(Republicação) Don’t Walk in Winter Wood (resenha)

A TRANSFORMAÇÃO DA MATÉRIA

Elaborado por Lavoisier no séc. XVI, o Princípio da Conservação estabelece que a quantidade de energia presente em um sistema fechado não se dissipa, e sim se transforma em outras formas de energia. A partir desta premissa foi criada a famosa frase: “Na natureza nada se perde, nada se cria: tudo se transforma”.

DWWW-capaComo demonstração deste princípio, podemos utilizar o exemplo da simples ação de bater com a mão em uma mesa: a energia usada para deslocar o braço é em parte transformada em energia sonora. Ou a energia elétrica que é utilizada para acender uma lâmpada incandenscente, que é parcialmente transformada em calor.

Clint Krause, o autor de Don’t Walk in Winter Wood, com certeza também conhece bem o Princípio de Lavoisier, caso contrário não teria produzido uma obra que consegue utilizar tantas idéias de outras fontas, sejam elas outros jogos de RPG ou filmes.

O Jogo

Don’t Walk in Winter Wood retrata a vida dos habitantes de um pequeno vilarejo, localizado em alguma parte remota e gelada da América do Norte, em meados do século XVII ou XVIII. Tal vilarejo, isolado e auto-suficiente, fora construído vizinho a uma imensa floresta, a Winter Wood, que ganhou este nome devido ao estranho frio e neblina que emanam de seu interior. O povo da vila evita se aventurar na floresta devido aos inúmeros casos de desaparecimentos e mortes relacionados com a Winter Wood que, de acordo com lendas indígenas locais, é amaldiçoada devido à presença de espíritos ancestrais malignos.

Em resumo, DWiWW é um jogo de Horror Folclórico, aproveitando-se de lendas locais para desenvolver as suas tramas; e foi projetado para ser jogado em acampamentos e similares, fazendo uso de um sistema de regras extremamente simples e apoiado na narrativa.

O cenário apresentado para o jogo é intencionalmente vago, com o objetivo de aumentar o clima de mistério envolvido. Afinal, histórias contadas em acampamentos nunca são baseadas em fatos concretos: sempre relatam alguma coisa que aconteceu com alguma pessoa em algum local! Basicamente pode-se rolar qualquer tipo de história de horror e mistério, tendo como protagonistas os moradores do vilarejo (que é chamado de apenas A Vila) aventurando-se na Winter Wood, seja para investigar o desaparecimento de alguns animais de estimação, o lamento de uma pessoa moribunda que é ouvido ao anoitecer, etc. A imaginação é o limite.

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O Sistema

A criação de personagem é rápida e sem complicação, devendo-se apenas responder a 3 ou 4 questões básicas e descritivas. A única estatística de seu personagem são os Cold Points, ou Pontos de Frio: começando do valor zero, estes pontos medem tanto a saúde física quanto mental de seu personagem que, quando este obtem o sexto Cold Point, deve ser removido do jogo de maneira propícia (ficando insano ou morrendo devido a alguma severidade física). Os Cold Points são obtidos através de eventos apavorantes ou traumas físicos, podendo ser recuperados através de tratamento. Não existem regras específicas sobre a recuperação dos Cold Points, devendo ficar a critério do Narrador, ou Watcher como é chamado.

Toda a ação representada em DWiWW deve ser expressa no tempo passado e em terceira pessoa, como se o grupo estivesse contando uma história que eles presenciaram. A resolução de conflitos é realizada de forma narrativa, utilizando os Cold Points e 1 dado comum de 6 faces de uma forma pouco comum, como exemplificada abaixo:

– Watcher: “Ao adentrar na cabana, Richard e Jonathan se deparam com um imenso nevoeiro, oriundo provavelmente de um objeto deixado no centro do cômodo. Pode-se perceber a silueta de uma pessoa dentro do nevoeiro”.
– Jogador: “Richard se aproxima lentamente, tentando identificar a pessoa sem despertar a sua atenção”.
– Watcher: “Richard conseguiu?” – neste momento o jogador deve rolar 1 dado e verificar o resultado: se ele for maior que o seu valor atual de Cold Points, o jogador pode responder SIM. Caso contrário, a resposta é NÃO. O Watcher deve atentar para a resposta SIM ser sempre algo positivo, representando o sucesso no rolamento.

A mecânica acima, unida com o gerenciamento dos Cold Points é funcional até certo ponto, gerando algum suspense quando o quinto ponto é obtido. Porém, o real impacto das ações depende muito do talento do Watcher em elaborar as situações em que as respostas de SIM ou NÃO tenham algum significado marcante. Ainda existe um fator que é controlado pelos jogadores, que é a descrição correta da ação pretendida, no tempo verbal adequado. Com um grupo acostumado a jogos narrativos, tudo flui sem maiores problemas. Outro bom desafio para o Watcher e jogadores é a interpretação do fim de jogo para certo personagem (ao atingir o sexto Cold Point), porém grupos criativos tendem a encontrar uma boa idéia.

O Livro

Don’t Walk in Winter Wood é apresentado em um arquivo .pdf de 36 páginas em preto-e-branco, existindo apenas 3 ilustrações, sendo elas a capa, folha de rosto e um mapa da Vila feito à mão livre. No demais, temos apenas texto corrido, em uma fonte gigantesca, que ajuda a aumentar o volume do livro.

A obra começa com a básica pergunta: “O que é RPG?”, passando pela ambientação da Vila e da Winter Wood, que ocupa boas 12 páginas com lendas sobre a região, constituindo a melhor e mais útil parte do livro. Depois temos uma rápida discussão sobre os Cold Points e a resolução de conflitos. O sistema de regras em si não ocupa nem 2 páginas.

O livro termina com uma breve e simples aventura introdutória, o que é sempre bem-vindo.

Já no quesito de fontes de inspiração, Krause listou uma meia dúzia de filmes recentes, livros de poesia e músicas da banda Opeth. Destaque para os sempre polêmicos A Vila (olha ele aqui de novo!) e A Bruxa de Blair.

E tudo se transforma…

Após esta breve apresentação de DWiWW, já podemos enumerar algumas idéias que foram aproveitadas de outros jogos ou fontes:

  1. O título do livro é claramente inspirado no excelente jogo Don’t Rest Your Head;
  2. O conceito e a utilização dos Cold Points lembram os Exhaustion Points, também de DRYH, porém de forma mais simplória;
  3. A narrativa em terceira pessoa é igual a utilizada em Puppetland;
  4. A ambientação da Vila e da Winter Wood possui muitos aspectos em comum com o filme A Vila, de Mr. Night Shaymalam;

Em suma, Don’t Walk in Winter Wood pode ser classificado como um jogo mediano, onde uma temática comum encontra um objetivo um tanto diferente, ou seja: um simples jogo de horror/suspense concebido para ser utilizado em acampamentos. Como ponto positivo pode-se destacar a presença das lendas locais, que são bem boladas e fornecem idéias para boas aventuras. Já a ausência de parâmetros para a exploração mais profunda e detalhada dos Cold Points pode ser escolhida como ponto negativo: como é o único atributo numérico, o mesmo poderia ser mais bem trabalhado, como em Don’t Rest Your Head.

Afinal, o Princípio de Lavoisier não garante que a energia se transforme em algo mais interessante do que anteriormente era…

Notas (de 1 a 6)
Layout/Arte: 2 (poucas ilustrações, porém bem executadas)
Texto: 4 (claro e direto, apesar de simples)
Conteúdo: 3 (o conceito dos Cold Points é bom, porém não foi totalmente aproveitado.)
Nota Final: 3

Ficha Técnica:
Don’t Walk in Winter Wood – A Game of Folkloric Fear (Revised Edition)
Por Clint Krause, 36 pgs em .pdf
USD 5,00
www.clintkrause.com
http://rpg.drivethrustuff.com/product_info.php?products_id=18729&it=1

Dados da publicação original
Por Clayton Mamedes
republicado em 2/1/12

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