Infinity RPG (resenha)

Infinity é um RPG de ficção científica em que facções humanas se enfrentam e lutam também contra alienígenas. O jogo tem uma história curiosa de troca de gêneros: era um RPG jogado entre amigos, que acabaram fundando a Corvus Belli, a empresa que lançou Infinity não como RPG, mas como um wargame que, nos seus mais de 10 anos, tem o que talvez sejam as mais belas e detalhadas miniaturas do segmento. Apenas em 2018, após uma bem-sucedida campanha no Kickstarter realizada pela Modiphius, ele foi finalmente lançado como RPG.

O universo de Infinity tem um importante diferencial em relação a seus competidores dentre os wargames: é um exemplo de Ficção Científica utópica. O conflito armado ainda existe, há mesmo uma guerra entre a humanidade (a Esfera Humana) e uma poderosa força alienígena (o Exército Combinado), e há um clima cyberpunk, porém sem o elemento político e social do gênero. Infinity, de fato, ocorre em uma era de abundância. Mesmo em partes da Esfera Humana controladas por facções como Yu Jing, a pobreza como conhecemos hoje é inexistente. É um universo de ficção científica na borda de um salto transhumano, mas ainda não chegaram exatamente a esse ponto (exceto, talvez, pelos Nomads).

Há muita riqueza no universo desse RPG. A Modiphius fez um excelente trabalho em trazer à vida o que se vislumbrava, sem grandes detalhes, no wargame. O livro básico tem mais de 500 páginas, que destacam como o cenário foi criado, nos 175 anos de história que nos separam. Da queda das superpotências atuais e o caos que se seguiu, à formação dos hiperpowers como PanOceania, em reação ao avanço da China (que se torna Yu Jing) e de Haqqislam, após o novo Islã tomar posse de mais um planeta habitável, em uma corrida pela posse de estrelas e seus recursos singulares, que molda o conflito entre as forças da Esfera Humana. Em quase 2 séculos de história, vemos o surgimento de Aleph, uma inteligência artificial que se estabelece como aliada da humanidade e grande responsável pela comunicação entre e intra os sistemas estelares da Esfera Humana e participante de quase tudo na vida cotidiana dos membros da Esfera Humana (exceto pelos Nomads).

O jogo permite uma enorme gama de diferentes tipos de campanha graças a sua variedade de facções e mundos, além dos componentes sociais e históricos do cenário, um sistema simples e flexível e uma criação de personagem com grande número de opções.

Sistema

O jogo utiliza o 2D20 da Modiphius, com alterações pontuais para o cenário, e é bastante simples no papel. As rolagens têm uma dificuldade atribuída pelo mestre de 0-5, que indica o número de sucessos necessários para realizar uma ação. O jogador rola 2D20 e cada resultado abaixo da soma do Atributo + Nível da Perícia (Skill Expertise) conta como um sucesso, caso a Perícia tenha um Foco (Focus) se o valor do dado for abaixo do Foco, conta como dois sucessos.

Como dito acima, o RPG foi baseado em um wargame de mesmo nome. Mecanicamente, o grande diferencial desse wargame é um sistema chamado ARO (Automatic Reaction Order), em que miniaturas do adversário podem reagir, fora de seu turno, se miniaturas do oponente realizarem ações dentro do campo de visão delas, tornando o jogo bastante dinâmico.

Para simular esse sistema no RPG, o jogo utiliza uma mecânica de Heat e Momentum.

Os jogadores ganham Momentum quando conseguem sucessos extras nas rolagens de dados e reservam esses pontos para o futuro, podendo ser trocados por sucessos, por aumento na dificuldade de ações de NPCs, etc. Heat é similar em provocar uma ação mais dinâmica, também funciona como pontos, mas é geralmente produzido pelos jogadores e controlado pelo Mestre. Os jogadores podem gerar Heat quando querem ter os efeitos e Momentum, mas não tem pontos suficientes. Além disso, Heat pode surgir de locais ou NPCs. O Mestre utiliza Heat para aumentar dificuldades, criar complicações e trazer até reforços de NPCs para uma situação e combate.

Personagens

O RPG sugere que os jogadores sejam agentes da O-12, uma espécie de ONU, que tem poder real e presente na vida de quase toda a Esfera Humana, graças ao seu trabalho em conjunto com Aleph. Em paralelo, eles são também agentes de uma das facções, sindicato criminoso ou megacorporação, em qualquer profissão e atividade que quiserem.

A liberdade do jogo parece ser limitada às vezes pelas facções, mas, não apenas há muita diferença entre elas, como cada uma permite um grande número de escolhas, tornando o que inicialmente parece limitar o escopo do cenário, em expansões de suas possibilidades.

Além de escolher entre um humano, um corpo sintético ou um híbrido entre humano e antipode (dog warrior ou wulver), o jogador tem de escolher uma facção, que pode ser um sindicato do crime ou hypcorp, que tem suas próprias culturas, mas o que proverá identidades mais única e próprias de Infinity são suas várias nações ou hyperpowers.

PanOceania, por exemplo, é a facção com maior familiaridade com tecnologia, com cidadãos mais ricos e que usufruem de grande liberdade, suas vidas são auxiliadas por Aleph, e há um senso de orgulho cívico na evolução da ciência e sociedade.

Já o Haqqislam, encouraja leadade a uma de suas várias casas comerciais, fidelidade ao Islã, perseverança na ciência como filosofia espiritual e objetivo real, além de óbvia resiliência, graças a seu mundo natal, um gigantesco deserto em processo de terraformação – o mesmo mundo que lhes dá sua grande vantagem tecnológica: Silk, substância capaz e reescrever o DNA humano e garantir a imortalidade.

Personagens de Ariadna são radicalmente diferentes, não apenas por terem filosofias e orgulhosos nacionais obsoletos, mas pelo mundo natal, em que o convívio com os Antipodes marca uma vida em alerta e constante estado de guerra, tornando o cidadão típico de Ariadna muitas vezes mais bruto que os outros habitantes da Esfera Humana. Isso graças a essa vida de fronteira, em que vivem entre um mundo civilizado e uma área nativa a ser explorada e domada, mantendo uma guerra permanente com uma população nativa (várias tribos guerreiras e Antipodes), e sobrevivendo a despeito da falta de infraestrutura e recursos (Teseum, substância fundamental para a tecnologia em Infinity, é encontrada em abudância em Dawn).

Ainda outra faceta é dada pelos Nômades, habitantes de três enormes naves, vivem sob organizações políticas absolutamente distintas do resto da Esfera Humana, desde uma micronação anárquica (Bakunin) onde tudo é permitido, um paraíso fiscal espacial com alguns dos melhores hackers de toda a Esfera Humana (Tugunska) e o maior grupo de trabalhadores capacitados a trabalhar no vácuo espacial – seja a mineração de recursos, construção de habitats ou força paramilitar (Corregidor).

Yu Jing, autoproclamado estado comunista, mas que não passa de uma ditadura, dá espaço para se criar personagens (e tramas) que envolvam um estado distópico, com tecnologia equivalente a PanOceania, sua grande rival.

Aleph é uma Inteligência Artificial, mas também uma facção, e mesmo que Aleph e O-12 sejam muito próximas, a IA tem enorme autonomia e controle direto sobre vastos recursos, a ponto de manter sua própria força paramilitar, conduzir pesquisas por si mesmo e até realizar operações clandestinas dentro e fora da Esfera Humana, abrindo também o leque de possibilidades na criação de personagens para seres sintéticos de vários tipos.

A criação de personagens segue um sistema que chama de Lifepath, no qual os jogadores rolam dados e verificam em tabelas o que correu com eles em vários pontos da sua vida até o momento em que começa a campanha. O sistema é suficientemente equilibrado, mas é também opcional e flexível: jogadores e Mestre podem decidir de antemão se algo vai ser aleatório ou escolhido pelos jogadores, gastando pontos de criação de personagem, que podem ser usados para fazer escolhas ou rerolagens.

Mestre

O jogo assusta, com seu livro básico de 500 páginas, mas ele é bem organizado. Uma das coisas mais positivas para quem for mestrar é que o sistema de criação de personagens tem suporte de um app, o que facilita a vida de Mestres e jogadores imensamente! Especialmente no que se refere aos talentos e skills numerosos e que demandam algum pré-requisito. Graças ao app é possível fazer escolhas mais rápidas sem precisar de constantes consultas ao livro.

O livro e suplementos têm sido lançados em PDF na Drivethrough RPG, o que garante rápido acesso ao Mestre de Jogo interessado, atualizações gratuitas e facilidade no transporte.

Conclusão

É notável o esforço da Modiphius na produção desse RPG em conjunto com a Corvus Belli. Para os fãs do wargame, se tornou a principal fonte de referências do cenário, e para os que não o conheciam, uma grata surpresa. De fato, o RPG se sustenta bem por si só, sequer forçando um uso das miniaturas, sendo um produto totalmente independente.

Como RPG de Ficção Científica, é difícil imaginar um tipo de campanha que não possa ser realizada no cenário. Os variados graus de tecnologia das diversas facções humanas, assim como o contato com alienígenas hostis e aliados, e vasto universo e a ser explorado, dá um enorme leque de possibilidades narrativas. Cyberpunk, Distópico, Utópico, Solarpunk, Ficção Militar, Space Opera, enfim, uma grande variedade de gêneros de FC, além das possibilidades temáticas, como imortalidade, inteligência artificial, sociedade transhumana ou pós-humana, etc.

A única critica que reservo ao RPG de Infinity é ao seu sistema que parece dar um tom de antagonismo entre jogadores e Mestres, podendo retirar o aspecto de narração colaborativa que é tão cara ao RPG. Mas admito que é um problema que não é necessariamente enfatizado no texto do livro, sendo apenas um problema que tem se tornado corriqueiro em RPGs que sofrem com um hibridismo de mecânicas advindas de outros gêneros de jogos em que o antagonismo é mais natural. Mas, exceto por esse ponto, é um RPG sólido, em termos de sistema, cenário e suplementos – já existem livros publicados cobrindo cada uma das principais facções.

Por Haroudo Xavier

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