Arquivo REDERPG: The Light of Other Days (resenha)

Imagine um mundo onde tudo que você faça é visto, gravado e analisado. Que o governo, seus empregadores e até mesmo seus parentes e vizinhos veem tudo que você faz… E ver seu passado, o que você fez antes e que não há dispositivo no mundo capaz de impedir isso… E que também você pode vê-los… Que tipo de mundo pode surgir quando a tecnologia acabar com a possibilidade e o próprio conceito de privacidade, tornando o planeta num “mundo de paredes de vidro”? The Light of Other Days é um romance feito a quatro mãos por ninguém menos que o grande Arthur C. Clarke e seu sucessor, Stephen Baxter. Confiram a seguir a resenha desse romance (642 leituras) feita por Jocimar Oliani, e que foi publicada no antigo portal em 18 de dezembro de 2003.


The Light of Other Days

Imagine um mundo onde tudo que você faça é visto, gravado e analisado. Que o governo, seus empregadores e até mesmo seus parentes e vizinhos vêem tudo que você faz… e ver seu passado, o que você fez antes e que não há dispositivo no mundo capaz de impedir isso… e que também você pode vê-los… Que tipo de mundo pode surgir quando a tecnologia acabar com a possibilidade e o próprio conceito de privacidade, tornando o planeta num “mundo de paredes de vidro”?

Essa é justamente a questão que guia o desenvolvimento do mais recente livro do legendário Arthur C. Clarke e de Stephen Baxter, considerado por muitos o sucessor de Clarke na chamada “Hard SF” – a ficção cientifica baseada principalmente na ciência e na tecnologia. Mas um momento! Os livros escritos de Clarke escritos em parceria tem a fama de não serem tão bons assim… Será que “The Light of Other Days” quebra esse tabu? Ele não quebra, pulveriza.

A historia começa na década de 2030, quando Hiram Patterson, dono da corporação OurWorld, a Microsoft/IBM desse tempo, anuncia a criação dos DataPipes, uma tecnologia que utiliza wormholes subatômicos – atalhos na trama do espaço-tempo – para transmitir informações em tempo real, batendo a própria luz e, ao mesmo tempo que o ultimo satélite de comunicações está sendo lançado das estepes russas, os torna obsoletos instantaneamente. Logo, um mundo instável – problemas climáticos decorrentes do Efeito Estufa, conflitos religiosos e por recursos naturais, e a sombra do Wormwood, um planetóide que colidirá com a Terra no século 26 – começa a ser conectado pelos DataPipes, só que isso não é suficiente para Hiram: ele traz da França seu filho David Curzon, que não vê desde que ele tinha cinco anos, para desenvolver uma maneira de abrir um wormhole em qualquer lugar do mundo dos escritórios da WormWorks, em Seattle, e grande suficiente para permitir ver imagens através dele: a câmera espiã perfeita, uma WormCam. Ao mesmo tempo, Hiram tenta atrapalhar o romance entre Bobby Patterson, seu segundo filho, e Kate Manzoni, uma jornalista investigadora de personalidade forte e inquisidora, que percebe imediatamente que há algo de errado com Bobby, algo que ele próprio não percebe…

Quando David tem sucesso em seu trabalho, o mundo começa a mudar de maneira incrível: governos e políticos caem, segredos são revelados, vitimas de desastres são encontradas imediatamente, casamentos desmoronam, a sensação de privacidade é ameaçada por uma câmera onipresente, impossível de ser detectada ou anulada, capaz de passar qualquer barreira imaginável… Clarke e Baxter exploram como a sociedade reagiria a tal desenvolvimento tecnológico – com choque e sentimento de revolta, passando por tentativas de se escapar da WormCam -, mas mesmo *isso* se torna brincadeira de criança, pois quando o mundo começa a se acostumar com a idéia de ser vigiado, David descobre outra possibilidade da WormCam, esse canivete suíço espião do espaço-tempo: ela pode ver o passado, a luz de outros dias…

Se a WormCam tinha acabado com a privacidade, esse aperfeiçoamento acabará com praticamente todos os mitos da Humanidade: heróis do passado caem, a verdadeira violência do passado é mostrada “ao vivo e a cores”, tragédias pessoais podem ser revistas milhares de vezes… Se antes a Historia estava morta, restrita aos livros, agora ela estava viva… e os personagens tem que lidar com isso da melhor maneira possível, ao mesmo tempo que a WormCam nos leva para um mundo diferente, onde wormholes podem ser usados para conectar *mentes* numa rede de comunicações telepáticas, numa verdadeira consciência coletiva – criando um mundo transhumano… até o final, quando os autores mostram a conseqüência final, incrível e possível, da tecnologia das WormCams…

Embora uma critica justa seja o desenvolvimento meio acelerado dos personagens – talvez pelo ritmo de Baxter – há exceções, como a jornalista Kate Manzoni e em especial o físico David Curzon. Talvez ele seja o personagem que mais perceba mais perceba o poder da WormCam, ao mesmo tempo tente entender todas as suas conseqüências, seja quando ele brinque como o primeiro protótipo de WormCam para “voar” pelos arredores do laboratório ou quando usa a WormCam para ver todos os seus ancestrais de trás para frente até a célula original, o começo da vida na Terra – ambos momentos cheios do “senso de maravilhamento” caracteristico da obra de Clarke. Mas a *verdadeira* personagem de “The Light of Other Days” é a própria WormCam e como ela muda a sociedade, como toda a tecnologia já desenvolvida fez, da roda até a Internet, tanto para o bem (investigação policial, procura de pessoas em desastres, revelação da autoria de crimes…) como para o mal (espionagem, queda de mitos – sejam históricos como religiosos…). O interessante é que ao mesmo tempo que a historia critica a nossa tendência atual de invasão de privacidade, muita vezes por nosso próprio consentimento (Big Brother, alguém?) e de mitificar o passado, Clarke e Baxter mostra que talvez a verdade possa ser dolorida, mas talvez mais inspiradora e incrível que nossos mitos, como David descobre ao participar do “Projeto 12000 Dias” – uma biografia de Jesus Cristo, baseada na WormCam… Além disso, Clarke e Baxter deixam claro que não se deve ter uma confiança cega nas novas tecnologia, pois mesmo com seu potencial para a Verdade, elas ainda podem ser usadas para enganar as pessoas, como no episodio do julgamento de Kate Manzoni, que ao mesmo tempo mostra que a memória humana não é páreo para o registro mecânico…

Se “The Light of Other Days” (titulo retirado de um poema de Thomas Moore) mostra que a Historia Humana na verdade é mesmo, em sua maioria, apenas o relato de seus crimes, guerras e loucuras, também nos lembra da importância da cada ser humano, de cada centelha de humanidade que vive e já viveu teve na construção do mundo como o conhecemos e de como surpresas e desafios nos aguardam em um futuro que nós não veremos, mas estamos construindo neste instante… ou como David descreveu a WormCam para uma personagens do livro, “The Light of Other Days” acaba funcionando como uma “Máquina Definitiva de Perspectiva”…

Como todo bom livro é.

Por Jocimar Oliani
Cedido à REDE RPG

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