Entrevista com o tradutor de “A Roda do Tempo”

Entrevista com José Francisco Hillal Botelho, tradutor de A Roda do Tempo

Com o lançamento do livro A Grande Caçada, o volume 2 da obra A Roda do Tempo, de Robert  Jordan (tanto o volume 1 como o volume 2, na edição brasileira, foram resenhados pela Rede), tive a oportunidade de trocar algumas palavras com José Francisco Hillal Botelho, o tradutor dos dois primeiros volumes para o nosso português “brasileiro”.

Sempre educado, bem humorado e rápido em responder nossos e-mails (a entrevista ocorreu via troca de e-mails), o gaúcho nascido em Bagé (extremo sul do Rio Grande do Sul) tem quase 30 anos, é mestre em Literatura Comparada pela UFRGS, bacharel em Jornalismo pela PUC-RS e  escreve há muitos anos para a editora Abril, tendo muitos artigos, reportagens e resenhas publicadas.

Seus textos podem ser encontrados nas publicações Super Interessante, Aventuras na História, Vida Simples, entre outras. Alguns artigos de sua autoria podem ser encontrados no link  http://vidasimples.abril.com.br/subhomes/filosofia/filosofia.shtml.

Seus mais recentes ofícios são: ser pai, o que aconteceu recentemente (a Equipe da Rede lhe dirige uma longa  e respeitosa saudação por este novo e glorioso ofício!) e uma série sobre mitologia grega que será lançada também pela Editora Abril ainda este ano. Ademais, escreveu um livro de contos, “A árvore que falava aramaico”, que também dará as caras em 2011.

Além de ser fanático por literatura, independentemente do gênero ou tipo, José Francisco destaca a importância da liberdade que o tradutor tem que ter para transmitir a idéia do texto – e não simplesmente fazer uma tradução literal e sem vida –, deixando transparecer seu respeito pela obra A Roda do Tempo e, mais ainda, respeito pelo laborioso e cativante (e muitas vezes desprestigiado) ofício de tradutor.

 

RedeRPG: Você gosta de literatura?

José Francisco: Sou fanático por literatura, de todos os tipos, de todos os gêneros.

 

Rede: De onde surgiu o interesse em literatura fantástica?

JF: Quando aprendi a ler…

 

Rede: E em traduções? Qual o primeiro livro do gênero que leu?

JF: Meu interesse maior pela tradução surgiu após a leitura de um ensaio de Borges, “As versões de Homero”, e com o estudo de Teoria da Tradução no mestrado em Letras.

 

Rede: Já conhecia A Roda do Tempo? E Robert Jordan?

JF: Conhecia apenas pela fama, mas não havia lido.

 

Rede: Qual a sensação de traduzir a obra?

JF: Traduzir é sempre um prazer.

 

Rede: Qual a maior dificuldade na tradução? O tamanho? Poderia nos explicar? Ocorre que alguns fãs “fundamentalistas” nem sempre aceitam as traduções de algumas coisas, mas nem sempre é possível a uma tradução manter tudo como no original, certo?

JF: O tamanho certamente é um grande obstáculo, especialmente aliado aos prazos. A situação ideal seria traduzir com muito tempo disponível, burilando cada frase até a perfeição. Infelizmente, essa situação ideal é uma verdadeira impossibilidade no mundo de hoje.

JF: Não acredito em traduções literais – quero dizer, não acredito que uma tradução possa transmitir totalmente o sentido exato do texto original. O que a tradução PODE fazer é criar equivalências, ou seja, buscar a produção de determinado efeito que equivalha de alguma forma ao efeito de determinado termo ou frase no original. Nesse sentido, o tradutor não só pode, como deve tomar certas liberdades, tendo sempre em mente a qualidade do produto final. Particularmente, prefiro ler uma tradução criativa, embora dada a algumas liberdades, do que uma tradução dita “literal”, mas que não tenha fluidez nem beleza. Um exemplo disso é a tradução de The Mines of King Salomon feita em Portugal no século XIX, por discípulos do Eça de Queirós. A tradução é “infiel”, mas é também uma delícia. Uma tradução mais próxima do original talvez não fosse tão vívida e envolvente.

 

Rede: Há quanto tempo faz traduções? Que outras obras já traduziu?

JF: Essa é minha primeira tradução publicada, embora tenha estudado Teoria da Tradução em meu mestrado (em Letras).

 

Rede: Vamos voltar um pouco no tempo, para O Olho do Mundo. Qual o critério para traduzir “stedding” para “estança”?

JF: Essa foi uma decisão muito difícil. “Stedding” remete ao termo arcaico “stead”, que não tem tradução exata em português, mas que denota um lugar, uma paragem, seja enquanto moradia ou simples local de acolhimento. A solução foi recorrer ao português arcaico e buscar uma palavra que tivesse acepção semelhante. Não faria sentido manter a palavra “stedding” na tradução, pois isso deixaria implícita a idéia de que no mundo de Jordan as pessoas falam inglês ou algum idioma baseado no anglo-saxão, o que não é o caso. Já que a tradução era para o português, a saída evidente era escolher uma palavra portuguesa que tivesse sentido semelhante ao de “stedding”. É o caso da palavra “estança”.

 

Rede: Porque traduzir o nome da cidade “Tear” para “Lácrima”?

JF: Bem, como se sabe, “Tear” em inglês significa lágrima. Não fica claro, pelo texto do livro, se era essa a acepção do termo no original. Na dúvida, poderíamos ter mantido o original “Tear”, mas aí surge outro problema: em português, existe uma palavra que é redigida exatamente da mesma forma. Aí haveria confusão semântica entre “Tear”, o lugar, e “tear”, a máquina de fazer roupas… Achamos preferível pecar pelo capricho estético. Escolhemos então “Lácrima”, baseado no latim “lacrima”, que significa lágrima.

 

Rede: A partir de a Grande Caçada, vemos o número de cidades pelas quais os personagens passam, aumentar de forma drástica. Gostei muito da saída escolhida para os adjetivos pátrios, já que temos, por exemplo, no original, que quem é de “Arad Doman” tem como adjetivo pátrio “domani”, quem é de “Tear”, “tairen”, e por aí vai. Como você chegou num denominador comum para isso?

JF: Cada caso é um caso. Um dos meus critérios essenciais é escolher sempre termos com boa sonoridade em português, termos que não soem truncados nem artificiais. Isso é sempre difícil, especialmente no caso dos adjetivos pátrios.

 

Rede: O personagem Bayle Domon é um daqueles personagens, como é característica na obra de Robert Jordan, que aparece em diversos pontos da narrativa, ao longo das obras já publicadas. Ele, como todos seus conterrâneos de Ilian, tem um sotaque bem característico: nos original o uso do auxiliar “do” é uma marca, além da inversão da ordem de palavras. Tenho para mim, p.ex., que seria um linguajar mais rude. Ocorre que quando li a tradução não consegui vislumbrar o ar que o Bayle Domon (e seus patrícios) me transmitiu quando li o original. Como se chegou a um conceito na forma de traduzir?

JF: Na verdade, a fala do Bayle Domon em inglês soa algo arcaica. É o caso da palavra “mayhap”, que ele usa frequentemente. O modo de falar do Domon lembra o de certos personagens picarescos da literatura inglesa, como o Falstaff ou algumas figuras de Chaucer, ou ainda o linguajar rebuscado de certos personagens marinheiros ou piratas. Na minha opinião, traduzi-lo de forma ultra-coloquial seria um erro. Daí a opção de produzir uma fala algo rebuscada e picaresca em português. Naturalmente, eu posso ter ido longe demais em alguns pontos! Prometo que na próxima vez vou me moderar ;)

Rede: Por falar em tradução, gostaríamos de saber como se deu o processo de tradução de A Roda do Tempo. Você trabalhou sozinho? Tem uma equipe? Algum consultor? Tem alguém que conheça a obra como um todo? Como estão os trabalhos para a tradução do próximo livro (estão todos ansiosos!)?

JF: Fiz o grosso da tradução sozinho, sim, mas sempre com a supervisão do Luis Felipe Torres, da Caladwyn. Ele – e o Roberto, um colaborador da editora – participaram muito na tradução dos termos e nomes como “stedding”-“estança”, “Tear”-“Lácrima”, os nomes de cidades e lugares, etc. Quanto ao volume dois, creio que já esteja nas livrarias. Já em relação aos demais volumes não tenho muitas informações, não, exceto de que a editora pretende, a princípio, publicá-los também.

Rede: Temos, nos primeiro livros, os famigerados “darkfriends”. Adiante, teremos uma versão arcaica para este palavra: Friends of the Dark. Já pensou nisso? E em balefire? Já pensou (cuidado com os spoilers… risos)?

JF: Essas questões terão de ser bem pensadas quando chegar a hora de traduzir os próximos volumes… Por enquanto, ainda há apenas especulação.

Rede: Alguma idéia de quando poderemos ver o The Dragon Reborn (O Dragão Renascido) em português?

JF: Não tenho idéia!

Rede: Algum livro que você gostara de traduzir no futuro? Algum que gostaria de ter traduzido?

JF: Gostaria muito de traduzir a obra de George R. R. Martin, para mim o melhor autor do gênero, mas acho que cheguei tarde…

Rede: Obrigado pelo tempo disponibilizado e sucesso! Que venham os próximos volumes de A Roda do Tempo e, tomara, com o mesmo esmero e qualidade dos anteriores!

JF: De nada. Um abraço!

Entrevista feita por Franz Brehme.
Site da Caladwin: http://www.caladwin.com/
Setor a Roda do Tempo na Caladwin: http://www.caladwin.com/caladwin/catalogo.asp?categoria=5

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