The Emerald Empire (resenha)

Antes de mais nada, é com um imenso pedido de desculpas aos fãs brasileiros de L5R que escrevo esta resenha. O atraso foi imenso, mas por razões pessoais que me atrasaram e me impediram durante bastante tempo de cuidar deste livro com toda a atenção que ele exige.

Em seus 15 anos, o RPG de L5R já teve vários livros, suplementos, adaptações e (re)edições. Isto é muito tempo, e sem dúvida gera uma quantidade absurda de informação fornecida em tanto material. Apesar de Rokugan sempre ter sido uma versão romantizada e fantástica do Oriente Feudal, ela sempre conseguiu se manter única e em linhas gerais, fiel a sua própria identidade e conceito enquanto cenário RPGístico. Ao longo de toda esta 4ª edição, temos visto um enfoque que direciona mais a narrativa para abordagens ao novo público consumidor de RPG, com uma pegada maior no tão valioso equilíbrio estatístico, regras mais dinâmicas e simples, e o que considero maneiras mais legais de tornar seu personagem verdadeiramente único.

emerald_empire_-_fourth_edition_-_coverE é nesse contexto que a AEG lança este ousado projeto que é o The Emerald Empire. Digo ousado primeiramente porque ele se propõe a fazer exatamente o que pelo menos 9 livros tentaram fazer em edições anteriores de uma vez só (8 clan books e pelo menos 1 GM’s Survival Guide). Tal objetivo não é nada menos grandioso do que pincelar de maneira eficaz, convicente e elegante todas as saliências culturais que todo o cenário de Rokugan pode fornecer a uma narrativa RPGística passando por todas as suas mais influentes facções. E, de quebra, ainda fornecer mais material mecânico na forma de Escolas Avançadas e Trilhas (Paths) de personagem.

Pasmem, a AEG conseguiu.

Para começar, o livro não surpreende em termos de arte. Continua nos deixando boquiabertos com ilustrações magistrais. Eu achei meio carnavalesco demais o novo trono, com as esculturas dos dragões de jade e obsidiana. Tá, eu sei que isso marca a nova dinastia eleita por eles… Só achei que não precisavam colocá-los ali em cima como se fossem alegorias de escolas de samba.

Bom, sobre o livro em si, todo capítulo visa abordar o dito aspecto abordado em todos os Clãs de Rokugan (o que inclui os Clãs Menores). O conto de abertura que se estende pelo início de cada capítulo é bem interessante, e visa preparar o leitor (assim como o aprendiz em seu diálogo com seu sensei no conto) sobre o assunto tratado e sua importância. De modo geral, é impossível ler duas páginas do livro sem ter pelo menos uma idéia legal para um episódio, aventura, ou até mesmo uma campanha de L5R. Ao final de cada capítulo, temos também uma nova Escola Avançada/Trilha que pode ser interessante para personagens mais interessados no assunto do capítulo.

O primeiro capítulo é bem curto, e trata sobre os mais importantes pontos da geografia rokugani. Agrupados entre montanhas, florestas, planícies e pontos litorâneos, o texto descritivo de cada um ressalta a importância de cada um talvez para uma batalha, ou mencionando espécies locais e demais peculiaridades. Ele também fala da fauna e da flora de Rokugan, e apenas pincela o assunto das principais fontes extrativistas de cada clã (esses assuntos serão melhor aprofundados à frente). O texto fluffy se encerra falando das principais ruínas e locais abandonados de Rokugan. Praticamente uma coluna apenas de texto, mas muito rico se você quer um lugar para colocar medo nos seus jogadores ou criar uma excelente narrativa de terror mais “adolescente” (no sentido do típico clichê do casal que pifa o carro numa tempestade e vai pedir socorro na mansão mal assombrada…). Como acréscimo mecânico, o capítulo 1 nos brinda com a Escola básica de Bushis Shinjo, do Clã Unicórnio. Muita gente reclamou da falta dela no livro básico, e ela foi colocada aqui então. Com muita ênfase em exploração, esquiva e revide. O estilo Shinjo de combate foi apelidado pelos especialistas de Rokugan como se estivessem “dançando com as Fortunas” (curiosamente, o nome da Técnica de Nível 5 da Escola).

E se falamos de aspectos culturais do Império de Esmeralda, o capítulo 2, “Costumes”, é o núcleo do livro. Ele aprofunda questões inicialmente abordadas no capítulo do Livro do Ar do livro básico, falando das responsabilidades de cada classe mais facilmente preenchida pelos personagens: samurais (aqui representando bushis, shugenjas e cortesãos ao mesmo tempo), monges (neste contexto, termo restrito à Irmandade de Shinsei) e os bonge (“pessoas comuns” do Império). Ao longo do capítulo, temos várias caixas de texto bastante triviais e que alguns até chamariam de supérfluas, mas são coisas triviais e mínimas que acabam tornando o cenário tão único. Logo de cara, temos alguns exemplos de orações para causas diversas, vários trechos do livro fictício “Livro de Travesseiro de Doji Barahime” e um curioso resumo do conto do casamento de Hida O-Ushi. A seguir, temos uma longa seção que detalha os rituais de nascimento (de samurais ou não), infância, gempukku (a cerimônia de se tornar samurai), casamento e morte para cada Clã.

Sempre disse em outras oportunidades que os cenários da AEG me impressionaram pelo nível de detalhe que ela pode gerar. E ainda neste capítulo temos explanações sobre a culinária típica de cada um dos Clãs, o que revela não só ainda mais sua filosofia e predileções como também os recursos mais comumente cultivados em cada um deles. Uma das coisas que estava sutilmente presente mas que havia sumido até então na 4ª edição era a seção seguinte, detalhando os principais passatempos do Império. Entre jogos de tabuleiro estratégicos (shogi e go), o jogo de cartas (correspondências, não cartas de baralho), e a simples leitura, tudo muito explicado e flexível o suficiente para que cada Mestre possa adicionar aí o que achar melhor. O segundo capítulo se encerra então com a Escola Avançada: Defensor de Clã Menor, uma Escola genérica que pode ser adquirida por qualquer samurai de Clã Menor enfatizada na defesa dos mesmos dos interesses dos muito maiores e poderosos Clãs Maiores.

O terceiro capítulo responde muitas perguntas comuns sobre Rokugan: “Estrutura Social”. Afinal de contas: Quem manda em quem? Até que ponto vai a autoridade e responsabilidade de cada um? O que fazem os magistrados e Campeões dos mais diferentes tipos de pedrinhas preciosas (jade, esmeralda, rubi, topázio, safira… Quartzo…)? Há mobilidade social de fato em Rokugan? Tipo, e se meu samurai se casar com uma geisha, ela passaria a ser samurai? E os gaijins (pessoas que não são nativas de Rokugan, mas de outras nações)? Eles podem existir tranqüilamento no Império? Essas e outras perguntas são respondidas neste curto porém imensamente frutífero capítulo. Como novidade mecânica, temos a Escola Avançada Herdeiro Imperial (Imperial Scion), que pode ser muito útil para aqueles que desejam fazer uso da força de seu poder Imperial sobre outras pessoas.

E como nem só de duelos, guerra e aço vive Rokugan, o capítulo 4 do livro, “Política”, detalha em níveis inéditos (nem mesmo o Masters of Court da 3ª edição atingiu esse nível de profundidade) todo o universo político rokugani. Desde que tipo de samurai pode ser chamado ou designado mais provavelmente para cada corte do Império, o que é discutido em cada uma delas e as principais posições de poder influentes (em nível Imperial ou mais localmente) nelas. Mas, se você quer realmente interpretar um cortesão em todo seu fulgor e glória, definitivamente este capítulo é uma leitura obrigatória. Nele temos descrições até mesmo de como insultar um samurai com classe (o que, convenhamos, torna o insulto muito mais eficaz e irritante!), e os principais costumes das cortes de cada clã. Creio ser este o primeiro capítulo a na verdade fornecer duas novidades mecânicas: Primeiramente uma tabela para eventos aleatórios numa corte (o que eu já cheguei a improvisar, mas admito tranqüilamente que este ficou melhor), e a nova Escola básica de Sombra do Leão Ikoma. Basicamente um bushi especializado em usar o que for preciso (até mesmo sacrificando a própria Honra) em prol da vitória do Clã Leão.

Já tivemos um preview de poucas páginas deste capítulo, que creio ter sido o primeiro indício para mim de que este livro lançaria uma análise ineditamente profunda ao cenário. Em “Artes”, somos apresentados às principais atividades consideradas artísticas (e não meramente artesanais ou fabris) para a nobreza de Rokugan: dança, ikebana (arranjos de flores), jardinagem, pintura, poesia, literatura, escultura, narração, tatuagem, cerimônia do chá e teatro. Alguns estilos são apresentados, e vale dizer que seriam muito provavelmente adquiridos como Ênfases de Perícias de um personagem artista. Em termos mais mecanicamente direcionados, somos apresentados em seguida às tradições artísticas mais dominantes de Rokugan (Kakita, Shiba e Ikoma). Senti falta dos Shosuro aqui, sendo mencionados como pelo menos especialistas no teatro (que foi o suficiente para terem uma Escola consagrada em quase todas as edições passadas como Atores/Butei Shosuro). Vale também ressaltar a importância que tais manifestações assumem numa sociedade estressante mas que não possui os mesmos avanços de lazer que nós (TV, cinema… Internet…). A nova Escola apresentada neste capítulo são os Artistas Shiba. Surpreendi-me por não serem os Kakita, mas tudo bem. Temo esta ser um retrocesso em termos das tão criticadas Escolas-super-especialistas da 3ª edição.

Outro assunto que costuma deixar muitos jogadores e Mestres de L5R com a pulga atrás da orelha costuma ser a economia de Rokugan. Perguntas como “Eu posso comprar a arma X para o meu personagem? Se sim, onde? E como?” não raramente originam debates filosóficos intermináveis sobre a ética no exercício da atividade comercial… Não que o capítulo 6, “Comércio” também vise ser um ponto final e irremovível desta questão, mas pelo menos, ele fornece meios para se chegar a uma resposta. Ou tantas quantas o grupo tiver necessidade de encontrar. Ao virar da página de apresentação, já temos os principais posicionamentos de cada classe social em relação ao vil metal. Depois, somos apresentados às principais rotas comerciais (fluviais, marítimas e terrestres) que riscam o Império. As “tradições comerciais” também estão presentes aqui, desta vez, muito mais detalhadas do que a simples tabela “Exporta: X/Importa: Y” do Livro do Vácuo da 3ª edição. Para deleite de Mestres que queiram este nível de detalhe, temos algumas tabelas para auxiliar a definir que tipo de item pode ser mais caro ou raro em cada região do Império. E para jogadores que gostem do tilintar das moedas, temos a desbravadora Escola Avançada Capitão de Kobune (um navio rokugani). Como capitão de uma nau e tripulação do Clã Mantis, você aumenta seu respeito em relação aos diretamente envolvidos com o comércio, além de ganhar bônus em atividades comerciais e até mesmo poder investir em sua tripulação. Em suma, apenas esta Escola já pode gerar um grupo inteiro de personagens!

Campanhas investigativas não são novidade em L5R, mas o gênero parece estar em voga ultimamente, pelo menos aqui no Brasil. Entre os CSI e os Rastros de Cthulhu da vida, a AEG não bobeou e incluiu neste livro o capítulo “Lei e ordem”, detalhando os poderes executivo e judiciário do Império. Temos uma cartilha dos deveres e direitos dos magistrados de esmeralda (uma espécie de polícia federal de Rokugan), e vários assuntos associados a esta esfera. Como o método investigativo Kitsuki, punições para crimes diversos, conflitos entre legislações locais, etc. Fechando com chave de ouro, temos uma lista das principais formas de organizações criminosas de Rokugan: piratas e quadrilhas, basicamente. Além de amostras bem sucintas de criminosos que os samurais dos jogadores podem combater ou encontrar por aí. E, como não podia deixar de ser, temos a volta da dobradinha policial de Rokugan: os magistrados Doji da Garça e Soshi do Escorpião. Basicamente, o tira bom (especializado em desarme e imobilizações contra criminosos) e o tira mau (capaz de intimidar e fazer o acusado confessar qualquer coisa).

Até agora temos bastante pano pra manga de bushis, cortesãos, magistrados… Mas, e o lado religioso poderia ser deixado de lado de um livro como este, num cenário tão místico e espiritual como Rokugan? Claro que não, e é aí que entra o capítulo “Religião”, falando um pouco mais sobre as dúzias (ou talvez centenas) de ordens agrupadas no termo “Irmandade de Shinsei”. O capítulo em si visa alargar bastante as informações disponíveis até então para monges de modo geral. Nada que já tivesse sido feito em suplementos de edições passadas, mas agora, todas essas informações estão reunidas num só lugar. Também temos uma lista dos principais templos e oratórios às mais influentes divindades de Rokugan, além de uma impressionante lista explicativa das Sete Fortunas Maiores e nada menos do que sete páginas explicando todas as Fortunas Menores. Muita discussão filosófica shinseísta, contrapontos desta para com a filosofia fortunista também enriquecem bastante este capítulo que apresenta em seu meio (pelo que creio ter sido um totalmente confuso erro de impressão) duas novas escolas para monges. Uma é a Ordem Shinmaki da Irmandade de Shinsei, os enigmáticos e não raramente considerados loucos seguidores do “sutra diamante” e a Escola Avançada de Parágonas Negras (Dark Paragons) para os monges sombrios do Clã Aranha.

O nono capítulo do livro, “Educação”, somos apresentados ao sistema educacional formal (ou às vezes não tão formal assim) de Rokugan. Dojôs (onde bushis treinam), templos (onde shugenjas e monges aprendem seus ofícios) e academias de cortesãos são apresentados aqui de modo genérico, deixando que o próprio Mestre os detalhe melhor de acordo com suas necessidades narrativas e visões a respeito de cada clã. Para uma aventura de “Rank 0”, temos uma interessante ferramenta para suprir eventos aleatórios para as vidas “pré-samurai” dos personagens. Ou até mesmo um prelúdio interessante. Como escola nova, temos o Espadachim Taoísta Mirumoto, que combina manobras de esgrima com poderosos ataques desarmados. A novidade creio ficar no fato desta Escola ser básica, e não avançada, como suas versões similares em edições anteriores.

Pode até parecer um assunto indigno de ser retratado com esta profundidade, mas aqui temos uma visão muito mais rica da “Guerra” do que em muitos outros RPGs, que a romanceiam muito mais. Como não podia deixar de ser, para uma campanha centrada numa guerra, este capítulo também é essencial. De início, temos as principais estruturas, organizações e táticas de cada um dos Clãs, seguidos pelas suas unidades de elite. Depois, temos descrições de cada aspecto de uma guerra, como logística, cerco (e máquinas de cerco) e táticas de guerra. Além de acrescentar opções para as regras de batalha massiva dispostas no livro básico para casos de cerco, também temos para os jogadores, a Escola de Pragmáticos Hida, guerreiros do Caranguejo especializados no uso de artes marciais de mãos nuas para causar danos severos em seus adversários. Não costumam ser uma visão típica nos exércitos reais do Clã Caranguejo, mas, por praticamente dispensarem o uso de armas propriamente ditas, são considerados um recurso valioso para a economia do Clã.

Encerrando o livro, temos definições bem gerais (mas vastas) sobre as civilizações além de Rokugan. Das estranhas Areias Ardentes (que na 3ª edição ganharam seu suplemento próprio) aos longínquos reinos de Merenae e de Marfim. Por fim, temos apenas um glossário de todos os termos apresentados no RPG até agora.

E do que falariam então as outras 19 páginas de material restantes no livro? Aha! Como surpresa a AEG deixou um apêndice (na verdade, nem era surpresa, já que o mesmo constava no preview do livro) resgatando as regras do suplemento The Way of Daimyo para esta edição. Basicamente, são regras para lidar com personagens cuja influência do poder e responsabilidades se estendem além dos limites das regras típicas dos demais personagens típicos de L5R. Chefes de guerra (warchiefs), embaixadores, governadores, guardiões de templos, sensei e patronos mercantes. Ressalto o destaque para as regras extras dos embaixadores, que inclui um interessante sistema de “corte massiva”, bem análogo à idéia de batalha massiva, onde o ideal é exaurir o oponente de argumentos, invalidando o seu discurso.

Se você conseguiu ler toda esta incrível massa de texto, acho que entenderá o porquê de tanta demora para com esta resenha. São quase 300 páginas de material denso e extremamente prolífico, que eu pelo menos ainda devo demorar uns bons anos de dados rolando para conseguir exaurir. Tudo isso ricamente ilustrado. Um erro ou outro de impressão pode ser encontrado aqui e ali (como a falta do resto do título “The Spider Clan” na p. 46), mas que de maneira alguma chegam a ofuscar o brilho desta obra-prima RPGística.

Reafirmo meu posicionamento a respeito de que é impossível ler duas páginas de The Emerald Empire sem ter boas idéias para o RPG. E se grandes obras de arte são feitas por uma sucessão de acertos menores, então de fato, este livro constará para sempre como um dos melhores já produzidos para o gênero.

The Emerald Empire. AEG, 2011.
Capa dura, 299 páginas.

NOTAS (de 1 a 6)
Texto: 5,9
(só não tirou 6 pelos erros mínimos e raros)
Conteúdo: 6 (essencial para quem quer de fato tornar Rokugan um cenário vivo e carismático)
Arte/layout: 6 (4ª edição continua com seu nível incomparável de arte nos livros)
Nota Final: 6

Por Thiago Hayashi

***

Share This Post

Leave a Reply