Arquivo REDERPG: Criando terror em mundos de fantasia!

Criando terror em mundos de fantasia! foi um excelente artigo (2.668 leituras) do Newton “Tio Nitro” publicado no antigo portal em 22 de março de 2004. Nele, Nitro fala em como adicionar terror aos jogos de fantasia, levando o pavor aos seus jogadores. Confira a seguir:


 

Criando terror em Mundos de Fantasia!

Porque a turma dos RPGs de horror pessoal (como Trevas, Vampiro, Call of Cthulhu, Kult etc.) tem que ficar com toda a diversão e a emoção do terror? Este artigo é para os mestres de RPGs de fantasia que tem dificuldade de colocar o terror em suas mesas de jogos, de instalar o medo em meio a bolas de fogo, sucessos decisivos, trespassadas, magia maximizada entre outras coisas.

Já conversei com vários mestres que tem essa dificuldade, mesmo em cenários de fantasia mais voltados para o terror, como Ravenloft. Parece que quando se trata de fantasia existe uma resistência nos jogadores ao terror, como se fosse incompatível com o gênero. O terror parece funcionar mais em cenários mais realistas, como Trevas ou Call of Ctulhu, onde os PdJs(personagens dos jogadores) são muito mais frágeis frente aos monstros e mistérios que enfrentam.

Em uma campanha de fantasia os personagens normalmente são heróis excepcionais, diferentes dos humanos normais de uma campanha de Call of Cthulhu, por exemplo. É muito mais fácil aterrorizar um pobre professor universitário de meia-idade do que um Mago Necromancer que tem o poder de criar um pequeno grupo de mortos vivos para se proteger de seus inimigos. A fragilidade dos personagens de Call of Cthulhu frente aos desafios que eles enfrentam aumentam a tensão do jogo e dão um terreno fértil para o Mestre criar o clima de terror e suspense. Assim, desse primeiro elemento, tiramos algo importante para instalar o terror em uma campanha de fantasia: AUMENTE A LETALIDADE DA AVENTURA.

Nada cria mais suspense e tensão do que a sensação de mortalidade por parte dos PdJs (personagens dos jogadores). Se os jogadores sentirem que a campanha está bem mortal, que os inimigos que eles estão enfrentando tem o poder de liquidá-los facilmente, uma boa parte de tensão começa a entrar em jogo, pois ninguém teme aquilo que não pode nos fazer mal. Mesmo que a aventura não seja tão letal, o Mestre deve passar para os jogadores que eles podem morrer a qualquer momento, e que eles tem que estar atento à tudo que acontece. E como fazer isso?

Uma das maneiras é colocando os jogadores em situações onde eles tenham certeza que terão que usar da furtividade para escapar com vida. Se eles estiverem tentando sair de uma fortaleza amaldiçoada cheia de demônios, a tensão será enorme se eles perceberem que morrerão se partirem para cima dos monstros. Nesses momentos de tensão, o Mestre deve usar os elementos de suspense dos filmes de terror; como por exemplo narrando que um dos demônios está olhando para o lugar onde os PdJs estão passando escondidos, sons que não são nada, etc. A passagem do Nasgul procurando por Frodo e seus amigos hobbits na floresta, na primeira parte do Senhor dos Anéis mostra bem uma situação de terror e suspense em uma história de fantasia.

Um outro exemplo de como aumentar a letalidade em uma campanha, é a famosa aventura de “invadir o território inimigo”. Se os PdJs tem que entrar em no território do inimigo, o suspense funcionará melhor se eles sentirem que estão correndo perigo à todo momento. E mais um detalhe; se quiser estender o suspense, faça com que os PdJs possam escapar de uma situação onde não poderiam vencer. A fuga é um dos momentos que causa mais tensão, e o Mestre pode se aproveitar desse momento para pregar um sustos nos PdJs; como por exemplo, colocando emboscadas pelo caminho, indicando a proximidade dos perseguidores, etc.

O segundo aspecto de criar horror é o que os americanos chamam de “build up”. “Build up” é uma técnica narrativa que significa “ir aumentando a expectativa passo a passo”, ou seja, ir criando o clima de terror aos poucos, em camadas. O Mestre vai colocando elementos que pouco a pouco vão criando o clima necessário para a revelação do horror que está por trás dos acontecimentos da aventura. Um Mestre que queira criar o terror em suas aventuras, tem que aprender a fazer o “marketing” do seu monstro ou da origem do terror, ou seja, ir trabalhando com as imaginações dos jogadores aos poucos. Temos mais medo daquilo que imaginamos do que daquilo que vemos. Quanto mais expectativa se cria, mais a mente dos jogadores irá fantasiar sobre o monstro, e mais medonho ele vai ficando. Ou seja CRIE A TENSÃO POR CAMADAS, PASSO A PASSO.

Mas o que é fazer “marketing” do monstro? Se o foco da sua aventura de terror for um monstro, para atingir o clímax necessário, é interessante ir apresentando aos poucos a criatura. Existe uma seqüência que não falha nunca e os eventos seguem nessa seqüência: testemunhas, rastros, cadáveres e finalmente o monstro. Esse é o jeito clássico de se colocar um monstro em uma aventura de terror. Quanto mais detalhes misteriosos e horrendos se colocar em cada um dos elementos antes da revelação final da criatura, maior é o medo que os PdJs irão sentir.

Tradicionalmente, se ensina em psicologia que todos os medos do homem vem do MEDO DO DESCONHECIDO. Todos os nossos medos provém desse medo primordial. O medo da morte, por exemplo, vem mais do fato de que não sabemos o que vai acontecer depois do que do fim da vida em si. O Mestre deve explorar esse fato com os seus jogadores. Se o terror em uma mesa de jogo possui pais, o Medo do Desconhecido seria sua mãe. Mas como trabalhar com isso em uma sessão de jogo?

AUMENTE O MISTÉRIO. Ninguém sente medo daquilo que conhece, porém quando algo não está normal, quando algo foge do ordinário, a ansiedade começa a cozinhar o medo dentro do indivíduo. Sinais estranhos no céu, visões, marcas ou tatuagens que aparecem nos corpos dos PdJs, vilas desertas, cadáveres tem os olhos, etc. tudo que puder deixar os PdJs em uma atmosfera de mistério ajuda na criação de situações de medo e terror na mesa do jogo.

A confusão mental também é um excelente mecanismo para o Mestre instilar o medo em seus jogadores. Enigmas estranhos e misteriosos, ameaças feitas por desconhecidos, portas que mudam de lugar, informações contraditórias, tudo contribui para o terror. Porém aqui eu coloco um conselho para o Mestre: TODO MISTÉRIO TEM QUE TER UMA LÓGICA DENTRO DA AVENTURA. Mesmo que os seus Jogadores não descubram toda a verdade, os mistérios tem que seguir uma linha lógica, ou a aventura acaba se esfacelando na “caotiqueira” e perde totalmente o sentido.

Confiança e certeza acabam com qualquer medo que o Mestre esteja querendo colocar em sua mesa de jogo. Se o objetivo do jogo é o terror, lembre-se de sempre quebrar essa confiança e essa certeza dos PdJs. Os jogadores tem que estar sempre imaginando o que realmente pode estar acontecendo, criando suas teorias e fazendo o possível para sobreviver ao horror em que se encontram. A traição de PdMs (personagens do Mestre) ajuda muito na criação desse clima de incerteza, mas essa técnica não pode ser usada em demasia, ou corre o risco de perder o efeito. Se todos os PdMs do Mestre forem traidores, os PdJs nunca confiarão em mais ninguém. E com essa certeza de que todos os PdMs são inimigos, o terror diminui.

Outra idéia para aumentar o terror nas campanhas de fantasia é : MUDE O QUE OS JOGADORES ESTÃO CARECAS DE SABER. A chave aqui é a surpresa. Se os jogadores já estão cansados de lutarem contra Observadores (Beholders) mude-os, invente algo diferente para eles, crie novos poderes, uma nova forma. O inesperado assusta.

E como minha última dica eu direi algo básico: NÃO DÁ PARA CRIAR TERROR RINDO! Apesar de parecer simples, é mais difícil do que se imagina. O melhor Mestre de Ravenloft que eu já tive era uma das pessoas mais alegres que conheci. Porém, nos momentos onde tínhamos situações de tensão nas aventuras, ele olhava para os jogadores de maneira fria, séria e muito dura. Enquanto ríamos de nervoso, ele não se alterava, o que causava uma sensação de ansiedade e medo em nós jogadores. Até hoje me lembro de uma transformação de Lobisomem na frente do meu personagem. O Mestre narrou tão bem que eu parecia estar vendo os seus olhos ficando vermelhos como sangue! Essa viagem que eu tive aconteceu uma das minhas primeiras sessões de RPG e foi um dos fatos mais marcantes que me fizeram apaixonar pelo hobby.

Hoje percebo que ele usava vários recursos para instalar o medo como a entonação da voz, gestos teatrais bem calculados e até mesmo gritos em momentos de susto. Tudo isso contribuía para o terror e fazia com que os jogadores ficassem sempre querendo mais. Conseguir uma atmosfera de terror em uma aventura de fantasia pode ser difícil, mas é extremamente recompensador em termos de diversão.

Para finalizar, eu diria que um jogo de terror é um jogo de sombras e de luz. È preciso “jogo de cintura” e equilíbrio para se atingir o efeito necessário. Sem o contraste de momentos sem horror com momentos de terror, os momentos de terror perdem sua força. Por exemplo, se o mestre está descrevendo corpos mutilados à todo momento, o horror da descrição perde o seu impacto. Como Tiamat do Caverna do Dragão, que gostava de atacar soprando fogo e gelo alternadamente para acabar com a resistência do material, o Mestre deve usar os momentos de calmaria (onde ocorrem a investigação, o descanso, a busca de testemunhas, interação com PdMs) com os momentos de terror total (ataque do monstro, ritual satânico, corpos mutilados de vítimas, etc). Assim ele irá minando a resistência dos jogadores e finalmente conseguirá criar Terror em seu mundo de fantasia.

Escrito por Newton “Nitro”

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