D&D Next – Consegue Sentir Isso?

Mike Mearls

Na semana passada, eu falei sobre o conceito de “imersão” em RPGs e o que isso significa no desenvolvimento de Dungeons&Dragons. Esta semana, vamos voltar nossa atenção para algumas abordagens específicas do desenvolvimento e como elas podem ajudara focar a imersão de um jogo.

O sistema de magia de D&D é um grande exemplo de como o desenvolvimento pode contribuir na criação da imersão de um jogo. Ele também destaca uma das maiores armadilhas na escolha de uma imersão específica para grande parte do seu jogo. O sistema de magia de D&D causa muita discussão por causa de sua natureza idiossincrática. Ele compartilha poucas, se é que existe alguma, características com a forma como a magia é retratada na maioria das histórias e jogos de fantasia, com uma notável exceção – as histórias “DyingEarth” de Jack Vance, que inspiraram o sistema de magia original de D&D. Como resultado, preparar feitiços e gastar magias diárias podem parecer fora de sincronia com as façanhas dos magos da ficção, como Merlin ou Zatanna.

Por outro lado,o sistema de magia de D&D proporciona a imersão profunda no jogo. Na última coluna, definimos imersão como a qualidade que faz a suas ações, pensamentos e decisões como jogador correspondam com as ações, pensamentos e decisões de seu personagem. Quando um devorador de mentes dobra a esquina, você e seu mago de 3º nível devem ficar apavorados e procurando uma rota de fuga. Quando seis kobolds cercam seu guerreiro de 12º nível, você e seu personagem devem ficar confiantes da vitória.

Da mesma forma, a imersão do sistema de magia de D&D significa que, assim como seu personagem, você precisa considerar com cuidado quais magias você quer conjurar. Sabendo que você está prestes a rastrear um agente Zhentarim em Baldur’s Gate, você prepara enfeitiçar pessoa para transformar os cidadãos suspeitos em aliados? Ou mísseis mágicos no caso de você se envolver em uma luta? Dormir não seria uma opção melhor para evitar feridos e não irritar a guarda da cidade? Seu personagem passa pelo mesmo processo que você passa na escolha de magias como um jogador. E o melhor, essa escolha é uma grande oportunidade para que os jogadores expressem as personalidades de seus personagens.Assim como um clérigo cauteloso optará por magias sutis, um mago que tenha feito um juramento de matar o Zhent pode escolher feitiços devastadores sem se importar com as consequências.

Você também pode usar a linguagem das regras para descrever precisamente o pensamento e a atitude de seu personagem com os feitiços. Se você tem apenas uma única magia de 3º nível para conjurar, faz sentido o seu personagem para dizer algo como: “Eu posso conjurar bola de fogo ou voo mais uma vez antes de precisar descansar e recuperar o meu poder”.As regras descrevem o mundo em termos que faz sentido para o seu personagem.

Claro que, muitas pessoas jogam D&D após terem lido muitos livros e visto muitos filmes de fantasia. Seu conceito de magia provavelmente não corresponde com a forma como D&D a retrata. Como resultado, a imersão da magia no jogo pode estar desconectada para eles. Entretanto, assim como nós nos mantivemos firmes em manter a identidade de D&D através da imersão na mecânica tradicional de conjuração, podemos manter as necessidades desses outros jogadores em mente – por exemplo,ao criar opções para grupos que querem utilizar pontos de magia em seu jogo.

O desafio de criar imersão no jogo reside na elaboração de regras que imitam os dilemas e decisões que um personagem enfrenta durante o jogo. Aqui estão três abordagens úteis para criá-la.

Escolhas e Consequências

A imersão se destaca quando você pede para alguém tomar uma decisão. As diferenças entre as possíveis escolhas devem repercutir tanto no jogador quanto no personagem. Seu personagem –usando seu conhecimento do mundo do jogo – e você –usando seus conhecimentos, tanto do mundo quanto das regras – devem pesar os mesmos fatores, benefícios, desvantagens e riscos para chegar a uma decisão.

Armas e armaduras providenciam um exemplo fácil. A espada de duas mãos permite que você cause mais dano, mas a espada longa permite que você use um escudo e melhore sua defesa. Você como jogador e você como personagem encaram essa decisão com os mesmos critérios básicos e os resultados esperados. Seu personagem sabe que um escudo ajuda a bloquearataques. Você sabe que um escudo concede um bônus de +2 na CA. Essas duas coisas significam a mesma coisa. As regras são apenas expressões do que acontece no mundo do jogo.

Combinar escolhas e consequências para unir os jogadores aos seus personagens é a ferramenta mais fundamental que um desenvolvedor pode usar para trazer a imersão ao jogo.

Estratégias Complexas, Táticas Simples

Durante um combate, seu personagem não tem mais do que um ou dois segundos para tomar uma decisão. Apesar de uma rodada ter seis segundos de duração, você precisa de tempo para conseguir completar a sua ação e movimentação. Nada atrapalha tanto a imersão como usar regras complexas para resolver situações que deveriam acontecer rapidamente no mundo do jogo.

Por outro lado,pode haver complexidade quando um personagem tem um tempo razoável para tomar uma decisão. As regras para a gestão de um reino podem ser mais complexas do que as regras para combate, porque uma única “rodada” para um reino pode representar meses ou mesmo anos de tempo de jogo. A discussão em torno da mesa poderia imitar os debates entre os conselheiros, os emissários, e os nobres conforme eles tentam estabelecer um tratado de paz com uma fortaleza anã nas proximidades, ou debates sobre a viabilidade de um ataque a uma fortaleza hobgoblin.

Em situações onde o ritmo deve ser acelerado, como o combate, a mecânica para qualquer decisão deve permitir que a decisão seja feita em aproximadamente o mesmo tempo que o personagem levaria para tomar a decisão. Ao fazer isso, o jogo evita sobrecarregar os jogadores até o ponto onde referenciar regras ofusca a ação. Em outras situações, você pode adicionar mais nuances e detalhes.

Coesão Narrativa

Coesão narrativa dá vida as decisões e consequências que um jogador enfrenta. Ela fornece verossimilhança para o mundo do personagem. Ela faz a ligação entre Mike, o cara sentado na mesa de jogo de seu amigo Rodney, e KelKendeen, o mago de caos determinado em espalhar o caos e confusão.

A coesão narrativa é simplesmente a descrição do que está acontecendo no mundo. Na maioria dos casos, é tão óbvio que nós não percebemos isso. Armadura de placas oferece melhor proteção do que armadura de couro. Gigantes são mais fortes do que orcs. No entanto, ao desenvolver as regras, é fácil perder a noção do que está acontecendo no mundo do jogo. Da mesma forma, se você prestar muita atenção para a realidade da campanha, então as regras podem facilmente ficar fora de controle. Encontrar um meio termo entre muita ou pouca abstração é um grande desafio durante o desenvolvimento de um RPG.

Vamos usar o ataque furtivo como exemplo. Na 3ª edição,diversas criaturas eram imunes a ele. O ataque furtivo era definido como a capacidade de um ladino acertar a área vital de uma criatura com uma anatomia discernível. Monstros como golems, elementais e mortos-vivos ou não possuíam uma anatomia tradicional ou não tinham áreas vitais para serem acertadas. Da mesma forma, esclarecimentos posteriores das regras deixavam implícito que você não podia fazer ataques furtivos contra um gigante se pudesse alcançar apenas os seus braços ou pés.

No final, esse foco do jogo na realidade prejudicou o ataque furtivo ser um grande elemento que torna os ladinos distintos. Como um ladino, você passa grande parte das batalhas na beira da ação, esperando a oportunidade de avançar e desferir um ataque mortal. Ao explorar uma masmorra, você espia à frente em silêncio, monta uma emboscada, e derrubar o guarda antes que ele possa acionar o alarme. No entanto, nada destrói esse tipo de imersão mais rápido do que perceber que o monstro de guarda é um morto-vivo ou elemental. A suposição de que o ataque furtivo devesse focar no conhecimento que o ladino tenha de anatomia destrói a imersão de um dos conceitos mais comuns de personagem. Toda a sua maneira de pensar como um ladino se desfaz.

Em edições posteriores, nós mudamos a definição de ataque furtivo para torná-lo mais flexível. O fundamental é que os ladinos são diabólicos. Eles preferem emboscadas,distrações e ataques indiretos. Um ladino luta em pé de igualdade apenas se não existir outras opções. Ladinos não são guerreiros de infantaria ou anatomistas – eles são oportunistas desonestos e preferem atacar pelas costas. Assim, um ladino sabe como maximizar seus ataques quando pega o inimigo com a guarda baixa. Os ladinos devem ser capaz de detectar uma rachadura na perna de um golem de pedra ou a essência central cintilante de um elemental de fogo tão facilmente quanto podem atingir um inimigo humanoide onde dói.

Coesão narrativa explica como você e seu personagem podem pensar em uma situação da mesma maneira, mesmo se você estiver pensando nas regras do jogo e seu personagem só pode entender a descrição da situação em termos “reais”. Coesão narrativa funciona melhor quando se atinge um meio termo entre fornecer detalhes suficientes para explicar uma situação e deixar espaço suficiente para a abstração necessária para se produzir um conjunto de regras fáceis e rápidas de usar.

Mesmo com essas formas de abordagem,a imersão é muito mais uma arte do que uma ciência. De longe, o maior desafio para os desenvolvedores é ter certeza que a imersão que buscamos é a certa para o jogo. Como eu mencionei na semana passada, o maior benefício de nosso playtest foi abrir um canal de diálogo com os jogadores de D&D e saber o que eles pensavam sobre o jogo. Com mais de 175.000 jogadores participantes, o playtest permitiu que a equipe de P&D e uma grande amostra de jogadores de D&D entrassem em sintonia quanto a imersão esperada do jogo.

Link para o artigo original:

http://www.wizards.com/DnD/Article.aspx?x=dnd/4ll/20131216

Traduzido e adaptado por Rafael Silva

 

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