Legend of the Five Rings RPG, 4th Edition (resenha)

O Império de Esmeralda de roupagem nova!

Legend of the Five Rings RPG, como a maioria de nós já sabe, se iniciou como um produto secundário, que visava explicar maiores detalhes e permitir um novo grau de interação dos jogadores do card game de mesmo nome no fantástico cenário de Rokugan. Supostamente mais conhecido em terras tupiniquins graças ao suplemento Aventuras Orientais de D&D 3ª Edição, Rokugan é uma visão poética do Oriente Antigo, em que samurais de um mesmo Império dividido em oito Clãs Maiores lutam entre si em guerras, duelam, meditam sobre a Honra, enfrentam monstros sobrenaturais e outras coisas… “Samuraisescas”.

Ao longo de quinze anos de existência, o RPG acabou de ganhar sua 4ª edição em 2010. Um período turbulento no mercado de RPG em que todos parecem ter que se decidir entre ser a favor ou contra a tão polêmica 4ª edição do “Todo Poderoso” D&D.

A nova capa - clique para ampliá-la

A preocupação com comparações e associações me parece justificada, já que de certo modo, Rokugan também é um cenário medieval fantástico, e expressões dessa preocupação por parte dos escritores me parecem bem visíveis em vários pontos do livro.

Seguindo a tradição gráfica originada da 3ª edição, o livro básico da 4ª nos presenteia com uma capa bastante simples, mas bastante potente visualmente. O mesmo padrão de fundo preto com apenas um objeto simbólico associado ao tema tratado parece estar sendo seguido pelos outros volumes da mesma edição, uma maneira simples e eficaz de gerar um estilo em toda a linha. A arte interna se destaca pelo fundo das páginas. O papel é o que estamos acostumados a ver em livros de RPG, mas o fundo em si carrega uma textura que nos faz pensar termos em mãos um papel de gramatura maior, mais áspero, como um papel de arroz, tipicamente usado pelos calígrafos japoneses e chineses. Não obstante, ainda temos “iluminuras” em estilo nishiki-e que adornam as páginas, e ajudam bastante para dar o clima oriental ao RPG. As caixas de texto e outros detalhes, como os títulos dos seis grandes capítulos do livro (Introdução, Livro do Ar, Livro da Terra, Livro do Fogo, Livro da Água e Livro do Vácuo) imitam espirros e pinceladas bruscas de tintas nanquim. Novamente, geram um efeito visual muito bonito e um design leve e “clean”. Houve, também, no momento de seu lançamento, uma edição comemorativa aos 15 anos do RPG, que usa o título dourado no lugar da arte da capa e no verso, o símbolo de seu clã predileto (escolhido no ato da compra) também em dourado.

O primeiro capítulo, como habitual, é uma rápida e curta introdução a respeito do que é RPG, dados, e leves noções sobre o que Rokugan tem de diferente (ou parecido) com outros cenários de fantasia disponíveis no mercado. Percebo que aqui há uma grande intenção de realmente tentar firmar o produto no gosto do leitor. A ênfase que o texto dá no que Rokugan tem de “melhor” em relação a outros estilos narrativos ou outros produtos propriamente ditos (que bebem muito mais da cultura ocidental do que na oriental) disfarça, mas não deixa de ser uma tentativa da AEG de vender seu próprio peixe. Por mais persuasivo que isso possa parecer, considerei bastante diplomático e bem politicamente correto. Em resumo: “Você pode até continuar gostando de RPGs de outros estilos, mas saiba que L5R ainda é o melhor no que faz”. Também chamo atenção para uma utilíssima tabela no final da seção, atualizando jogadores de edições antigas feitas no sistema desta nova edição. Mas não chega a ser nenhuma idéia revolucionária.

Os capítulos seguintes seguem os Cinco Anéis do título do RPG, cada um abordando uma faceta do RPG. O primeiro, o Livro do Ar, detalha mais o cenário de Rokugan em si, falando de sua história, costumes e principais facções. Tudo muito descritivo e resumido em relação pelo menos à 3ª edição, em que mil e poucos anos de História ocupam algumas dezenas de páginas em formato esquemático. Aqui, temos tudo isso bem narrado superficialmente em nove páginas. Quando digo “superficialmente” quero dizer que não é dada atenção às minúcias e fatos não tão importantes assim da História do Império. O capítulo sobre a sociedade rokugani (gentílico de “Rokugan”) também está muito útil, falando sobre os principais postos imperiais (os “Escolhidos do Imperador”), os Campeões de Jóias (a saber, cargos que recebem nomes de pedras preciosas, como o “Campeão de Jade”, “Campeão de Esmeralda”, “Campeão de Rubi”, etc). Também temos de volta a polêmica caixa de texto “Rokugan, não Japão”, para advertir os jogadores que nem tudo em Rokugan precisa estritamente ser como era no Japão Feudal. Uma extensa descrição de vários costumes rokuganis também está lá, como o ato de presentear, sufixos de tratamento (“-san”, “-chan”, “-kun” e “-samá”, muitos adeptos de cultura japonesa já estão acostumados a eles), arquitetura, épocas do ano, moda, etiqueta… Enfim, tudo aquilo que se precisa para conseguir captar o clima “ajaponesado” de Rokugan. De outras edições para cá, destacaria a seção que detalha as Sete Virtudes do Bushidô (resumidamente, o “manual do bom samurai”), com explicações bastante elucidativas para cada uma delas, e os principais pontos de conflito na opinião típica dos mais diferentes clãs.

Finalizando o Livro do Ar, vem a típica seção que fala mais a respeito de cada um dos oito Clãs Maiores que compõem o Império de Rokugan, falando sobre seus principais deveres, pontos fortes e fracos, e, para cada um, várias frases curtas sobre o que este Clã tipicamente pensa a respeito dos outros. Isso me lembrou bastante os livros antigos de Vampiro, inclusive por haver, no começo da explicação de cada Clã, embaixo do mon (símbolo circular que representa cada Clã. Equivalente ao brasão europeu) de cada um, uma pequena citação que resume o espírito de cada Clã.

O Livro da Terra visa tratar das mecânicas básicas do sistema Roll & Keep, que possui este nome por usar determinado número de d10’s a ser jogado, e dentre esses, escolhe-se alguns para ter seus resultados somados (os dados mantidos, “keeped”, em Inglês). Esta soma então é comparada à dificuldade do teste para definir falha ou sucesso na ação pretendida. Nada muito diferente do que já vimos por aí, mas creio que o diferencial esteja no “dado explosivo”. No caso de um resultado 10 ou 0 (dependendo da terminologia), este dado possui um resultado igual a 10 + o resultado de sua nova jogada. Ou seja, um dado que resulte várias vezes em 10 poderá aumentar exponencialmente a chance de sucesso. Isso permite momentos heróicos e ações poderosas para qualquer lado envolvido. Também é daí que se origina grande parte da fama do sistema rápido, certeiro e mortal de combate. Aos marinheiros de outras viagens a Rokugan, aviso que o sistema ficou de modo geral mais dependente de jogadas puras, e poucos são os bônus constantemente fixos no sistema. Isso gera uma maior incerteza, aumenta o mar de possibilidades de ação e com certeza torna qualquer disputa mecânica (seja ela um combate ou um conflito social ou político) mais dramática e emocionante. Também temos os habituais Cinco Anéis dos quais derivam os Atributos (Traits) dos personagens. Cada Anel representa uma qualidade do indivíduo (Terra é a resistência; Ar, a sintonia com o “invisível” e intuitivo, por exemplo), e se dividem em um Atributo físico e outro mental. Para o desenvolvimento eficaz do personagem, ambos devem crescer juntos, contribuindo para o clima místico do RPG. O quinto Anel, o Vácuo (Void), porém, não possui Atributo algum. Ele apenas determina quantos Pontos de Vácuo o personagem tem, para serem usados em momentos de necessidade especial, de maneira semelhante à Força de Vontade do Storyteller. O motivo para isso vem do Vácuo ser exatamente nada, portanto, incapaz de ser por si só alguma coisa. Mas poder vir a ser qualquer outra coisa (parece meio confuso de início). Assim, o Ponto de Vácuo equivale um súbito aumento de certa habilidade do personagem.

Também é no Livro da Terra que constam uma das maiores novidades desta nova edição. As regras de duelo de iaijutsu (a arte de golpear sacando a katana de sua bainha) estão muito mais simplificadas e, assim como o sistema de modo geral, mais dramáticas. Quase não há certezas garantidas de vitória, mas tudo ficou mais simples e rápido para evitar que repetidos duelos (coisa que pode acontecer numa batalha campal) possam vir a travar a narrativa. De resto, temos as regras para Honra, Status e Glória sem grandes mudanças (exceto pelo fato de Honra agora ser um valor que vai até a 10.0, assim como Status e Glória eram na 3ª Edição e as mecânicas para Medo.

O Livro do Fogo trata inteiramente da criação de personagens. Desde o conceito principal, até todo o processo mecânico do preenchimento da ficha. Ali estão todas as Escolas dos Clãs Maiores, as Perícias, Vantagens e Desvantagens. Aqui temos uma coesão mecânica maior em relação ao que já foi visto na 3ª edição, já que várias Vantagens e Desvantagens acabaram sendo aglomeradas dentro de suas semelhantes maiores. Assim, a Vantagem Benção de Benten (Benten’s Blessing) consta como um tipo especial da Vantagem Benção das Fortunas, que já inclui qualquer uma das Sete Fortunas. Também esperem para ver mais usos dos valores de Honra por aqui. As Perícias de Armas de modo geral passam a dar maiores benefícios em níveis altos, antes associados ao simples usos das armas. Para surpresa de todos, as Magias também vieram parar neste capítulo e, atendendo a muitas queixas das edições passadas, o shugenja (o “mago” de Rokugan) pareceu ter sofrido uma enfraquecida geral em seu nível de poder, mas nada muito alarmante. As Escolas dos Clãs também foi uma das maiores mudanças que a AEG anunciou para esta edição. Na edição passada, elas podiam se tornar uma verdadeira dor de cabeça para os Mestres, com vários suplementos e literalmente dezenas de “classes” possíveis para cada personagem e infinitas combinações bizarras entre elas. Agora as Escolas parecem estar mais especializadas, mas a mecânica de criação de personagem permite que se dê a elas usos mais variados. De modo geral, neste livro básico, cada Clã vem com uma Escola de bushi (guerreiro), outra de shugenja (mago/sacerdote), outra de cortesão (diplomata, porta-voz político) e outra Escola “coringa”, que pode variar entre uma versão secundária das anteriores. O Livro do Fogo termina com a seção de equipamentos, com as mais diversas armas, armaduras e itens que de modo geral compõem o cenário samurai cotidiano.

O Livro da Água comporta as regras opcionais do RPG, com os antagonistas e outros tipos de personagem fora do escopo “samurai de Clã Maior” que também podem ser interessantes para jogadores e Mestres. Entre eles estão os ronins (samurais que por motivos variáveis não defendem nem são defendidos pelos Clãs), monges da Irmandade de Shinsei (sacerdotes guardiões da memória do profeta Shinsei) e o nefasto Clã Aranha (samurais corrompidos que usam poderes malignos e visam dominar o Império). Também temos uma versão mais simples da regra de combates em massa, um dos maiores atrativos de L5R. O que considerei uma das maiores novidades deste capítulo foram as regras novas para maho, a magia negra baseada em sangue. De modo geral, ela ficou mais temível, não exatamente poderosa. Ela não é nenhuma apelação desvairada, e sim algo que realmente pode complicar muito a vida dos jogadores (que fizerem uso ou se opuserem a ela) ao longo da narrativa.

Por fim, o Livro do Vácuo é um capítulo dedicado principalmente ao Mestre. Ele contém dicas (úteis!) para narrar uma aventura de L5R, de como conseguir dar o clima de Rokugan e evitar que sua narrativa se torne um “D&D com samurais”, além de abastecê-lo com animais e monstros bem interessantes. Desde os cavalos típicos de Rokugan e as montarias fabulosas do Clã Unicórnio, passando pelos felinos guerreiros do Clã Leão aos cães de guerra do Unicórnio, culminando com uma pequena amostra dos horrores demoníacos e mortos-vivos das Terras Sombrias. O capítulo se encerra com uma aventura pronta, que visa firmar de vez na cabeça do jogador mais cabeça dura que Rokugan também é um lugar de política e sociabilidade, em que a palavra ou o gesto certo pode fazer um estrago inconcebível nem com mil golpes perfeitos. Em que as Virtudes do Bushidô abençoam toda uma sociedade harmoniosa vigiada por legiões de ancestrais honrados cujas lendas ecoam até hoje.

De modo geral, Legend of the Five Rings 4th Edition trouxe várias novidades para este fabuloso cenário conhecido por muitos aqui no Brasil e admirado por todo o mundo. Mesmo assim, Rokugan continua sendo aquilo que sempre foi desde sua primeira edição: “uma terra onde a Honra é mais poderosa que o aço”.

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Legend of the Five Rings – 4th Edition
Editora:
Alderac Entertainment Games (AEG)
Ano: 2010
Sistema: R&K
Texto: 5 (Excelentemente escrito, mas algumas erratas passaram, já estão disponíveis na Internet.)
Conteúdo: 6 (Um cenário apaixonante, um sistema simples e eficaz, e descrições precisas sem serem enfadonhas ou excessivamente exatistas. Algumas ficaram superficiais, mas creio que o objetivo do livro era exatamente ser “básico”.)
Arte/Layout: 6 (A arte coloca de vez L5R como o melhor RPG de Oriente Feudal. Excelente diagramação e formatação do livro. Uma das mais belas fichas de personagem que vi na vida.)
Nota Final: 6

Resenha por Thiago Hayashi

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