Retrofuturismo [Resenha]

Mês passado fui na Fantasticon com o intuito de rever amigos e gastar dinheiro. Saí de lá com quatro livros de autores brasileiros de ficção científica e fantasia e já comecei logo pelo Retrofuturismo da Tarja Editorial.
Não sei dizer bem o que eu esperava do livro. Tinha lido a premissa e fiquei extremamente curioso sobre as histórias. Adoro Cyberpunk e pessoalmente já brinquei com as ideias de variantes do estilo. Quando vi termos como Stonepunk, Bronzepunk, Clockpunk e Dieselpunk embarquei logo na brincadeira.

Não sei se é bom ou ruim, mas essas minhas expectativas podem ter acabado sendo uma razão pela qual parte dos contos não me agradou (apesar de que, digo logo, os bons contos do livro valem a compra!). Mas o Romeu Martins, organizador, deixa claro em sua introdução que o conceito do *punk não era exatamente o mesmo do cyberpunk. O erro foi meu de não aceitar o aviso!

O primeiro conto é logo o que eu não poderia imaginar: Imaginística é o conto Stonepunk da Alliah. É o segundo conto dessa autora que eu leio na internet antes de ler no livro. Na história, um grupo de homens das cavernas embarca em uma jornada pelo neolítico. A história é ousada pela falta de diálogo, em parte substituídos por várias onomatopeias. É a ideia de que não existia fala no período e que acaba fazendo todo sentido no conto. Durante sua jornada, os personagens esbarram com outros povos dando o tom fantasioso da história. É uma história bem legal assim que você vence o estranhamento inicial.

O Bronzepunk da historiadora Nikelen Witter sofreu do mal da introdução, o mesmo que já havia acontecido comigo lendo alguns contos do Paradigmas Definitivos. Quando na introdução de Sobre asas douradas Romeu mencionou a ideia de tecnologias perdidas e foco no historicamente correto, imaginei algo totalmente diferente da história que li. Não que a história seja ruim! Ela é boa, mas não esperava ver uma história narrada pelos olhos de um “deus” observando a cidade de Ur ser apresentada aos novos inventos de sua princesa. A história junta conceitos das maravilhas que hoje sabemos que eram usadas na Grécia Antiga para maravilhar pessoas em templos, só que utilizando em um período anterior.

O conto seguinte foi o único de todo o livro que me fez querer parar de ler. O conto de Georgette Silen tem o nome de Sobre como o Rei Artur derrotou o dragão negro dos saxões na Batalha do Monte Badon ou Uma canção para o mestre Merlin. Mas o que o título tem de grande o conto tem de falhas. Em primeiro lugar ele é descrito como Middlepunk. Imaginei de tudo, até que usasse a Igreja Católica no papel de ‘megacorporação’, cultos marginalizados como os ‘punks’ e até mesmo magia divina substituindo os implantes do cyberpunk. Mas o que foi apresentada foi uma história de OVNIs que inclui um Merlin ciborgue e batalhas em naves na forma de dragões. A premissa poderia se salvar se a história fosse bem contada, mas existe algo de errado quando 6 de 30 páginas do conto são uma descrição sobre Merlin ligando uma máquina da forma mais meticulosa e entediante possível.

Venezia em Chamas de Ana Cristina Rodrigues segue trazendo o conceito de Clockpunk. Eu tinha um interesse em especial por esse conto porque faz anos venho rabiscando um romance que pessoalmente chamado de estilo clockworkpunk. A história faz parte do universo que a autora criou para outros contos e romances ainda a serem escritos. Neste universo temos uma versão ligeiramente diferente da nossa Terra. No conto, o cronista Rui de Pina conversa com seu aprendiz Pero Vaz de Caminha sobre uma de suas aventuras na cidade de Venezia, onde a magia foi banida e Leonardo da Vinci criou centenas de mecanismos adotados em toda a cidade. A história pula do presente para o passado de uma forma bastante fluida e que funciona muito bem. O formato é arriscado, e acaba aparecendo em dois momentos: logo de início, quando não ficou claro ainda que é esse o formato a ser seguido, a história acaba parecendo uma explicação do personagem e não uma ação em andamento. Por sorte em algumas páginas fica clara a intenção da autora e tudo se resolve. O segundo foi um deslize de revisão/edição (e talvez picuinha minha) em que, no trecho em que Rui narra a história a autora diz algo tipo “o cronista levantou-se,” que logicamente não faz sentido ali. Nenhum desses dois problemas devem ser demérito do conto que está entre os melhores do livro.

O livro segue para Jack Mesmeric, o conto Steampunk de Gianpaollo Celli. O conto é uma homenagem ao conto Johnny Mnemonic do William Gibson, um clássico do cyberpunk que virou filme com Keanu Reaves como protagonista. No conto de Gianpaollo o narrador não é Jack, mas a agente da Scotland Yard Jane Hesper. A história é boa assim como o cenário, mas uma coisa me incomodou ao longo de toda a história. Uma mulher na Inglaterra Vitoriana seria tratada como inferior, mesmo que, de alguma forma, conseguisse se tornar alguém tão importante na Scotland Yard, como é o caso. No conto isso só transparece brevemente logo no início, mas não mais. Do meio do conto para frente há algumas cenas de ação que me soaram confusas ou inverrossímeis, mas nada que tornasse o conto ruim.

Céu de Guerra – a batalha da Inglaterra vem como o conto Dieselpunk do livro, escrito por Renato A. Azevedo. Peguei o livro empolgado pela ideia do Dieselpunk. Não existe muita coisa por aí que é Dieselpunk, muito menos que eu considere boa. Sou fã do universo do Crimson Skies (video games, tabuleiro e livros) e sempre procurei mais coisa desse estilo. Talvez por isso (em termos de cenário) me decepcionei com esse conto. Em contrapartida, gostei bastante do conto em si. Na história, o capitão Rui Almeira é um ex-piloto de testes da Força Aérea Brasileira que acaba exilado por supostamente vender planos de projetos secretos para outros países. O conto foca em uma equipe de pesquisa de aviões de guerra na Inglaterra durante a 2a Guerra Mundial. Como fã de aviação de guerra e esse período (coisa que o autor obviamente também é) acabei gostando bastante do conto. Há termos técnicos aqui e ali que podem causar estranhamento para quem não conhece mais sobre aviões e o período, mas não me parece algo que tire o valor do conto.

Não sabia o que esperar do conto Nazipunk A Nova Frente Russa, de Michel Argento. A leitura começou me lembrando do Dieselpunk que eu esperava no conto anterior, mas logo apresentou algo que remetia aos quadrinhos e filmes do Hellboy. A história é legal, mas é apresentada de uma forma estranha, pulando para outro personagem sem motivo aparente, largando o anterior para trás quando deixou de ser útil. O final é igualmente estranho e me deu a sensação de que o conto era o pedaço de alguma outra coisa e não um conto com início, meio e fim. Dado um final melhor, o conto seria bom.

A morte nos espreita do espaço enquanto aguardamos o apocalipse nuclear de Marcelo Augusto Galvão é o conto Atomicpunk da coletânea. De certa forma o que imaginei aqui era o futuro (do passado) que vemos em jogos como Fallout e (esteticamente falando) Bioshock. Não foi bem o caso. Durante boa parte do conto ele não é diferente de qualquer conto policial noir. Existe, sim, a menção de eventos diferentes na história, em relação ao fim da 2a Guerra Mundial, mas é só. Na metade do conto para frente surge um elemento de ficção científica que poderia ser transplantado de um conto ou filme de ficção (e é). O final é satisfatório, mas acredito que poderia ter tido mais impacto.

O conto seguinte é o Transistorpunk Akazuki de Dana Guedes. Neste conto o foco é em um grupo de agentes russos em uma missão secreta no Japão tomado pelos Norte americanos após a 2a Guerra Mundial. Como no conto anterior, a primeira metade do conto não traz nada que remeta ao estilo proposto, sendo apenas mais uma história alternativa (poderia inclusive se passar no mesmo universo do conto do Marcelo Galvão). No trecho final surge o fantástico do conto em uma sequência de ação interessante. É um bom conto.

E a coletânea fecha com um conto cyberpunk do autor Richard Diegues intitulado Baby Beef, baby! O conto é narrado em paralelo com um programador chamado G.ZuZ (demorei para perceber o que queria dizer :D) e uma espécie de mercenário urbano veterano chamado Leônidas (que em muito me lembrou o RPG Shadowrun). Na história, Leônidas testa no mundo virtual um novo software criado por G.ZuZ. É ação pura e muito bem escrita, e que fechou o livro com chave de ouro. Ler esse conto me deu vontade de ler o livro do Richard, Cyber brasiliana, que, por algum motivo, não li até hoje.

Retrofuturismo é uma ótima antologia, especialmente se você for lê-la sem pré-conceitos sobre cada um dos *punks.

Por J. M. Beraldo
(http://www.jmberaldo.com

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