Eclipse Phase RPG (resenha)

VI OUTRO GATO PRETO!

Certamente você já teve a sensação de estar vivenciando uma cena a qual lembra de já ter acontecido. Muitas pessoas chegam até mesmo a prever alguns acontecimentos, como diálogos e certos detalhes menores. Este fenômeno se chama deja-vu, e existem várias explicações científicas e não muito ortodoxas para ele, incluindo a cena do gato preto em Matrix. Curiosamente vindo hoje trabalhar, tive a sensação de um deja-vu, com um caminhão mudando de faixa perigosamente na Via Anchieta.

Esta sensação é a primeira coisa que você tem quando lê o volumoso Eclipse Phase, pois tudo nele faz lembrar de algo que você já tenha lido ou visto em outro lugar. Mas este fato faz com que ele seja dispensável? Veremos isso logo adiante.

O JOGO

Eclipse Phase é um jogo de ficção científica, com doses cavalares de horror e conspirações. O enredo do game gira em torno da idéia da transumanização: um conceito abordado no livro, que indica um processo contínuo de modificações no ser humano. No nível tecnológico vigente do jogo (cerca de 2.100 d.C.), a linha que separa homem e máquina é muito tênue. Melhorias genéticas e cibernéticas estão acessíveis, possibilitando grandes alterações nos corpos e mentes dos indivíduos, com o objetivo de melhor adaptação aos diversos tipos de atividades desempenhadas, desde exploração interplanetária sob baixa pressão, até espionagem e assassinato. A morte física é algo praticamente extinto, através do uso de backups cerebrais, uploads e resleeving em novos corpos, sintéticos ou biológicos (chamados aqui de Morphs).ep_cover_phs

O fato que inicia a cadeia de eventos trágicos em Eclipse Phase é uma espécie de Juízo Final a lá Exterminador do Futuro, quando uma rede de IA (Inteligência Artificial) chamada de TITAN provoca a liberação de armas biológicas de destruição em massa no planeta terra, forçando a fuga de praticamente toda a população, inclusive com uploads cerebrais em massa (fugitivos sem corpos). Assim, no momento que o jogo se inicia, a Terra é praticamente desabitada, povoada somente por unidades de combate abandonadas e nuvens de nanomáquinas destruidoras. Este evento apocalíptico é chamado de The Fall.

O restante da ambientação de Eclipse Phase se desenvolve como uma mistura de Star Wars e Star Trek. Não que existam Jedis e Vulcanianos, mas sim um grande cenário político é desenhado, com espaço para diversas facções e organizações, com objetivos e tradições bem desenvolvidas.

Um ponto de destaque é a rede neural conhecida como The Mesh. É um equivalente futurista da nossa Internet, porém todo equipamento já fabricado está interligado a ela e todo tipo de informação está disponível on-line a todo tempo. As informações são transmitidas em tempo real na retina do usuário (desde que ele possua a modificação cibernética para tanto).

Eclipse Phase apresenta um rico, detalhado e familiar universo, pois em toda página você se depara com algum conceito ou descrição que já foi vista em algum outro lugar. Atrapalha? Nem um pouco. É ruim? Também não. Esta salada de filmes e outros jogos foi bem realizada, resultando em uma ambientação construída com detalhes impressionantes, trazendo muitas idéias para aventuras, que podem apresentar um imenso leque de variações. O que eu exemplifiquei acima foi apenas uma pequena pincelada pelo ambiente, que é realmente muito vasto e bem executado.

O SISTEMA

Até mesmo no sistema de regras Eclipse Phase utiliza vários conceitos abordados com sucesso em diversos outros jogos: uma verdadeira coletânea de Greatest Hits. Os dados utilizados são os de 10 faces, e todos os testes são realizados contra o seu valor no atributo ou perícia, baseados em percentuais. Assim o D10 se transforma em D100.

Já os atributos soam um pouco diferente do usual. Existem os que são baseados em EGO (inerente à personalidade da pessoa, transferidos durante as cópias cerebrais) e os baseados no MORPH, que são relacionados ao corpo ocupado no momento. Na primeira divisão temos Iniciative, Lucidity (equivalente à saúde mental), Trauma Threshold (mede a resistência a traumas mentais), Insanity Rating (equivalente a Pontos de Sanidade) e Moxie (uma espécie de mistura entre sorte e força de vontade, cujos pontos podem ser gastos para ignorar modificadores negativos, inverter rolamentos – 83 se torna 38, ignorar falhas críticas, etc.). Já para os atributos alocados no MORPH temos Speed, Durability, Wound Threshold, Death Rating e Damage Bonus. Ou seja, atributos em uma quantidade considerável.

Os personagens são construídos de forma simples, através da distribuição de pontos entre os atributos e perícias. Os testes são realizados rapidamente, utilizando o D100 de forma convencional, aplicando-se modificadores de acordo com a situação. Bem comum é rápido.

Um aspecto interessante do sistema são os testes de Lucidity e Trauma Threshold, utilizando uma mecânica semelhante a Call of Cthulhu, com direito a tabelas com as punições para cada tipo de evento. Um aspecto incomum em jogos de ficção científica. A existência dos Moxie Points também traz uma nova dinâmica ao jogo, recompensando uma boa atuação.

O LIVRO

Eclipse Phase é apresentado em um imenso volume de 400 páginas, todas coloridas. E ponha colorido nisso! As ilustrações, principalmente nas divisórias dos capítulos, estão entre as melhores que eu vi ultimamente. Simplesmente sensacionais.

As páginas ocupam 13 vastos capítulos muito bem organizados, indo desde o básico Enter the Singularity… (background) até os complexos Accelerated Future (equipamentos) e Mind Hacks (habilidade psiônicas).

Destaque para o capítulo A Time of Eclipse, que conta toda a história do Sistema Solar antes, durante e após o evento The Fall, detalhando com extrema minúcia a cultura, sociedade, economia e política do universo de jogo. Também é de suma importância o capítulo chamado The Mesh, onde temos todo o funcionamento da rede de informação, com direito a regras para AI’s, invasão de sistemas, defesas e mecanismos de subversão, bem ao esquema de GURPS Cyberpunk.

Existem alguns personagens prontos de diversos arquétipos, para permitir que você e o seu grupo já mergulhem direto na ação. Por falar em ação, mesmo com todas estas páginas, Eclipse Phase não possui uma aventura introdutória. Porém em seu Quickstart Kit, disponível gratuitamente para download, existe uma boa aventura básica, que renderá umas boas horas de diversão.

O tamanho e complexidade de Eclipse Phase pode assustar, mas sem dúvida, se trata de uma das mais completas e inteligentes obras de ficção científica dos últimos anos, não pelo seu pioneirismo, mas sim pelo oposto: pela utilização de várias outras idéias de outros jogos e mídias de maneira coesa. Seu ponto forte está na quantidade de informações que possui, suficiente para criar um vasto arsenal de aventuras. Esta qualidade pode originar um defeito da obra: a quantidade de informações e riqueza nos detalhes podem tornar o texto um pouco chato de ler, principalmente para quem já aderiu a onde de jogos bem simplificados. Outro problema é o preço, muito alto para jogos em pdf. Também creio que, apesar de bem explicado, o episódio The Fall poderia ser um pouco mais explorado. Os contos introdutórios também são imensos – um prato cheio pra quem gosta do estilo.

Se gostar da temática e tiver um tempo livre para se aprofundar no livro, mais um pequeno deja-vu será inofensivo.

Por Clayton Mamedes

Notas (de 1 a 6)
Layout/Arte:
6 (excelente diagramação, ilustrações belíssimas)
Texto: 5 (alto nível, bem organizado, pode tornar-se maçante)
Conteúdo: 6 (quantidade absurda de informação, detalhada e útil)
Nota Final: 6

Ficha Técnica:
Eclipse Phase
The Roleplaying Game of Transhuman Conspiracy and Horror
Catalyst Game Labs and Posthuman Studios, 2009
400 páginas coloridas

Site oficial: www.eclipsephase.com

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Essa resenha de “Eclipse Phase” foi publicada originalmente no antigo portal em 27 de junho de 2010 e teve 2.610 leituras.

EP-poster

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