O que é Live-Action?

Esse é o primeiro de uma série de artigos de mais de uma década. Alguns foram perdidos e precisaram ser reescritos, outros foram atualizados. Por volta de 1996/1997 eu joguei meu primeiro Live Action (personagem criado em 1996 e Live jogado sob ardorosos protestos: “Mas não vão ter jogos de mesa? Eu não posso mesmo só jogar os jogos de mesa?”) e eu podia jurar que ia ser uma daquelas coisas que fazemos só para provar para alguém que não somos capazes de fazê-la… Acreditava de verdade que ia ser algo momentâneo, feito sob pressão dos amigos e que ao verem minha total inabilidade me deixariam paz. Ledo engano. Em todos os sentidos. Jogar Live mudou minha forma de ver o RPG, ampliou de inúmeras formas meus horizontes e me proporcionou, nos anos seguintes, as melhores experiências em jogo que já tive, e muitas das minhas melhores experiências pessoais. E há 8 anos em abstinência de Live Action, ainda me considero muito mais jogadora de Live do que de mesa.

Mas o que é Live Action afinal?

Clair, meu primeiro personagem de Live, em 1997

Live Action é uma modalidade do jogo de RPG (Jogo de Interpretação) que pode ser melhor entendida quando comparado ao Teatro, sendo muitas vezes descrito como “Teatro de improviso”.

No Teatro tradicional, podemos apontar dois objetivos primários: Contar uma história para um público e dar ao ator a oportunidade de representar um personagem. Os atores, no teatro, se guiam por um script pronto, escrito previamente por um autor, com início, meio e fim já previamente definidos, e recebem sua personagem, que salvo pequenas contribuições dadas pelo ator no exercício de sua interpretação, já possuem suas falas escritas e seu destino traçado.

Em um Live Action, os jogadores/atores (como chamaremos a partir desse momento os participantes desse evento) irão, assim como no Teatro, representar personagens, mas não para um público, e sim, entre si. Em um Live Action não existe uma platéia. Todas as pessoas presentes estão representando também, separando assim, o Live Action do Teatro convencional. Para os amantes da representação, os “amadores”, esta característica do Live Action é um grande facilitador, uma vez que não existe um público os assistindo, e o “representar bem seu personagem” será apenas julgado por outros, que também como ele, estarão passando pelo mesmo desafio.

Uma outra diferenciação básica do Teatro para o Live Action é o tratamento dado a história que está sendo encenada. Enquanto no Teatro a peça já foi previamente escrita e possui um final, assim como estão determinadas as  ações e falas de todos os personagens, no Live Action se trabalha com o improviso, não havendo um final pré-definido. Em um Live Action clássico, uma história básica (a ambientação), para nortear e orientar os jogadores/atores é escrita, e a cada um deles é dada uma “biografia” resumida do personagem que eles representarão. Nessa biografia estão presentes os objetivos que movem a personagem, bem como linhas básicas de sua personalidade e sua história pregressa. Tendo a história básica geral e a história do personagem que representará, todas as falas e ações do personagem serão decididas pelo jogador/ator no decorrer da encenação, tendo ele, diferente do que acontece no teatro, um papel fundamental no desenrolar da história, escrevendo-a junto com os outros jogadores/atores no decorrer da encenação.

Se a ausência de público torna o Live Action mais simples que o teatro (e mais acessível aos não profissionais), a ausência de uma história fechada e  pré definida faz do Live Action uma experiência mais complexa e desafiadora que a encenação de uma peça totalmente já escrita. Não adianta só ser um bom ator e ter uma boa memória: coisas podem mudar, e muito, e rápido, e a habilidade mais exigida é a nossa capacidade de se adaptar e solucionar problemas conforme eles surgem.

Na mesa, mas jogando Live... (Cena do Live contínuo Rio by Night, dez/1996)

Explicamos o que é Live Action comparando-o com seu similar mais próximo, o Teatro. Mas Live é uma modalidade do  jogo de RPG, então como ele se encaixa aí?

Todos os elementos básicos do RPG estão presentes no Live Action. Há uma história base, há os jogadores representando personagens, e há mestres/narradores para resolver questões pendentes. Mas o Live em muitos aspectos, vai além do RPG tradicional de mesa…

Pra começar ele acontece em tempo real. Tudo que você faz e fala influencia diretamente as ações e falas dos outros personagens, e raramente é possível voltar atrás. Pensar bem mas pensar rápido é um requisito importante para se levar em conta em um Live. Os cansativos “meu personagem vai fazer isso”, “meu personagem falou aquilo”, dão lugar a ações e frases reais, tornando a experiência ainda mais divertida. E para quem não interpreta muito em mesa porque é tímido, no Live, a timidez se dilui muito mais fácil e mais rápido que num jogo de mesa. Todos ali, no mesmo barco, fazendo a mesma atividade, faz maravilhas para os tímidos. Falo de experiência própria! Na mesa, às vezes ainda (depois de todos esses anos) fico meio sem graça de interpretar totalmente o personagem, mas durante um Live, me esqueço completamente que sou tímida… interajo com todos os jogadores, mesmo os que não conheço muito bem, agindo exatamente como meu personagem agiria e nem sinal de acanhamento.

Bia, Michel e Eu em live Vampire Dark Ages, 1999. Nas roupas, nas falas e nas atitudes: 100% de interpretação.

Estar vestido a caráter, ter props (elementos físicos como mapas, tesouros, fotografias, enfim, qualquer coisa) nas mãos e o clima “ON” (em jogo) que toma conta do ambiente ajuda nossa concentração e pelo tempo que o Live dura, nós jogamos RPG e só. Nada de lanchinhos, telefonemas, pausas para conversas paralelas que alongam a sessão de jogo e a aventura não rende… Alias, juntando o útil ao agradável, fizemos vários jogos com jantares que foram divertidíssimos, além de deliciosos, e o jogo acontecia enquanto jantávamos.

Os personagens são de modo geral, melhor construídos. Não há como “entrar no personagem” sem conhecê-lo muito bem, pesquisar assuntos do interesse do personagem (ou vamos ficar sem assunto no meio do Live!), e ampliar a biografia que nos foi dada (em alguns casos, o personagem é todo criado por nós, mas a idéia é a mesma, seja partindo do zero ou de um personagem pronto, aprofundar é vital!). Então aquele companheiro de jogo que tem o péssimo hábito de fazer personagens unidimensionais (O que o seu personagem faz? Ele bate. Mas qual a história dele? Ele bate. Mas como ele se sente? Ele não sente, só bate!) porque são mais rápidos, e em certos jogos, apesar de ser chato, funciona, terá um personagem mais complexo no Live. Ele pode ser o ‘cara que bate’ mas seja por conta própria,  dado pelos mestres ou fruto das próprias interações em jogo, ele irá ter segredos e relações com outros personagens que você poderá explorar. E jogar com personagens bem construídos (seus e os com os quais você se relaciona) é SEMPRE mais divertido.

E o Mestre/Narrador não é aquela figura que precisa estar 100% do tempo presente, interrompendo a ação no jogo quando ele precisa mestrar cenas paralelas. É possível em um Live minimizar a quase nada a ação do Narrador.  Eu faço parte de uma escola de Live Action, a escola Carioca, que centra o Live quase que totalmente interpretação (jogamos sem um sistema de regras pré-definido, que pega elementos do Mind’s Eye Theatre, mas apenas como guia), então a função do Mestre depois que o jogo começa é só a de amarrar os plots, ser o canal de informação entre os jogadores/personagens e muito raramente, administrar alguma disputa em jogo. Sem que o Mestre precise estar em todos os lugares ao mesmo tempo, um Live Action é mais fluído e ágil do que um jogo de mesa. Além disso, sobra tempo pro Mestre se divertir ‘jogando’ também. Através dos seus NPCs, o narrador também participa das interações (nesse ponto, muito parecido a como acontece nos jogos de mesa.).

Se o RPG é um excelente instrumento para exercitar nossas habilidades sociais, de resolução de problemas, de pensamento rápido e eficiente, de trabalho em equipe, de gosto pela leitura e pela pesquisa e de construção de narrativas, o Live Action é tudo isso potencializado. Uma experiência extremamente divertida, e para os que se deixarem aproveitar, incrivelmente rica.

E no clima de saudosismo que o recém realizado live do Daniel Braga e do Lúcio Nöthlich (Cidade na Areia – Réquiem – Março / 2011) deixou em todos nós da velha geração dos Live Action, voltamos semana que vem falando um pouco mais sobre Lives…

Por Adriana Almeida
Equipe RedeRPG

 

Cena do Live Cidade na Areia - 2011. Um 2a geração (filho de jogadores de live): Marcelo Lacerda e 2 velha guarda: Luciana Werneck e Maurício 'Perninha' Almeida se reencontrando para jogar Live Action!

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Written by Adriana Almeida
Fazendo curso intensivo para vir borboleta na próxima geração. Longa história...
4 Comments
  1. Bem didática a explicação!

    • Obrigada. A idéia desse é explicar pra quem não sabe nem do que se trata. Os próximos são mais específicos pra quem já jogou ou pretente jogar sabendo do que se trata. :P

      • Ótimo, porque eu sou um desse que considerava, até de uma maneira preconceituosa, por não saber direito como funcionava.

        Acompanharei com atenção os próximos posts!

        • Adriana respondendo logada como Rede…

          Live é uma paixão minha… E os artigos seguintes podem ser um pouco específicos sobre questões que me movem e que acredito que são importantes para que um bom live seja possível, mas talvez não sane todas as dúvidas… Se no decorrer da série tiver dúvidas e puder manifestá-las, de repente mais do que responder, podem dar margem pra novos artigos , com questões menos específicas, mas de acordo com as dúvidas de quem ainda não teve o prazer de jogar um bom live… :P Então qualquer feedback daqui pra frente eu vou agradecer bastante! :)

          Fim da Adriana respondendo logada como Rede…

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