Fair Play

Todo mundo quer que seu personagem se dê bem. Mas a grande graça do RPG não é ganhar: é jogar. Entender isso, e tomar isso como uma grande verdade, faz com que todo jogo de RPG, mesa ou Live Action, seja um divertimento para TODOS, e não apenas para os que conseguem “cumprir seus plots” (realizar seus objetivos) até o final da noite. E se todo mundo se diverte, no fim das contas, você também se diverte mais. Para isso é preciso fair play, ou seja, jogar um jogo justo… Mas o que diabos é preciso para ter fair play?

Os Brujah do RBN: personagens sem noção do perigo e jogadores sem medo de representar isso.

1) Respeite seu personagem – Você teve um grande trabalho para cria-lo. Para saber como ele reagiria diante de tais e quais situações. Para ter uma idéia clara do que ele pensa do mundo em que vive e das pessoas com que se relaciona. Essa construção é que deve nortear seu personagem, mesmo que você ache que ele está no caminho errado! Se o seu personagem tiver motivos e acreditar que deve tentar passar a perna abertamente em um personagem mais poderoso: faça! Se o seu personagem tiver razões para fazer aliança com o personagem de alguém que você pessoalmente não gosta muito: faça. Se o seu personagem tiver que ser inimigo mortal do personagem do seu melhor amigo ou da sua namorada, e dar-lhe um balão: faça! O Live Action é um jogo. E respeitar a natureza do seu personagem é a primeira regra do bom divertimento! Dizem que o “deus do roleplay” protege quem joga com fair play… E acredite, protege mesmo: seu personagem pode até se dar mal, mas você irá se divertir como nunca!

2) Não exagere – Você pode ter bolado um plano genial para destruir seu nêmesis nos primeiros 5 minutos de live. E veja bem, o plano é bem capaz de dar certo. Mas vale a pena? O jogador que está representando o personagem que é inimigo do seu irá sair do jogo, ir para casa mais cedo e nem terá tempo de se divertir. O jogo não é seu: é de todo mundo… Então vá com calma. Por mais tentador que seja usar todos os seus poderes e executar planos geniais, use o bom senso para decidir quando é a melhor forma de usar. Acredite, é possível respeitar a natureza seu personagem e ao mesmo tempo não estragar à toa o jogo de ninguém: é só usar a sua criatividade… Temer represálias ou querer ter alguma certeza costumam ser boas desculpas para ao menos atrasar seus planos mirabolantes e deixar o outro jogador também se divertir um pouquinho! E entenda como parte desse princípio se o mestre do Live jogar em você um balde de água fria em alguma idéia mirabolante sua: é dever do mestre tentar garantir divertimento e condições justas para todo mundo, e embora ele não deva interferir quando um personagem irá pagar por alguma bobagem que fez, talvez ache prudente que isso seja feito paulatinamente, para dar alguma chance do personagem em questão tentar reverter sua situação de alguma forma: dar uma chance de TODOS jogarem o Live e não só os que tiveram as idéias mais geniais na frente dos outros!

Uma dessas princesas e rainhas seria envenenada no final do evento principal. Oportunidades não faltaram, inclusive neste chá das damas da alta sociedade, pré-live de 7th Sea: mas o fair play adiou a tentativa (bem sucedida) para um dos instantes finais do Live em si.

3) OFF é OFF – Da mesma forma que você não deve fazer seu personagem ser amigo de outro só porque os jogadores são amigos (ou justo o contrário: ser inimigo só porque você e o outro jogador não se dão bem), as informações em OFF, ou seja, que você sabe mas seu personagem não tem como saber, não devem ser usadas no jogo.

Você pode saber, porque leu detalhadamente o livro de Vampire:The Masquerade (ok, ok, a base desse texto é antiga, mas vale como exemplo!), que Lasombras não podem ser refletidos no espelho e por isso, levar escondido na bolsa um espelhinho para pegar no ato o Lasombra infiltrado que você ouviu dizer em off que existe… Mas será que seu personagem sabe dessa história do reflexo? Será que ele sabe da possibilidade de haver mesmo um Lasombra no grupo? Se não sabe, nem pense em fazer seu personagem usar esse recurso. O jogo perderia a graça!

Claro que ninguém gosta de “fazer papel de otário” e ser enganado na cara dura por um Lasombra que você, jogador, sabe que existe. Mas se seu personagem não tinha como obter essas informações, ninguém está fazendo papel de otário. São coisas da vida: a gente às vezes se engana com algumas pessoas e os nossos personagens também!!! Interprete isso e, possivelmente, se você interpretar bem e o outro jogador também, haverão várias oportunidades do seu personagem perceber que nem tudo é o que parece a princípio!

Usar informações em OFF estraga o seu jogo e o jogo dos outros. Descubra em “ON” e, então, use. E guarde para você mesmo o que descobrir em OFF: nem todo mundo consegue simplesmente não usar esse tipo de informação e sinceramente não vale correr o risco. Principalmente se o segredo for comprometer o SEU personagem…

 

Muitas vezes no Rio by Night (e em especial no Prince's Chronicle), jogamos com personagens da cronologia oficial da White Wolf, os quais conhecíamos todos os segredos pelos livros da editora. Mas no jogo, o desafio era agir apenas com o conhecimento que os jogadores (incluindo os mestres) possuiam e não comentar nada sobre esses personagens em off, para não dificultar o jogo daqueles que não tivessem lido os livros!

4) ON é ON – Da mesma forma que você não deve sair por aí usando em jogo informações que conseguiu em OFF, ou mesmo repassando-as ainda em OFF, tome cuidado com as informações obtidas em ON. O que seu personagem descobriu no jogo são coisas importantes: não faz sentido você sair contando para os outros jogadores , se o seu personagem não contaria para os personagens deles…

Alguns segredos que descobrimos no meio do jogo são divertidíssimos e a língua coça para comentar entre amigos. Mas se controle. Se o seu personagem tem motivos para contar para outro personagem, chame um mestre (se isso for necessário) e faça a cena em ON. Assim você saberá exatamente o que e como contar, guardando talvez alguns detalhes para você mesmo, ou fazendo juízos de valor que seu personagem faria (e não necessariamente você concorda)… Passar informações sem critério é que geram as “informações em off” que, usadas no jogo, podem estragar por nada o divertimento de alguém. Eventualmente, o seu próprio!

5) Confie no Mestre – Não esconda nenhuma informação do mestre. Ele criou o background da história, sabe o que está acontecendo e, muitas vezes, o que você está pensando que seu personagem faria pode estar desconsiderando alguma informação importante, que só os mestres podem lhe dar.

Não existe essa história de fazer coisas e esconder do mestre. Se estivermos falando de um super segredo que você tem medo do mestre usar contra você, esqueça isso: os mestres são os campeões do Fair Play (e se não forem, não conseguirão jogadores para o seu próximo jogo…) e seu segredo só será descoberto se você tiver deixado alguma brecha para isso (afinal, os outros personagens podem estar investigando o seu!). Em última análise, o que o mestre não sabe, não aconteceu…. Vamos supor a seguinte situação:

Seu personagem está traindo seus aliados, passando informações para o inimigo. Alguém desconfia e resolve investigar. Tem um trabalho enorme e faz um excelente trabalho de investigação. E obviamente, cabe ao mestre contar a ele o que foi descoberto. Ora, se você não contou ao mestre que está sendo um agente duplo, o mestre não irá contar isso a quem investigou. Bom…. muito bom! Você não foi descoberto. Mas valeu? Claro que não. Se você fosse o investigador, não ia gostar nadinha de ter tudo para descobrir, mas não o ter feito porque o jogador omitiu informações do mestre. Se fosse um evento “real”, seu personagem teria sido descoberto (ou não… Cabe ao mestre decidir se a investigação foi boa o suficiente para chegar na verdade ou não), portanto cabe ao personagem se cercar de todos os cuidados possíveis mas, enquanto jogador, manter o mestre sempre informado de tudo que faz.

Quando se esconde algo do mestre e isso acaba por prejudicar a história e outros jogadores, mais cedo ou mais tarde isso vem à tona . O jogador cria inimizades com os outros jogadores e perde a confiança do mestre. Acabará não sendo chamado para outro jogo…

A idéia é simples: confie tudo aos mestres e confie no bom senso deles em usar essas informações. Elas irão gerar jogo para você e para os outros jogadores. Se você não confia no mestre, não jogue com ele. Mas esconder informações importantes não vale!

6) Não sonegue informações – Já sabemos que não podemos esconder nada dos mestres, mas também temos que respeitar os outros jogadores… Se um personagem conviveu com o seu por muito tempo, ele pode não saber dos seus segredos, mas sabe de coisas que eventualmente podem levá-lo a descobrir esses tais segredos.

É um equilíbrio delicado. Talvez a parte mais difícil do fair play, mas você deve dividir com os jogadores todas as informações do seu personagem, individualmente, que eles teriam acesso.

Por exemplo: houve um crime na história e seu personagem é o responsável. Ora, é um segredo e você não irá contar para ninguém. Mas digamos que todas as noites você costumava freqüentar um determinado lugar com outros personagens e, na noite do crime, você não estava lá. Não era a primeira vez que seu personagem faltava a este evento, logo isso não faria de você necessariamente um suspeito, mas é uma informação relevante para, por exemplo, alguém que desconfie de você… Se seus companheiros de jogo acharem que você estava com eles naquela noite, você não será suspeito nunca. Mas ora, você NÃO estava lá…

Se você achar necessário, peça aos mestres para passarem essas informações específicas para determinados jogadores, para parecerem informações ao acaso e não levantar suspeitas desnecessárias, mas esteja certo que os outros jogadores SABEM o que devem saber do seu, mesmo que essas informações sejam arriscadas para você. Não contar é enganar seus companheiros de jogo e você não gostaria que eles estivessem enganando você!

7) É só um jogo – Seu personagem pode ser fascinante, mas é só um personagem. Você pode se apegar a ele, mas ele não existe de fato. Ele pode se dar muito mal no jogo, tendo seus segredos todos descobertos e seus planos desfeitos, mas isso aconteceu com ele, não com você. Da mesma forma que você precisa respeitar a natureza do seu personagem na hora de interagir com os outros, o contrário é verdadeiro, e nada do que acontece num Live, para bem ou mal, deve ser encarado como pessoal. E quando o jogo acabar é isso: acabou. É só um jogo. Sempre. Nunca se esqueça disso.

Se você construiu um bom personagem, não vai precisar “roubar” para se dar bem. Se não construiu, melhor sorte na próxima vez. Mas “roubar” num jogo de RPG, mesmo num Live Action (que o antagonismo entre personagens costuma ser maior e normalmente há plots – tarefas especificas – a cumprir), é assinar um atestado de incompetência, destruir seu divertimento (qual a graça de ganhar roubando?!) e o de todos ao seu redor!

 

Live é um momento de entretenimento, para exercitar a interpretação e a solução de problemas, junto com os amigos. É um jogo, que não tem porque não ser jogado no melhor das suas capacidades mas não é motivo para stress, aborrecimento e muito menos, um espaço onde jogar sujo se justifica.

Siga sempre as regras do Fair Play. Se alguém desrespeita-las com você, converse com os mestres, mas não faça igual em retribuição. Jogar justo é uma arte e, acredite, não fragiliza seu personagem. Um bom jogador respeita a natureza do seu personagem, não usa informações em OFF, guarda para si as informações em ON , conta tudo para os mestres e partilha as informações com os outros jogadores, e ainda assim, ou melhor, e justo por isso, se diverte mais do que se assim não o fizesse. Pense bem: sem sonegar informações e descobrindo tudo em ON, tudo que seu personagem fizer tem um gosto especial! São de fato conquistas do seu personagem!

Jogue justo. E tenha um bom Live! Os mestres irão garantir isso para você. E sobre os mestres, conversamos mais na semana que vem!

(Nas fotos: Flávio Centoducato, Fábio Centoducato, Gerard Laurence, Franklin Costa, Marcus Ferreira,Nathalie Pfaff, Marcelo Telles, Luana Sotero, Isabel Barreto, Sissa Rezende, Silvia Rodrigues, Tati Ricci, Pedro Borges, Lúcio Pimentel, Adriana Almeida, Marcelo Del Debbio, , Bruno Mac Cord, Renato Souza, Paulo de Loyol, Glauco Paiva, Marco Mezzasalma, Rodrigo Fontana ,Daniel Braga , Marcelo Saraiva , Alexandre Campos , André Cavalcanti, Rafael Braga , Luciana Werneck , Carolina Morand , Michelle Pfaff , Mario Araujo , Michel Costa , Ynara (Yaya Nana), Raul B Pedreira, entre outros.)

Por Adriana Almeida
Equipe RedeRPG

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Written by Adriana Almeida
Fazendo curso intensivo para vir borboleta na próxima geração. Longa história...
6 Comments
  1. Wowww…Senti firmeza cara colega, alguns jogadores realmente precisam de uma boa “prosa” de vez em quando para entender que o mundo não gira em torno dos seus “caralhocentos” d10’s da parada de dano. Ótima matéria.

    Agos”TI”nho
    D&D

    • Se eles soubessem como ao parar de achar que o mundo gira em torno dos seus umbigos (ou pontos, ou poderes em fichas, ou dados de dano…) eles iam ser divertir MUITO mais, já teriam abandonado isso há tempos! Quanto mais coletivamente o RPG (mesa ou live) é jogado, mais divertido ele fica. :P

  2. Há! Esse artigo entrou na minha lista de TOP5 dos melhores artigos da RedeRPG sem sombra de dúvidas, e olha que eu já li muuuuita coisa por aqui hein.

    Parabéns para quem montou e colaborou com o artigo, está bem escrito e o conteúdo é fantástico.

    • Adriana, logada como REDERPG…

      Obrigada Mammoth. Espero que goste dos próximos, que aprofundam ainda mais essa história da importância de jogar justo.

      • Dri, só pra constar, na terceira linha do artigo está escrito “Live Ation” onde deveria estar escrito “Live Action”, não sei se dá para consertar isso, mas, fica a dica :)

        Crédito a Fabrício Caxias que percebeu esse errinho.

        • (de novo, logada como Rede…)

          Corrigido. Obrigada! :)

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