Maeb, a sacerdotisa que fora designada a nos acompanhar durante a empreitada. Ela foi escolhida por ter uma vontade inquebrantável e uma determinação sem par, mas em menos de vinte minutos de conversa, feita totalmente em nosso idioma e quase sem nenhum sotaque, ele tentou vender os seus produtos para ela.

Maeb, a princípio, havia recusado como era de se esperar, mas no fim da conversa não só ela comprou diversos produtos dele, bem como ela nos fez jurar que iríamos ajudá-lo encontrar a caravana comercial de seu irmão, Yacov, que estava em algum lugar na costa da Península Tifônica.

Logo após as compras finalmente partimos, desta vez com quase dois balaios a mais de ervas medicinais que surpreendentemente cumpriram muito bem a sua função nos rendendo diversos remédios usados logo após termos sobrevivido aos ventos de um inverno sobrenatural criado por diversos sopros de um dragão alvo como a neve perto do rio Rubicanis, que serve como uma fronteira entre o território humano e dracônico na Península Tifônica. Destino este que não estava em nossos planos, mas tivemos que adicionar por insistência de Maeb e que foi muito reveladora sobre os dragões continentais.

Depois deste primeiro contato, nós encontramos outros filhos de Zion dentro de diversas cidades. Eles pareciam ser quase onipresentes em todos os grandes centros urbanos do Sacro Império Minosiano e nas cidades próximas ao império humano conhecido como Califado Abárrida. Sem nenhuma exceção, tais pessoas vivem em regiões confinadas e muradas dentro das cidades, em bairros chamados de gueti, e todos são forçados a se vestir de maneira quase uniforme. Os homens usam um grande capote negro como a noite, um chapéu ou um gorro cobrindo a cabeça e, com raríssimas exceções, eles têm uma longa barba e um par de cachos descendo rente às costeletas. As mulheres vestem vestidos longos e pesados, tão negros quanto os capotes de seus maridos, e suas cabeças sempre estavam cobertas com um lenço, normalmente branco e bordado com o que parecia ser uma derivação do idioma celestial. Até mesmo as crianças ficam confinadas a este código de vestimenta e raramente são vistas nas ruas.

Todos os homens, com raríssimas exceções, trabalham com comércio ou em ofícios como apotecaria, medicina ou advocacia. Encontrei poucos e raros guerreiros entre eles. Segundo o que eu ouvi dizer, não só deles, mas também de algumas pessoas-chave das cidades, os zions são impedidos de exercer diversos cargos e funções, incluindo o de serem sagrados como cavaleiros, entrar nas escolas de magia e até mesmo cultivar seus próprios alimentos ou ter terras. Tal proibição veio devido a uma série de levantes populares contra eles e outras espécies não humanas que não professam a fé em Sóter. Logo, a concentração deste povo é basicamente em cidades e, por ventura das leis, os zions só podem residir nos gueti, o que torna fácil de encontrá-los.

Mais tarde soube que um grande guerreiro e um grupo de leais companheiros tinham descoberto um culto que promovia o caos e que queria desestruturar o reinado do Imperador Carlomano. Tal culto foi o responsável pelos levantes que semearam o Império Minosiano com preconceito e ódio.

Os gueti onde os zions residem têm uma estrutura bem típica. Todas as casas têm uma função dupla. Não é raro encontrar lojas no andar térreo e as famílias viverem nos andares superiores. Ou as famílias viverem no térreo e no andar superior, e o estabelecimento de trocas de moedas e de compra e venda de jóias ser no local onde normalmente são os estábulos. O comércio feito por este povo é um dos mais diversificados que eu vi em todo o Império Minosiano. Eles não só vendem os produtos locais, como também outros produtos vindos de todas as partes de Eurone e até mesmo de nossa terra. O mais estranho foi ver halflings saindo dos esgotos carregando fardos maiores do que eles, e entrarem nas lojas e barganharem pelo o que está dentro do fardo de igual para igual em Vulgarti. Os zions costumam tratar os halflings com dignidade. Esse hábito deve ter dado origem a uma crendice que ouvimos diversas vezes: os halflings seriam os filhos dos zions que são encantados para serem sempre pequenos e esguios, para que eles sempre possam roubar as posses dos fiéis da igreja de Sóter e depois venderem nos guéti.

Não foi raro vermos os halflings saírem com os bolsos cheios de moedas devido a venda de diversos produtos relacionados à magia. Tais produtos são revendidos pelos comerciantes, mas de maneira oculta. Não apenas os itens que eventualmente os halflings encontravam nos esgotos e catacumbas, como também pedaços de ossos de animais poderosos ou itens do antigo império que dominou toda Eurone no passado.

Diversas vezes eu perguntei para que serviam os produtos que vinham através dos halflings ou que estavam expostos de maneira oculta, como por exemplo um símbolo sagrado de Palas ou diversas areias coloridas. Mas os vendedores falavam que eram apenas bugigangas e não material para conjuros e preces. Esta resposta, a meu ver, está relacionada aos atos das Casas de Magia ligadas a Ordem Minosiana.

O que os zions vendem não é nada contra as leis e sequer é mágico em si, mas os mercadores locais sempre tentam mascarar a função de tais itens difíceis de achar. Eles não querem ver suas lojas e casas destruídas por algum nobre mago. Ao perguntarmos se alguém entre eles praticava magia a resposta sempre era a mesma: ninguém pratica magia e os produtos que eram vendidos eram curiosidades. Depois de muita insistência, o nosso mago, Morgan, conseguiu compelir magicamente um dos vendedores a falar se tinha alguém que praticava magia e que comprava tais itens e a resposta foi surpreendente. Mais de 10 nomes foram ditos, todos eles membros de uma ordem mágica secreta chamada de A Palavra. E pelo que podemos constatar, tais magos são membros de prestigio da comunidade zion local e até chegavam a prestar serviços a magos da Ordem Minosiana como escribas e tutores de matemática e escrita sem que fossem percebidos como magos. Depois disso, nunca mais conseguimos nenhuma informação sobre tal ordem. Eu fico me perguntando, será que ela é uma ordem secreta ou simplesmente tem que se ocultar devido à truculência dos nobres magos e a incapacidade deles lidarem com alguma concorrência?

Outra peculiaridade que notamos dentro dos gueti foi a divisão dos templos. Os zions adoram um deus, que eles apenas o chamam de o Eterno, apesar de eles terem mais de 72 nomes para ele. Eles costumam ir a dois locais bem distintos para praticar a sua fé. Um deles cumpriria a função de um templo como conhecemos, com um salão de preces, um local elevado onde o sacerdote realiza as cerimônias e poucos sacrifícios de bodes para espiar os pecados de todos, e assentos em locais distintos e separados entre homens e mulheres para os fiéis. Porém, a outra parte do templo que poderíamos chamar de salões comunais e salas de estudo ficam em outro prédio. Esta peculiaridade está relacionada ao fato desses salões estarem sempre cheios, não importando a hora do dia. E que sempre existem grupos de zions discutindo sobre os parâmetros das leis religiosas, os feitos de seu deus e até mesmo sobre política e qual será a taxa de câmbio entre as moedas. Tais discussões costumam ser bem acaloradas e difíceis de acompanhar. Diversas vezes eles começam a falar em um determinado e no meio do debate mudam para Zion, o seu idioma natal, para o idioma do Califado Abárrida (normalmente nas cidades portuárias do sul ou perto da fronteira oeste do Império Minosiano), ou partem para o Vulgarti. Eu mesmo presenciei alguns destes debates sem ser percebido. Eles eram bem acalorados e, se fossem no mesmo prédio onde são feitas as orações, provavelmente iriam prejudicar as preces dos fiéis.

A senhora deve estar se perguntando neste momento como um povo inteiro pode falar uma língua que normalmente é associada a criminosos e pessoas das piores estirpes. Na verdade, o idioma Vulgarti, segundo o que a minha equipe pode concluir a partir de registros do antigo Império Minosiano, foi algo que os zions criaram durante o período de escravidão que os antigos regentes do império os forçaram a viver. Muitos zions não sabiam minosiano e eles eram proibidos de falar seu idioma nos campos de trabalho. Logo, por necessidade, eles passaram a falar um Minosiano misturado com Zion – que é um idioma muito próximo do idioma dos deuses desta esfera – e um pouco de Farsi e Helênico. Com o tempo, este dialeto passou a ser falado por diversos escravos não zions e poucos eram os capatazes que entendiam tal idioma. Com os escravos fugindo e passando a ter que viver nas ruas roubando para poder comer e se organizando em quadrilhas, o idioma Vulgarti se tornou a língua dos bandidos e pessoas de baixa estirpe.

Fora dos gueti e das cidades, encontramos apenas as caravanas comerciais que os zions mantêm entre o Califado Abárrida e o Império Minosiano, além de uma vez no lado de fora de um antigo palácio onde um grupo de halflings e um meio-elfo estavam fazendo a limpeza do que sobrou dos tesouros, e em uma vila perto do rio Rubicanis onde todos eram zions e estavam preparando algo para um dragão chamado Cirros. Pelo o pouco que pudemos ver que estava sendo feito, era algo bem poderoso e, segundo Maeb, envolvia deturpar seres humanos de uma maneira indescritível. Algo que será descrito em um documento futuro que irá falar sobre os dragões continentais.

Por Rafael “Eavatar” Meyer
Conto para o cenário de D20: REIA

Réia é um cenário de fantasia medieval épica
criado por Marcelo Telles para o sistema D20
e lançado pela Editora Caladwin
(http://www.caladwin.com/caladwin/reia.mv)
Não percam, no primeiro domingo de cada mês, a coluna mensal de Reia
e participem no nosso fórum do tópico dedicado a Réia
https://www.rederpg.com.br/wp/forum/reia/
e da comunidade oficial do cenário no Orkut
www.orkut.com/Community.aspx?cmm=8782566

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