Serenity RPG (resenha)

Serenity RPG é baseado no filme de mesmo nome, que por sua vez foi baseado na série de televisão Firefly (exibida aqui no Brasil pelo Canal Fox de TV por assinatura), que durou apenas 11 episódios. Por ter angariado uma sólida base de fãs nos EUA, seus criadores apostaram em um filme como forma de captar recursos para se retornar com a série. O filme realizado foi muito bom, com os mesmos atores da TV, mas infelizmente o intento fracassou, deixando diversos fãs na saudade, salvo iniciativas esporádicas em outras mídias, como livros, quadrinhos e agora este RPG.

Serenity_RPG_CoverPara quem não conheceu nem a série e nem o filme (que pode ser visto nos canais de TV por assinatura como Serenity – A Luta pelo Amanhã); a história se passa no início do Século XXIV, quando a Humanidade embarca em gigantescas naves geracionais apelidadas Arcas, (não há vôo mais veloz do que a luz), abandonando uma Terra consumida pela poluição e sem recursos, para um sistema solar com múltiplos sóis e diversos planetas ao redor de cada um, habitáveis ou candidatos a se tornar habitáveis. Os primeiros planetas colonizados se tornam o centro político e econômico, e os últimos se tornam os mais atrasados e sem grandes recursos financeiros, sendo isto mais tarde o motivo pelo qual eles tentam formar um governo próprio, lutando em uma guerra de independência – a qual perdem. A história do filme é a de um bando de desajustados que, à bordo de uma nave (a ‘Serenity’ do título), roubam dos ricos para dar a si mesmos, aceitam contratos, perambulam por mundos tecnologicamente mais atrasados (cavalos e o visual de cidades de madeira de faroeste é uma constante, na série), metem-se em encrencas, etc. – imaginem Star Wars (ainda que sem alienígenas) sob o ponto de vista de Han Solo. São mercenários, mas também são heróis – nem tudo é a respeito da bolada em questão, afinal.

… ok, então é a respeito da bolada em questão. Mas isso são detalhes.

Publicado pela Margaret Weis Productions, o livro básico é em capa dura, 218 páginas e impressão a quatro cores. Tem uma bela apresentação, havendo recebido um prêmio ENnie nesta categoria em 2006. Escrito e desenvolvido por Jamie Chambers, autor de produtos para a Wizards of the Coast, e “baseado em um roteiro de cinema escrito por Joss Whedon”, conforme creditado na capa da frente: por estes estranhos meandros do Direito Autoral, não há uma só referência à série original no livro inteiro. (N.E.: Posteriormente a Margaret Weis Productions adquiriu também a licença da série e lançou o Firefly RPG em 2014, esse usando o sistema Cortex Plus, que apesar do nome, é diferente do Cortex System.)

A organização do RPG é simples, indo direto ao ponto, em um texto enxuto, porém extremamente bem-humorado (muito lembrando outro RPG derivado de uma série de Whedon, o de Buffy – The Vampire Slayer, há muito cancelado), com gírias e ainda expressões em mandarim (que, ao lado do inglês, é o idioma mais falado na ambientação). Seus capítulos são:

Introdução: onde se apresenta o conceito de RPG, personagens, sobre o que é o mundo de Serenity, o que se espera que sejam os personagens, o papel do GM, quais os dados usados, etc.

Tripulação da Serenity: eu fiquei surpreso aqui; um dos primeiros conteúdos do jogo são as fichas de personagem dos protagonistas – sim, na cara de todos, nada de esperar por algum módulo “opcional” de 30 dólares, nem nada de “faça como for melhor para o seu jogo”. Certas firmas podiam aprender com isto. Atributos, perícias, vantagens, desvantagens e um pouco do histórico e personalidade, comentados sempre por Mal, o capitão e líder do grupo.

Capítulo 1 – Find a Crew (Ache uma Tripulação): pontuação de criação de personagens, descrição dos atributos, pontos de plot (aquela ajuda extra na hora do aperto) e progressão da experiência. Este subtítulo não está aqui à toa: espera-se que se faça um autêntico aventureiro, independente de que lado da lei ele se sinta mais à vontade, e que faça parte da tripulação para a qual você vai mestrar. Ainda lembra, qual o passado dos personagens, até o ponto de começarem os jogos? Algum segredo? O que pode torná-los interessante?

Capítulo 2 – Traits and Abilites (Características e Habilidades): vantagens, desvantagens e a descrição das perícias. Os nomes são ótimos, seja para velhos conceitos conhecidos como sorte – Things Run Smooth (As Coisas Rolam Bem) – ou feiúra excessiva – Ugly as Sin (Feio como o Pecado). Algumas vantagens ou desvantagens podem ser Menores ou Maiores, aumentando o bônus ou a penalidade por elas conferido, e conseqüentemente seu custo. Poderia ter um cuidado a mais na edição, nem sempre o valor de Menor ou Maior na descrição bate no texto explicativo, mas não é nada que impeça a construção do personagem.

Capítulo 3 – Money and Gear (Dinheiro e Equipamento): custo de não apenas equipamento (kits médicos a naves e veículos), mas também de serviços, mercado negro, etc. Descrição de armas, munição, proteção, ferramentas, explosivos, computadores, etc. etc. e etc. Conversão para as moedas diferentes no ‘Verso. É bastante detalhado, oferecendo diversas opções para o jogo.

Capítulo 4 – Boats and Mules (Barcos e Mulas): tudo aquilo que você precisa para manter rodando sua nave ou veículo – de taxas portuárias e preços de naves até atributos para se definir uma nave como um personagem, com tudo o que ela então pode fazer, de maneira regular, boa ou ruim, além de uma lista de vantagens ou desvantagens. Algumas são de origem lógica, como Fast Throttlle (Aceleração Rápida), que influencia positivamente no deslocamento da nave, mas há outras que nem tanto, como Loved (Amada), em que os tais ‘pontos de plot’ de um de seus tripulantes podem ser gastos em rolagens da nave em si. Alguns modelos de naves são apresentados, e uma nave pronta para ser tripulada, a Aces & Eights. E, seguindo a lógica do início do livro, a ficha da Serenity também está aqui.

Capítulo 5 – Keep Flyin´ (Vai Voando): aqui nós temos a mecânica do sistema por extenso: as fórmulas, critérios de dificuldade, sucesso e falha críticos, ações simples e complexas, opostas, pontos de plot, como dar pontos de experiência. As regras de combate também estão cobertas aqui, situações diversas e adversas, tudo aquilo que te causa dano, e como se recuperar dele.

Capítulo 6 – Out in the Black (Lá no Espaço): essencialmente fala sobre a mestragem em Serenity: como manter o clima, as referências ao gênero do Faroeste (visualmente fortíssimas na série e no filme, a ação se concentra na fronteira selvagem, afinal!), o que motiva personagens a ficarem juntos, temas adjacentes, como conduzir o ritmo de uma campanha, clímax e resolução, npcs prontos para diversas ocasiões, além das fichas da tripulação da Aces &Eights.

Capítulo 7 – A Brief Guide to the’Verse (Um Pequeno Guia para o ‘Verso): a história depois que a Humanidade abandonou a Terra e chegou no sistema, a Guerra da Unificação (curiosamente, a guerra da independência para o lado perdedor), corporações financeiras, criminosas, os Reavers (o bicho-papão do cenário), e uma breve descrição de diversos (não todos, segundo o texto, este sim em um futuro suplemento) planetas e luas habitados: dos centros de poder como Londinium e Osiris até mundos hostis, onde só os mais teimosos perduram, como St. Albans ou Triumph. A questão aqui é… realmente é um guia bem pequeno. Não há mapas de planeta algum, cidades, etc. os fatos históricos são muito resumidos. O livro básico depende realmente se você viu o filme e, de preferência, a série.

Apêndice – Gorram Chinese (Porcaria de Chinês): aprenda a xingar como um caminhoneiro espacial em simples lições. Aqui temos desde como o inglês é (mal-)tratado pela gíria da fronteira até um breve léxico de gírias e xingamentos em mandarim. Dohn-mah?

Além do problema citado do Capítulo 7, notei a falta de uma ficha de personagem para ser xerocada.

A mecânica de resolução de tarefas é atributo + perícia envolvida contra um número-alvo. Curiosamente, não há valores fixos aqui, mas dados: pessoas ruins (atributo ou perícia) em algo recebem um d2, progressivamente subindo para um (sempre um) d4, d6, d8, d10, d12, d12+d2 até o ápice humano de d12+d4. Ou seja, alguém considerado bem ágil e medianamente experiente em armas pode jogar d10 + d6 contra a dificuldade estabelecida. Será o mesmo sistema básico para o futuro RPG baseado no seriado Battlestar Galactica, a ser publicado pelo mesmo estúdio, já anunciado aqui. É fundamental o uso dos pontos de plot, renováveis praticamente a toda hora, menos difíceis de se reobter do que pontos similares em outros jogos como pontos de karma, Força de Vontade, etc.: a média das rolagens não pareceu ser muito favorável.

Quando tudo estiver pronto, você estará com uma tripulação pronta para jogar. Serenity RPG tem um foco, não sendo um jogo genérico sobre a ambientação do filme: a comparação que fiz acima do ponto de vista de Han Solo está valendo. Ou, se preferir, sob o ponto de vista dos personagens do anime Cowboy Bebop, cuja temática é muito semelhante: os preteridos da sociedade, que simplesmente não se adaptam à utopias de bom-ajuste e conformismo das massas, vivendo perigosamente pelos piores recantos da civilização, viajando à bordo de sua amada nave caindo aos pedaços, e tendo que confiar apenas um nos outros para que tudo dê certo no final.

See you in the Black!

Notas (de 1 a 6):

Layout/Arte 6 – definitivamente, o merecedor do ENnie de Best Values (relacionado à parte gráfica) de 2006. O texto é apresentado em duas colunas, com páginas amplamente ilustradas, com fundo variado que não interfere a leitura. Concorreu com pesos-pesados nesta categoria, como Legends of Five Rings 3E e A Game of Thrones.

Texto 6 – conciso e engraçado dentro de limites cabíveis, em muito representando o clima da série e do filme. Um dos méritos é explicar a lógica da propulsão das naves em Serenity sem apelar para technobabble ou cientificismos desnecessários.

Conteúdo 3 – Confesso que achei estranho um sistema depender tanto para poder rolar algo além do uso de um bom atributo e perícia. E gostaria que se falasse mais do universo em si, embora o tom do jogo tenha sido deixado tudo muito bem claro. Uma ficha de personagem também cairia bem.

Nota final: 5

Jogo: Serenity Role-Playing Game (sistema próprio)
Editora: Margaret Weis Productions
Autor: Jamie Chambers
Formato: 224 páginas, cores, capa dura
Idioma: Inglês

* * *

Esta resenha do Serenity RPG foi feita por Luiz Felipe Vasques, e publicada no antigo portal em 29 de março de 2007, onde teve 3.294 leituras.

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