Django Livre – Crítica

Imagino quantas pessoas que foram assistir o filme Django Livre conhecem as fontes em que Quentin Tarantino baseou-se. Pelo que pude constatar, a maioria que assiste este filme, e mesmo outros filmes de Tarantino, não conhece a tradição na qual o diretor insere-se. Se é que podemos falar em tradição neste caso, já que o diretor parece gostar de avacalhar com tudo o que faz.

Django Livre - Poster

Django Livre - Poster

Django Livre é uma tentativa de brincar com um gênero que em sua gênese já brincava com outro gênero de cinema: os Spaghetti Western. Os Spaghetti Western foram criados de modo a ironizar ou quebrar alguns dos grandes tabus do western. O herói que era levado a sério nos filmes norte-americanos tornou-se uma figura mais estilizada nos filmes europeus. Os principais clássicos do gênero são os três filmes de Sergio Leone, a chamada Dollars Trilogy. Nestes filmes os personagens são marcados por um tom épico e grandioso, poderíamos falar até mesmo em um exagero. O terceiro filme desta trilogia é um clássico absoluto, um dos melhores westerns já criados.

 Tarantino sempre gostou dos Spaghetti Western e dos Westerns em geral. O próprio termo Pulp Fiction, o título do principal filme do diretor, remete a um gênero de literatura ligado aos Westerns. No Brasil, não se fala tanto em cinema de gênero, mas nos Estados Unidos, a ideia de cinema de gênero é muito forte. Muitos diretores e roteiristas poderão, ainda hoje, não se meter a trabalhar com cinema de gênero por ser considerado um nicho inferior. Não é o caso de Tarantino, um verdadeiro viciado em cinema deste tipo. Não há um filme do diretor que não seja ancorado em algum gênero.

Em Django Livre o diretor está tentando fazer um Spaghetti Western. Se ele realmente poderá equiparar-se aos grandes clássicos é outra história. Em minha opinião o diretor não alcança o mesmo poder dos filmes originais. Não que existam apenas grandes filmes neste gênero, a maioria é de qualidade média a ruim. Neste ponto, Tarantino tem a vantagem de poder trabalhar com um grande orçamento e contratar grandes atores. O que não era o caso nos anos 60 e 70, o próprio Clint Eastwood era um ator ascendente quando participou da Dollars Trilogy. O filme de Tarantino é um caso estranho por estas razões. Normalmente um ator como Leonardo DiCaprio ou mesmo um oscarizado como Jamie Foxx não participariam de um filme de gênero. Pelo menos se seguirmos as regras do passado. Hoje, Tarantino conquistou o status de artista ou diretor criativo, permitindo-o criar uma estranha aberração como Django Livre. Grandes atores e grandes orçamentos empatados em um filme B que é tratado como filme A.

O curioso panorama de criação deste filme acaba explicando-o e tirando sua força. Muitas pessoas poderão gostar do filme. Poderão até mesmo enxergá-lo como uma obra de arte, com tiradas irônicas e sarcásticas. Os filmes do Tarantino geralmente são consumidos por um público geral leigo e também por um público ligeiramente mais inteligente que pode enxergar no diretor algum tipo de gênio artístico. Este público pode tentar defender de alguma forma o filme e seu diretor. A realidade é um pouco pior.

Os Spaghetti Western conseguiam equilibrar-se entre ironia e exagero e uma narrativa razoável e interessante. A pretensão dos filmes chegava ao nível do permissível. Tarantino não alcança este equilíbrio. No fundo os seus filmes não são filmes de gênero, são filmes do Tarantino. Talvez ele pense estar criando uma homenagem ou inserindo-se em uma tradição, mas acaba fazendo apenas um filme ruim, cheio de diálogos que não são sarcásticos, mas sim autoindulgentes. Os filmes de Tarantino, de modo geral, voltam-se a si mesmos sempre. Aceito apenas a ideia que o diretor é criativo. Os guerrilheiros judeus de Bastardo Inglórios e mesmo o pistoleiro negro de Django Livre são ideias muito boas que acabam perdidas em meio a uma arrogância artística que busca desesperadamente achar um estilo e encontra apenas a mediocridade.

Talvez esta ideia seja muito forte para alguns. Não vejo outra saída senão amar o cinema. Para mim ficou difícil amar Django Livre.

Quem sabe em outra oportunidade eu fale mais dos grandes Spaghetti Westerns e outros grandes westerns dos anos 60 e 70. Ou escreva um cenário baseado nas regras deste belo gênero.

Marcelo Molinari
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7 Comments
  1. Não sou nenhum fanboy do Tarantino (na verdade, vi poucos dele), mas as críticas do Django Livre foram, em geral, positivas.

    http://www.metacritic.com/movie/django-unchained

  2. Eu achei o filme excelente. As atuações estão impecáveis, sobretudo as de Leonardo Di Caprio e Waltz. O filme pode até se arrastar em algumas partes, mas acaba sendo necessário para a caracterização de todo a trama. Ele ainda coloca questões interessantes sobre a escravidão, o preconceito e todo o racismo que construiu os EUA (e como reflexo o do nosso próprio país).

    Nisso o filme é ousado e mostra caracterizações fora do lugar comum, pois não “vitima” ninguém. Vários personagens afro americanos são mostrados “simpáticos” ao regime racista que vigorava, como no caso do personagem vivido por Samuel L. Jackson.

    Django Livre engana porque inicialmente você ACHA que está vendo um Western Spaghetti, mas depois ele mostra uma mensagem mais profunda, que até mexe com o espectador. A crise pela qual o Dr. Schultz (Waltz) passa é o melhor exemplo disso.

    Ele não consegue esquecer o que fizeram com aquele homem dilacerado por cães. O que era uma “missão” relativamente simples, acaba se tornando pessoal por várias razões. Por mais que ele seja “profissional”, o filme mostra que não tem como ser insensível tendo em vista a brutalidade humana.

    Da mesma forma, Django aprende que tem que “entrar no jogo” se ele quer ter sua mulher de volta, bem como sua liberdade. Ele aprende a atuar e a mentir. É obrigado a fazer coisas que não faria antes.

    Essa “troca” de papéis entre Django e Schultz é o que fica mais marcante. Considerando isso, o filme não tem nada de superficial.

    Tarantino coloca um cenário cruel. É exagerado? Com certeza, essa é a marca dele. Mas não é mais questionável do que um homem que andava por aí na lama, carregando um caixão com uma metralhadora…

    • Realmente o filme tenta discutir a questão do talento de um negro frente a brancos insensíveis. Mas faz isto de uma forma arrastada e pretensiosa. É tudo na base de diálogos de desafio e impacto, ao invés de predominar uma maior preocupação narrativa. Parece que Tarantino está brincando de Spielberg, querendo fazer um grande filme, talvez um filme mais épico. O problema é justamente este, O filme não escolhe um caminho. É mais um amontoado de diálogos, banhos de sangue e piadas do que uma narrativa limpa e objetiva. Bastardos Inglórios já apontava para este caminho e Django Livre forçou ainda mais.
      Como seria bom se Tarantino fizesse filmes mais diretos. Daí sim ele seria um bom cineasta. Django Livre poderia ser um excelente filme, infelizmente não é. O que eu quis dizer é que por baixo de um verniz de estilo, Tarantino simplesmente não cria narrativas. É só pretensão de fazer filmes.
      Em relação ao Leonardo DiCaprio, sua atuação é um dos pontos baixos de Django. Eu não consigo sentir emoção nenhuma com ele. Péssima atuação. A última boa atuação de Leonardo DiCaprio foi em Titanic, depois o ator perdeu o talento.

      • Discordo em quase tudo. Primeiro, DiCaprio possui muitos filmes bons. Eu no começo torcia muito o nariz pra ele, mas após vários filmes, tive que admitir que ele tem talento. Ele pode até não ser “OMG”, “top”, etc., mas é esforçado e está longe de Adam Sandlers da vida. Os Infiltrados, A Ilha do Medo, Rede de Mentiras, Prenda-me se for Capaz, enfim, em maior ou menor grau, ele consegue fazer um bom trabalho. Ok, ele não é nenhum Daniel Day-Lewis, mas está longe de ser fraco, pelo contrário.

        Segundo, só porque o Tarantino não usa uma narrativa “limpa e objetiva” não significa que é ruim. Há vários diretores que ousam em narrativas ou estão longe de serem diretos e ainda assim fazem bons trabalhos. Amnésia (Nolan) tem uma estrutura narrativa diferente e é um filme excelente. A Árvore da Vida e Além da Linha Vermelha (ambos do Malick) não são exatamente objetivos e nem por isso são ruins.

        E, de novo, a média de notas do Django foi na casa do 8.x., tanto de críticos quanto de usuários. Tarantino tem lá o “jeito dele” de fazer filme. Alguns amam. Outros odeiam. Mas pela recepção, parece haver mais recepções positivas que negativas.

      • Acho que Tarantino foi corajoso, tocando em um assunto que muitos evitam, que é a caracterização do racismo norte americano.

        Em Bastardos Inglórios, era “fácil” achar os vilões, afinal, eram todos nazistas, todos mereciam o que de pior lhes aconteceriam…

        Já em Django, quando você acha que conhece todos os “vilões”, os brancos malvados, aparecem personagens como Schultz e o de Sam Jackson, que quebram os estereótipos “fáceis”.

        No final, é como o Arcanjo colocou. Tarantino ou você gosta ou odeia, difícil um meio termo em um filme.

        Tem filmes dele que não gosto, como Jackie Brown. Outros que gosto, mas que muita gente odeia, como À Prova de Morte.

        Na verdade, considero que Django é bem estruturado se comparado a vários filmes do próprio Tarantino. Nada fica em aberto, você sabe o que ocorreu com cada personagem, tem começo, meio e fim bem colocados, diferente de outros filmes dele.

        Em relação a atuações, particularmente gostei do Di Caprio. Seu personagem é bem afetado, mas não é extremamente caricato como “vilão”. Ele é fruto daquela época. Cruel, com certeza, mas com um lado até “sensível”. O carinho e até respeito que tem com o personagem de Samuel Jackson é surpreendente. A bizarrice de seu relacionamento com a irmã também. Acho que Di Caprio passou bem essa impressão de alguém “bipolar”, que uma hora pode ser controlado, no outro estoura…

        Como sempre, opinião é opinião. Vejo que Tarantino evoluiu muito como cineasta. Muito boa a caracterização dele do período, as belas tomadas e o roteiro afiado.

        Entendo que muita gente não goste do “estilo” meio verborrágico que ele tem, mas isso tem um propósito. As cenas de Schultz sem toda a “falação” ficariam completamente prejudicadas, por exemplo… ;)

        Falou!

  3. Sobre a questão de estrutura dos filmes. Tanto Django, quanto Bastardos Inglórios e mesmo Pulp Fiction são bem estruturados temporalmente. Seus filmes não deixam pontas soltas. Tarantino têm as habilidades básicas de um contador de histórias. Seus filmes simplesmente não aproveitam seu próprio potencial e perdem-se em diálogos e mais diálogos. Quando fui ver Bastardos Inglórios esperava um filme de ação ou um filme de aventura. Não há nada disto. Com exceção de algumas cenas perdidas de ação, o filme é só diálogo. Django leva este esquema ao extremo, com diálogos ainda mais grandiosos. Os personagens não são aprofundados. É tudo muito superficial.
    Só gosto realmente de um filme do Tarantino: A Prova de Morte. Este filme mostra como Tarantino poderia ser um bom diretor. Diálogos excelentes e uma ideia simples e bem executada. Um filme despretensioso que flui muito bem. Neste filme não há diálogos soltos. Pulp Fiction, Bastardos Inglórios e Cães de Aluguel são razoáveis, mas um pouco pretensiosos. A Prova de Morte é um filme divertido e por incrível que pareça, profundo. Os diálogos das personagens femininas são hilários.

  4. Retiro o que eu disse. Revi A Prova de Morte e percebi que estava errado. Este filme também peca pelos mesmos exageros dos outros filmes. Tarantino sabe criar histórias divertidas, sabe o que o público gosta e dá o que o público gosta. Ele tem algum talento para contar histórias. De resto, não há quase nada que se salve em seus filmes. Seus diálogos são sempre ruins e engraçadinhos no pior sentido da palavra. Além de superficiais. A única coisa que se salva em seus filmes são as trilhas sonoras. Tarantino também tem um excelente olhar crítico para cinema, e sabe avaliar filmes de uma maneira interessante. Ele deveria ter sido crítico de música ou cinema…

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