A Penny For My Thoughts RPG (resenha da edição brasileira)

“Vou ajudá-lo a se lembrar”
“Sim… eu lembro agora. Eu lembro quando…”
“O que foi que eu fiz ou disse, então?”
“Uma moeda pelos meus pensamentos”.

Com essas quatro perguntas chaves, Paul Tevis, da Evil Hat Productions, criou um dos jogos de RPG mais envolventes e densos que eu já conheci.

A Penny For My Thoughts, vencedor do prêmio de 2009 do Indie RPG Awards por Melhor Jogo Original, publicado aqui no Brasil pela Redbox, se baseia em uma premissa que é quase um clichê do jogador preguiçoso: o background amnésico. Mas, diferentemente de tantos outros jogos, onde o background do personagem e os eventos que o tornaram amnésico não são necessariamente relevantes, agindo mais como um plot device (ou um macete ruim para conseguir pontos), aqui a amnésia é literalmente o ponto de partida. Os jogadores se reúnem para, coletivamente, literalmente criar o passado uns dos outros, levando à descoberta do evento traumático que os levou à perda de memória, em um jogo de investigação e narrativa que facilmente te prende por umas boas horas, do começo ao fim.

Munidos de uma ficha com certos axiomas (verdades absolutas que seu personagem pode confiar, como ano e local atuais, nível tecnológico e parâmetro de identidade), um questionário com três frases a serem completadas com uma memória agradável, uma memória desagradável e o evento traumático em si, e um punhado de moedas e pedaços de papel contendo gatilhos de memória em formas de palavras ou descrições simples (como “cheiro de terra molhada”, ou “o som de um trovão”), os jogadores imergem uns nas histórias dos outros, criando histórias únicas e tristemente cativantes.

Um jogo com um cenário poderoso, mas também perigoso… e nesse caso o perigo mora nos jogadores.

O JOGO
A ideia básica é: cada personagem está voluntariamente em uma terapia experimental utilizando uma droga chamada Mnemosine, que permite aos amnésicos compartilhar seus subconscientes. Cada um dos personagens realizará uma “viagem” pelo seu subconsciente, guiado por perguntas que os outros lhe fazem, por opções de memórias que lhe são dadas também pelos outros e complementadas pelo próprio jogador a cada passo. O ponto de partida é um gatilho de memória e, a cada “rodada”, moedas são trocadas pelos jogadores, permitindo que eles reúnam mais e mais informações.

O potencial de imersão aqui é tremendo e, ao ter sempre algo novo adicionado, cada jogador precisa absorver o que lhe é oferecido e adaptar-se a uma narrativa incrivelmente fluída e improvisada. Ao final de cada “viagem”, um novo participante é selecionado, completando suas próprias memórias a partir de um gatilho de memória diferente. O fator de imprevisibilidade é possivelmente o maior fator aqui; sem nenhum elemento randômico, como dados ou cartas, o jogo é puramente narrativo e, mesmo assim, uma vez iniciado, mesmo que você faça seu personagem com uma ideia clara em mente, absolutamente nada garante que esse caminho será sequer considerado em algum momento, já que a primeira pergunta automaticamente pode levar toda a narrativa a um rumo inesperado.

O PERIGO
Aqui entra uma questão importante, postada inclusive pelo criador do jogo: A Penny For My Thoughts é um jogo altamente imersivo, que lida com situações de estresse e trauma. Não é nem mesmo difícil se sentir desconfortável com o rumo que uma cena toma, ou com as sugestões que os jogadores apresentem. A maturidade de um grupo é, talvez mais do que em qualquer jogo que eu conheça, vital para um bom andamento do jogo sem que ele se torne uma experiência traumática em si. Gatilhos naturais podem ser tocados durante uma narrativa, o que torna esse jogo desaconselhável para menores e pessoas muito sensíveis… pelo menos em sua forma básica.

ORDEM DO MÉDICO
Talvez por isso mesmo, o criador do jogo não só recomenda que haja diálogo constante, como também apresenta situações alternativas, onde o jogo se torna menos imersivo, mas não menos potente. Referências de obras como a Narrativa Bourne, onde há um agente amnésico do governo, são boas opções ao jogo. Para mim, o jogo serve maravilhosamente como um prelúdio fácil de se adaptar a praticamente qualquer RPG que exista e uma ferramenta incrível de se construir backgrounds e mesmo spin-offs de jogos existentes onde a perda de memória é um fator. Em Chamado de Cthulhu, por exemplo, um investigador que perdeu a memória e detém nela uma pista vital poderia ter essa memória reconstruída pelos próprios jogadores com assistência da droga… No saudoso Changeling: o Sonhar, ou no próximo Epifania: Deuses em Nós, o eu feérico ou divino de um personagem mortal poderia emergir justamente durante o clímax da sessão, quando os jogadores se dão as mãos e escolhem se lembrar, ao recitar o mantra do jogo: “Uma moeda pelos meus pensamentos”.

Por Rafael Ramos Blanco
Equipe REDE
RPG

NOTAS (de 1 a 6)
Layout/Arte:
6 (O jogo assume um formato baseado em fotos desfocadas e “amadoras”, muitas vezes incompletas ou em ângulos estranhos, em preto e branco, mostrando médicos e pacientes. Isso colabora bastante para o clima de claustrofobia e de “sala acolchoada” do jogo em si. Perfeito para a proposta.)
Texto: 6 (A maior parte do texto é escrita na forma de transcrições e relatórios, mas no fim há um glossário, anotações e dicas pessoais do criador do jogo e exemplos. Tudo o que se precisa para jogar.)
Conteúdo: 5 (Devido à ausência de um disclaimer para jogadores maduros e/ou um texto que faça menção direta às questões que eu mencionei acima, me parece que falta algo, mesmo considerando o cuidado que o autor teve em lidar com a questão posteriormente. Avisos no fim, entretanto, não têm o mesmo impacto, como um certo doutor apontou certa vez…)
NOTA FINAL: 6 (Facilmente um dos melhores jogos já criados.)

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