O Desafio do Playtest

Os componentes do Maná em um playtest público: simples na confecção, mas guarda todas as características do jogo. A beleza foi posta de lado neste caso.

Ter uma ideia para um jogo acontece nas horas mais inusitadas. Por exemplo, um dos jogos que eu estou desenvolvendo, o Maná, surgiu quando estava voltando de meu trabalho, em um vagão cheio do metrô. Quando você tem a ideia, é como um raio que te atinge e a partir daí começa todo o “brainstorm” para criar o jogo. A concepção de peças, tabuleiros e regras acontecem às vezes de forma separadas, mas quando visualizamos o jogo na cabeça, parece que o mesmo sempre existiu. É muito comum testar uma série de mecanismos existentes e adaptá-los ao nosso sistema. Este processo pode acontecer até que o desenvolvedor crie algo novo e muito interessante.

Em muitos casos (como o meu), tenho a prática de jogar sozinho várias vezes e, nesse momento, acabo descobrindo as falhas iniciais que em sua maioria são grotescas. O designer do jogo pode concluir que aquele mecanismo pensado inicialmente não é o ideal, e voltar novamente para a “prancheta de desenho”.

Mas vamos pular esta parte e já imaginar que o seu sistema está com uma jogabilidade razoável e que pode sair para enfrentar o público. Neste momento é que será descoberta toda a verdade sobre o mesmo.

Alguns erros que devemos evitar antes de começarmos…

Existem alguns casos de designers que montam seus protótipos de playtest quase iguais aos produtos finais. Certa vez eu caí neste erro e me arrependi bastante, pois fiquei com um lindo tabuleiro baseado em hexágonos, similar aos do Catan, guardados numa caixa de papelão no fundo do armário (acho que um dia ainda vou utilizá-los em outro projeto). Acho que quando montamos um protótipo de playtest devemos ter o mínimo necessário para que o mesmo possa ser jogado e entendido.

Os componentes do Maná em um playtest público: simples na confecção, mas guarda todas as características do jogo. A beleza foi posta de lado neste caso.

Os componentes do Maná em um playtest público: simples na confecção, mas guarda todas as características do jogo. A beleza foi posta de lado neste caso.

No lugar de trabalharmos numa arte rebuscada, a própria Internet pode nos oferecer imagens ou desenhos que nos ajudam em um protótipo. Um outro ponto é com relação às regras, elemento altamente mutante em um playtest. Em muitos casos é importante que junto com elas devemos ter um bloco de anotações e canetas para escrever algo que possa ser útil e interessante durante uma partida. Em uma certa ocasião esqueci de anotar uma sugestão muito válida de um jogador e fiquei quase uma semana tentando lembrar a mesma. (Sorte que ele me mandou um e-mail novamente com ela.)

Reparem que há um caderno para anotações de sugestões, dicas e mudanças de regras durante o playtest. Não esqueça de levar isto é um acessório muito útil.

Reparem que há um caderno para anotações de sugestões, dicas e mudanças de regras durante o playtest. Não esqueça de levar isto é um acessório muito útil.

Selecionando o nosso grupo de teste

Considero-me uma pessoa de sorte, pois tenho um grupo de jogadores de teste muito experiente, sendo que algumas destas pessoas já colaboraram para alguns jogos. Fico confortável, pois tenho certeza que terei sempre alguma sugestão ou mesmo análise que possam me ajudar no desenvolvimento.

Mas a maioria dos desenvolvedores não tem esta mesma sorte, ou seja, têm que submeter seus jogos em eventos ou convenções para ver a reação das pessoas. Neste caso é um pouco de loteria, ou seja, não sabemos quem irá sentar-se à mesa para jogar um produto em desenvolvimento.

Uma série de dicas que acho válidas para evitarmos problemas e conseguirmos ter um bom retorno são as seguintes:

a) Seja muito claro e explique as pessoas que o jogo está em desenvolvimento e que, durante a partida, regras podem ser mudadas. Por isso quem estiver ganhando ou perdendo poderá ter sua situação modificada, para melhor ou pior;

b) Não jogue com novatos nesta fase de testes, pois poderá confundir as pessoas e causar frustrações. Os novatos são excelentes jogadores de teste quando o jogo já está “finalizado”;

c) Se você der sorte de ter um grupo de jogadores experientes na mesa, procure extrair o máximo de impressões dos mesmos. Com certeza o grupo será um excelente repositório de dicas e opiniões. (Leve seu caderno de notas para escrever!)

d) Ao ensinar as regras seja paciente, pois no momento que você explicá-las poderá surgir alguma pergunta importante e que pode ser utilizada como parte de um FAQ do jogo.

e) No final da partida, pegue o nome e o e-mail de todos, pois em muitos casos agradecer em um livreto de regras é uma das maiores recompensas que um jogador pode ter.

Procure um grupo de jogadores que aprecie o estilo de jogo, nunca jogue títulos com pessoas que não tenham simpatia pelo mesmo.

Procure um grupo de jogadores que aprecie o estilo de jogo, nunca jogue títulos com pessoas que não tenham simpatia pelo mesmo.

Coisas que provavelmente irão acontecer conosco

Com uma certeza quase absoluta, seu jogo terá algum problema quando for colocado com o público. Isto é muito normal, pois as pessoas são capazes de criarem situações que você nunca pensou. Seu “maravilhoso sistema” pode ser transformado em lixo depois de uma simples partida. Pode ser que isto não aconteça, mas vamos trabalhar com o lado mais pessimista da história. É muito comum, após as primeiras sessões de playtest, o designer ir para casa frustrado e com uma pilha de anotações de problemas em seu jogo. Sem desespero nessa hora, o melhor a fazer é deixar de lado uns dias sua criação e depois retomar o projeto com as mudanças propostas. Em muitos casos, ótimas sugestões aparecerão e permitirão melhorar idéias já existentes.

Depois deste momento veremos que na próxima sessão as coisas serão mais interessantes e menos problemas surgirão. (O sistema começará a fluir.) Depois de muitos testes, o jogo estará rodando como um relógio. (Claro que vai aparecer um “engraçadinho” com uma situação que nunca foi pensada! Não duvide da capacidade criativa da mente humana!)

Meu conselho se resume ao seguinte: teste, teste, teste, teste e teste de novo, até achar que a coisa está do jeito que você imagina, e depois teste mais uma vez!

IMPORTANTE: Ao submeter seu jogo procure sempre um público alvo que originalmente você pensou para o mesmo. Se você desenvolveu um wargame clássico do tipo “hex-and-counter”, jamais teste em um grupo de apreciadores de Eurogames e a premissa também é verdadeira ao contrário. Procure testar seu jogo com o público que gosta do estilo do mesmo. Estas pessoas são seus termômetros e as informações que os mesmos derem a você, valem muito.

Finalizando

Espero que este artigo possa ajudar a todos e trazer um pouco mais de esclarecimento para aqueles que estão desenvolvendo algum jogo e desejam apresentar ao público. Todas estas idéias foram o fruto de muitas sessões de playtest e de diversas experiências com jogadores dos mais diferentes tipos. Espero que vocês tenham apreciado este artigo mais simples e fico aguardando muitas sugestões e comentários a respeito do mesmo.

Por Antônio Marcelo
Riachuelo Games

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“O Desafio do Playtest” foi publicado originalmente no antigo portal em 6 de março de 2008 e teve 903 leituras.

 

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