Padre, vampiros e causas – SPOILERS.

Fui assistir ao filme Padre que é inspirado nos quadrinhos sul coreanos de Min-Woo Hyung. Apesar de não conhecer os quadrinhos, me empolguei ao assistir os trailers, na esperança talvez de rever o velho conflito de vampiros entre luz e sombras, tanto internamente quanto externamente. Esse conflito que encontrei no Drácula de Bram Stoker, ou mesmo na série Anjos da Noite, que mesmo com as críticas me agradou com seu clima de punk gótico agressivo que lembrava os livros de Mark Rein Hagen, que ficou bem distante nas novas versões vampirescas da série Crepúsculo.

Pois é. Vi o filme com essa esperança, e nesse embalo assisti excelentes atores salvando um roteiro ruim.  Paul Bettany, Chirstopher Plummer, Karl Urban conseguem expressar uma profundidade nos personagens, além da fotografia instigante do filme, que de fato assenta bem na ação veloz e frenética que o filme impõe. As sequências de luta são empolgantes, os efeitos especiais bem feitos, encaixados sem exagero.

E pronto. O filme acaba rápido, sem um clímax verdadeiro. O combate final é fraco, patético, sem nenhuma grande reviravolta profunda, deixando o cenário desolado do filme como o grande acontecimento do roteiro.

O argumento central do filme é sobre a verdadeira causa pela qual vale a pena lutar e no que exatamente define um herói. Nos filmes de vampiro, o drama existia sempre quando a maldição vampiresca se consolidava na consciência do protagonista herói que tenta fugir de sua condição. A batalha então é por sua própria sanidade, valores, humanidade. A elegância do vampiro, sua principal força e sedução, é o jogo do sobrenatural que eleva o indivíduo com o custo de sua alma: brincar com o demônio.

Nada disso propõe esse argumento vindo dos quadrinhos. Os vampiros são uma raça a parte dos homens, mais parecidos com os Aliens do espaço, que brigam com o Predador, ou os Zergs do Starcraft da Blizzard. Não possuem nenhuma tecnologia, nenhuma língua e nem mesmo elegância. São uma colméia, que apesar da sensibilidade ao sol, dos dentes afiados e da possibilidade de transformar humanos em servos pálidos, sem pelos e com dentes afiados – os familiares, os velhos carniçais, não possuem nenhum vínculo com o tradicional vampyr romeno.

A humanidade, ao menos o filme mostra desde a Idade Média, se via confrontada com esses vampiros monstros, sendo acossada por sua rapidez e força muito superiores, com uma única defesa: a luz do sol. Restava à humanidade encontrar as colméias, montanhas feitas de excrementos de vampiros, e destruí-las enquanto o sol brilhava, do contrário tudo estaria perdido.

Apesar dos avanços tecnológicos das armas, a resistência dos monstros era imensa e a batalha continuava desigual, com fortes riscos de extinção para a humanidade diante dos vampiros. Assim, a única instituição capaz de confrontá-los foi a Igreja Católica.

Os exímios combatentes, muito superiores inclusive aos monstros em relação à sua força, velocidade e perícia marcial são os padres. Escolhidos entre vários povos, com a formação sacerdotal católica, sozinhos, foram muito mais eficientes que armas de fogo e mesmo armas de destruição de massa. Com votos de celibato, obediência e pobreza se tornaram os mais poderosos matadores de vampiros que consequentemente foram exterminados ou reduzidos a prisões permanentes, distantes das cidades, que se tornaram centros industriais fechados com grandes muralhas impenetráveis, com emissão de fumaça constantemente bloqueando o sol.

A visão que o filme passa da Igreja Católica, essa instituição imensa, contraditora e poderosa, agrada a muitos de seus críticos. O fundamento do filme é a corrupção da Igreja, o orgulho de poder de querer substituir Deus como autoridade última. Obedecer a Igreja é obedecer a Deus, afirma a frase hipnótica e alienante nas cidades. A revolta do personagem principal, o padre mais poderoso, é contra essa alienação da Igreja. Quem conhece história, pode fazer um paralelo com a discussão das reformas de igreja católica e mesmo com a reforma protestante com Martinho Lutero e os reformadores da idade moderna.

Com a presença dos vampiros destroçando um posto vizinho, justamente onde o irmão desse padre poderoso mora com a esposa e a filha. Então um jovem bem caracterizado como o self-made man dos caubóis estadunidenses, o xerife da cidade, com a estrela da justiça fazendo sua própria lei no deserto é “amante” da jovem da família, seqüestrada pelos vampiros. Indo em busca do padre, que fora proibido de exercer sua função devido ao término da guerra contra os vampiros, o xerife consegue convencê-lo a desafiar a autoridade dos monsenhores, como o conselho judicial e instância máxima de poder, e partem para recuperar a jovem que é revelada como filha do padre.

O drama de consciência individual, com a tensão entre grupo familiar e instituição Igreja, assim como a presença da causa maior, Deus, é embaralhada durante a missão, complicando-se ainda mais quando se descobre que o principal líder dessa nova organização dos vampiros é o Black Hat (chapéu preto), um padre que fora capturado numa colméia e transformado pela rainha vampiro no primeiro humano integralmente vampiro, assumindo poderes muito além dos vampiros monstruosos e mesmo dos padres.

E por aí vai. No final, o grupo do padre principal, do caubói xerife e da mulher padre (madre?) que é apaixonada por seu colega sacerdote conseguem explodir um trem cheio de vampiros que arrasavam todas as vilas por onde passavam e se encaminhavam para a cidade para destruí-la completamente. Apesar da surra estonteante que leva do Black Hat, o padre consegue eliminá-lo quase que por acidente, ou por intervenção divina, justamente quando o vilão iria se satisfazer com a jovem capturada.

Tudo acaba bem, com a filha do padre ficando com o caubói e o padre se separando da Igreja, com os monsenhores insistindo na falsidade da existência de um novo levante dos vampiros, mesmo com os cadáveres espalhados entre os entulhos do trem.           O filme termina com um gancho imenso para a continuação, com a madre avisando ao padre que os demais sacerdotes o seguiriam para matar a rainha vampiro, e impedi-la de continuar infectando os humanos.

O filme é ingênuo em relação aos sacerdotes católicos. O tema do orgulho de uma ordem, bem representado por George Lucas na queda do conselho jedi, é o motivo que leva o rompimento do personagem central com os monsenhores, que na verdade não é um grau canônico, mas apenas um título. No caso, seria melhor considerar os bispos mesmo, o terceiro grau canônico depois dos presbíteros (os padres) e do primeiro grau, os diáconos.

Não me surpreenderia se no final da trama, os anciãos monsenhores decidissem trair a Igreja porque perderam a fé e descobriram que poderiam virar vampiros ou tentassem dominar os vampiros para extrair sua imortalidade. Algo como os Tremere de Rein Hagen, Fausto de Goethe.

A virtude do filme de trazer a tensão entre a consciência, a sociedade e a divindade é mantida até o fim, apesar de tudo. O padre principal não casa com a madre, como aconteceu com Lutero, e apesar do desvinculamento da fé em Deus na fé da Igreja, a busca pela objetividade da causa e dos valores evidenciados pela consciência, como a honra, o compromisso e os votos são mantidos.

De forma romântica e de senso comum, o grande drama dos templários pode ser evocado. Depois de terem sido execrados em A Cruzada, de Ridley Scott, o livro do historiador Alain Demuger, Os Cavaleiros de Cristo, mostra bem os conflitos entre o rei francês Felipe o Belo manipulando a Igreja católica para apreender os bens dos templários, que foram considerados durante a reforma e o iluminismo como mártires contra a opressão católica, assim como fundadores das ordens secretas a la maçonaria e Rosa Cruz.

Esse mote de uma ordem que se separa da instituição mãe para recuperar seus verdadeiros propósitos é antiga, religiosa e católica. Durante toda a idade média, como o grande medievalista Jacques Le Goff, em seu Dicionário Temático do Ocidente Medieval, a Igreja católica fez isso. As diversas ordens, irmandades, fraternidades, associações e monastérios foram fundadas por uma obsessão ao retorno ao verdadeiro evangelho.  Contra todas as históricas contradições católicas, como a simonia, venda de indulgências e práticas de comércio de autoridade espiritual, e o nicolaísmo, a promiscuidade sexual dos sacerdotes, a própria inquisição se formou.

Talvez seja esse o mote de Padre que tanto atraia os críticos da Igreja católica, o justo que finalmente toma uma atitude, rompendo com a hipocrisia, e reivindica a virtude e a força diante de sua consciência, escolhendo fazer o que é justo independente das amarras dos poderosos e dos jogos de corte dos hipócritas, revelando suas indecências e seus pecados, como a justificação quando se prende um padre pedófilo protegido por um bispo. Nada mais honrado que a inquisição.

O problema é esse. A atitude de self-made man do caubói, e mesmo do reformador límpido de consciência do padre funciona bem quando temos uma linha bem distinta entre o bem o mal. O que justamente o filme supostamente critica, a visão católica opressora de divisão entre bem e mal, é o que ele afirma em seu herói. Só faz sentido a revolta porque existe a justiça e existe o bem objetivamente, e é isso que a Igreja perdeu. Nada mais verdadeiro que a inquisição.

Concluindo, a questão da batalha se torna mais fácil quando sabemos que lutamos pelo que é certo. O que é mais difícil, e por isso mesmo mais importante, é definir o que é justo em cada situação, e isso exige política e jogos de corte. A guerra e o conflito sempre são um fracasso para a humanidade. Ao associar a temática da religião e da guerra, do heroísmo e do sacerdócio, estamos nos aproximando do fundamentalismo e do terrorismo. Talvez seja a visão do sacerdote protestante contra a instituição corrupta, do homem santo que cumpre sua consciência e seu dever religioso que alguns setores islâmicos vejam em Osama Bin Laden.

Por fim, o filme toca em questões profundas, porém de forma superficial e ingênua. Religião é muito perigosa, porque envolve os fundamentos da humanidade, da consciência e da virtude. As causas primeiras, que todos os homens buscam, a verdade por mais terrível que possa parecer, mesmo a verdade do niilismo e do ateísmo que se transmutam numa fé tão fanática quanto qualquer outra pode ser. Esses fundamentos estão no filme. Roguemos a Deus que os que assistam não se baseiem só nele.

Notas (de 1 a 6)
Roteiro: 3
Direção: 2

Produção: 3
Nota Final: 3

Por Diego Klautau

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4 Comments
  1. Vamos deixar uma coisa bem clara: este filme não tem DEFINITIVAMENTE nada a ver com o mahwa com o mesmo nome, pelas seguintes razões:

    1 – O cenário não é futurista, e sim WESTERN (tanto que há dinamismo temporal entre o “presente” e o tempo futuro);

    2 – Não existe uma “ordem de padres caçadores” e sim um caso particular: o do padre Ivan Isaacs, que opta pelo celibato para esquecer de seu amor correspondido – sua irmã de criação;

    3 – Não há vampiros na história original, e sim demônios (servos de um anjo caído chamado Temozarela) e mortos-vivos (vítimas dos Apóstolos, como são conhecidos os demônios).

    • É como o cronista disse. O filme não tem nada a ver com o Mahwa.

  2. Grande Diego,

    Muito interessante seu ponto de vista.
    Achei muito pertinente o paralelo entre a postura do PADRE e o protestantismo.

    Religião é uma coisa muito importante e perigosa…

    Atenciosamente,

    Hugo Marcelo

  3. Um filmezinho sem vergonha desses, só tem visual. Mais um equivalente de Blade…

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