D&D 5ª Edição: Strongholds & Followers (resenha)

Ultimamente, os financiamentos coletivos têm ditado uma porção cada vez maior do mercado editorial de RPGs. No Brasil nem se fala, é muito raro ver uma editora lançar algum projeto sem antes testar sua aderência, amplitude e viabilidade num FC.

Lá fora ainda existem Editoras colossais, entre elas a Wizards of the Coast que, com a onipresente e ultrapopular Quinta Edição, quebra recorde após recorde no mercado de RPGs. Para se ter uma ideia, o ICV2 publicou em um de seus periódicos que um dono de uma grande e antiga hobbystore nos EUA alega vender a Quinta Edição pelo menos dez vezes mais que o seu segundo RPG mais vendido. Na mesma entrevista, o proprietário da loja reforça que o fenômeno da Quinta Edição de Dungeons and Dragons é algo sem precedentes em volume e procura, a loja nunca teve uma procura tão grande por RPGs.

Mas nem só de grandes editoras vive o mercado editorial dos EUA, pelo contrário, os FCs por lá atingem números astronômicos, alguns provavelmente devem somar todos os sistemas já financiados e em financiamento do Brasil. Um desses é Strongholds and Followers do YouTuber Matt Colville.

Strongholds and Followers foi financiado com U$ 2.121.465,00 – que convertem em R$8.161.488,00! Sim, um livro de RPG foi financiado com oito milhões de reais. Isso é cerca de oito vezes o valor que o maior financiamento coletivo que um RPG já teve (no caso está tendo) no Brasil. S&F sequer é um sistema novo (apesar de apresentar mecânicas novas e originais), é em tese um suplemento para a Quinta Edição, e é esse suplemento de recursos abastados que essa resenha disseca.

O Escopo

O objetivo desse livro é jogar campanhas que revolvam não apenas em enriquecer e ficar mais forte, mas também em ter um lar e seguidores. Esse tema é recorrentemente abordado em várias edições, aclamado por vários Mestres de Jogo, foi tema de cenários como Birthright, balizou box sets como o City System de Forgotten Realms e seu representante mais emblemático talvez seja o Castles de AD&D 2ª Edição. Essa demanda possui uma estranha contradição nela mesma, que o próprio Colville comenta em seus vídeos, e que bota esse estilo de jogo quase que “em xeque”: as pessoas esperam um maravilhoso sistema simulacionista onde planejar o posicionamento das torres, o ângulo dos telhados e o material da primeira camada das barreiras seja relevante num combate. A verdade: se você não jogar com uma planilha de Excel ou não for um Gauss pra parametrizar tudo de cabeça, isso tende a não prestar. Fica lento, chato e desinteressante no local mais importante do jogo, a mesa. Aliás, mesmo com o Excel ou um Mestre de Jogo superdotado fica lento, portanto, muitas vezes chato e, consequentemente, desinteressante.

Colville sabia disso e então criou um sistema mais simples. Ele não mirou um sistema superelaborado e cheio de tabelas. Se você busca isso num suplemento de fortalezas, talvez o da Segunda Edição lhe atraia mais. E a escolha de Colville foi perspicaz e consciente, jogos de narrativa emergente que dependem de tabelas e valores decorrentes de informações parametradas no sistema, e não na narrativa, tendem a se beneficiar mais de um sistema de construção simulacionista elaborado. Mas esse não é o caso da 5e. A 5e não é essencialmente um jogo feito pra narrativa emergente, muitos dos seus jogos são conduzidos por uma narrativa com diretrizes pré-estabelecidas e, nesse tipo de jogo, tanto faz ou tanto fez se o interior das paredes é de pedra maciça ou tem chapas de aço (a não ser que pra um efeito descritivo, mas não seria necessária uma tabela para isso).

O Impresso

A arte é de altíssima qualidade. Há nomes ali que as editoras de alto escalão poderiam pensar em escalar. A arte combina com o cenário de castelos e nobreza que o material desenvolve, a tipografia com bordas florais nos transporta para um manuscrito de algum conto medieval. O tom do papel é excelente, os elementos decorativos não cansam a vista e cada página é muito agradável ao olhar. As ilustrações arquitetônicas te fazem querer sentar e criar uma campanha com gestão de castelos de imediato. Uma ou outra ilustração fica aquém das demais, mas nada que tire o mérito.

Matt Colville é melhor YouTuber que escritor. Isso é bastante comum, muitas pessoas, mesmo que absolutamente geniais, não possuem a mesma desenvoltura quando colocam suas criações em prosa. Matt quis carimbar o livro com sua fala irreverente e distinta, mas o resultado não foi o dos melhores. A não ser que você seja um fã do Colville, mas essa não pareceu uma boa forma de deixar traços do autor no livro, ficou meio forçado o uso de elipses e “emojis” no texto. Ou talvez seja um desalinhamento de expectativas, mas de certa forma essas claques não casaram bem com o tom mais sóbrio do livro.

Fortalezas e Seguidores

O sistema de construção não é muito granular, mas Matt e os demais autores já sabem bem que a grande maioria das mesas não vai se desprender para jogar um mini game minucioso de construção no meio de uma campanha. O livro resume o trabalho em menos escolhas e coloca caminhos lineares de expansão e melhoria. São oferecidos alguns moldes básicos de fortalezas, o custo em tempo e dinheiro para construí-las e as responsabilidades que essas propriedades demandam.

Um traço peculiar, e de certa forma infortuno, é que algumas opções de expansões ou recursos das fortalezas estão espalhadas de forma meio ilógica. Não há uma sessão específica com os elementos possíveis claramente dispostos, subitamente num capítulo mais adiante você pode achar como fazer uma expansão de uma oficina de artesãos. Talvez o livro almejasse como “parametrizar” você mesmo suas expansões, ensinando a pescar e não dando o peixe, mas não é isso que acontece. O livro não capacita de forma objetiva o Mestre ou os jogadores a pensarem novas aquisições para suas fortalezas, pode ser que com a prática a tarefa fique mais fácil, mas aí seria mérito do treino e não do produto.

Esse deve ser o maior defeito do livro, alguns elementos estão absolutamente soltos, sem nenhuma forma do leitor saber que ele poderia estar ali. Todavia S&F consegue ser infinitamente mais organizado que seus “predecessores” da 2º Edição.

Muitas pessoas gostam de usar livros de RPG como enciclopédias, usando-os como parâmetros da “vida real” (por mais absurdo que isso pareça). Duvida? Então busque nos fóruns a quantidade de pessoas que ficou brava com um dos dragões de Daenerys morrendo com alguns arpões que não dão mais que 2d8 de dano… Enfim, muita gente curte folhear livros de RPG e buscam ali um certo conhecimento sobre temas que podem ou não ser fictícios. Incluindo estruturas e tipologias de fortalezas. Nesse sentido S&F não vai oferecer um banho de conhecimento sobre fortificações, o livro é prático e simples. Mira o jogo e a mesa. E na mesa, principalmente na Quinta Edição, dificilmente alguém vai parar para calcular como a geometria das muralhas pode ajudar na batalha contra o Lich que ataca o castelo montado num dragão, serão jogadas Iniciativas. O que o livro oferece resolve o que a grande maioria das mesas demanda.

A parte dedicada aos seguidores é longa e extensa, como deveria ser. Ela detalha os vários tipos de habitantes que um castelo pode atrair, desde os inúteis até os letais. Cada um possui arte própria de altíssimo nível e sugestões de como ele foi parar lá na fortaleza, possíveis ambições, enfim, o material é prático e bem exposto.

Essa sessão de Seguidores é incrível, com a ressalva da decisão de esconder aprimoramentos da fortaleza em cantos obscuros. Mas se apegar a isso seria meio leviano, as estatísticas dos PdMs são boas, suas intenções e ambições fazem sentido, as ilustrações inspiram, enfim, a falta de organização de alguns elementos não diminui o brilho desse capítulo.

Além das Fortalezas e Seguidores

O livro traz uma longa sessão com uma aventura para nortear o estilo de jogo que o material propõe. A aventura tem cerca de 40 páginas e mostra o cerco de uma fortaleza tomada por orcs que posteriormente servirá de base para os PJs. Lá haverá ganchos para interpretação, negociação, angariar seguidores e finalmente defender a fortaleza. É uma boa aventura, não é brilhante e nem um elemento vital do livro, mas cumpre bem o papel de introduzir a dinâmica de jogo proposta.

Seguido da aventura vem um monte de Apêndices com todo o tipo de coisa, incluindo um bestiário. O bestiário não pareceu uma boa ideia. O livro não é um cenário, é menos ainda um cenário de Matt Colville, mas ali há alguns monstros que não parecem acrescentar muito além do que o Monster Manual já lhe oferece. A arte é muito bonita e as estatísticas e mecânicas são interessantes, mas parece destoar do escopo do livro. É provável que o bestiário tenha emergido de uma meta extra no FC, pois ele é realmente descasado com o restante do texto. Talvez seria melhor tê-lo publicado em outro livreto…

Em seguida vem a melhor parte do livro. Parte essa que merecia uma sessão à parte, mas estranhamente não teve. “Warfare” trata dos elementos para uma guerra: combate em massa!

O sistema de combate em massa de Matt Colville é agnóstico. Sua única semelhança com a 5e é o uso de Vantagem e Desvantagem. Você pode usar em qualquer sistema, em qualquer Wargame. É uma abordagem bem gamista que não vai demandar de você uma equação diferencial para saber a velocidade que o aríete derruba um portão. É como um RTS, tipo Age of Empires, mas na forma de RPG de mesa. Não foca tanto na relação exército versus estrutura, mas sim exército versus exército, sendo a estrutura um bonificador para uma das partes.

Cada Unidade tem estatísticas diferentes, e suas nomenclaturas e características casam bem com a proposta de cada uma. Existe uma espécie de “Moral” também. Tudo cabe numa folha de papel e tem uma lógica bem estruturada. Ao que parece, o sistema foi testado e aprovado. Abordagens simulacionistas de combate em massa já saturaram e mostraram que não funcionam bem sem um computador para calcular todos os pormenores por trás. Matt fez um excelente trabalho aqui, o mini game é divertido e convidativo, além de caber muito bem em praticamente qualquer sistema que você use.

Veredito

S&F é um trabalho de altíssimo nível, e faz jus aos imensos recursos que lhe foram alocados. O livro é lindo e o sistema de combate de em massa é muito interessante. A aventura e o bestiário poderiam ter sido colocados em outro módulo, mas provavelmente fizeram parte do FC. Existem vacilos na estrutura e sequência dos elementos, mas isso não tira o brilho da publicação.

Na arte/layout, o livro tem um sucesso decisivo (6/6)! Desde a capa até a última página. As ilustrações inspiram, as páginas lhe transportam para um manuscrito de um conto de fadas de alta cavalaria e a tipografia é clara, com tabelas de extrema legibilidade. O livro já se vale por isso.

O texto é bom, mas o que o separa de tornar um texto impecável é a pessoalidade, o autor coloca sua fala de um jeito meio invasivo e destoante em alguns lugares. Além disso existe a desorganização de alguns elementos, algumas construções só podem ser achadas se você varrer o livro todo, e não numa seção específica e indexada. Bom (4/6).

O conteúdo também é bom. A parte de construção não oferece muito aos mais detalhistas e não revoluciona a vida dos mais práticos, mas é no mínimo inspiradora. A aventura, se fosse avaliada como a uma aventura por si só seria um produto regular, não traz nada de novo, tem uma boa estrutura e dispõe de vários elementos, mas não soma muito, restringe-se a cumprir seu papel de introduzir o modo de jogo do livro. O bestiário parece um pouco fora do lugar, poderia haver mais criaturas que fariam sentido em grandes batalhas e invasões, mas parecem criaturas místicas genéricas de um cenário fantasioso (as ilustrações são bem bonitas). A sessão de batalha em massa é o pilar e mais precioso recurso do livro. Bom (4/6).

Veredito Final: Ótimo (5/6). Strongholds and Followers é um retumbante sucesso desde seu início e fez jus a fé que lhe foi depositada. É um livro lindo e inspirador que lhe trará mecânicas, sugestões e ideias para campanhas que envolvam gestão de reinos e domínios.

Por Eduardo Vieira
Equipe REDE
RPG

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