Pathfinder 2e: Escravidão no Pathfinder RPG

"Iron Ring Slaves", arte de Jason Engle

A escravidão é um elemento que nem sempre aparece de forma direta em cenários de fantasia medieval. Subentendida em ambientações nas quais uma das grandes marcas é o domínio do forte sobre o fraco, essa prática dificilmente é bem desenvolvida. Detalhamentos sobre o sistema escravista e a postura dos personagens sobre a escravidão, por exemplo, passam despercebido. Uma das poucas exceções é o grandioso mundo de Golarion, cenário oficial de Pathfinder. Por mais que a questão escravista não seja central neste universo de campanha, a atenção a este aspecto existe. Desde a vil organização Technic League, adepta da escravidão, até as nações escravistas do Mar Interior, com destaque para Cheliax, não há dúvidas de que essa é uma característica que tem sido bem explorada em Pathfinder.

Para ampliar as possibilidades de Mestres e jogadores interessados em enriquecer suas campanhas com mais detalhes sobre a escravidão em Pathfinder e em cenários de fantasia medieval, esta matéria discute e assinala sugestões neste sentido. Cabe o cuidado de observar, porém, que este artigo não compactua com qualquer forma de escravidão ou privação de liberdades individuais, de modo que o seu conteúdo tem por objetivo unicamente discutir como a escravidão pode ser inserida em jogos de fantasia medieval.

Diferentes Formas de Escravidão

Quando se pensa em escravidão, não é difícil imaginar uma pessoa que, privada da sua liberdade, se vê obrigada a servir a outro indivíduo. A verdade, no entanto, é que tal prática assumiu diferentes formas ao longo do tempo e do espaço. Essa é uma informação importante para qualquer Mestre disposto a trabalhar com o tema da escravidão em suas campanhas. De qual escravidão estamos falando?

Uma forma usada e abusada em diferentes mídias, inclusive relacionadas à fantasia medieval, é a dos gladiadores. Pessoas escravizadas inseridas em arenas com o intuito de lutarem entre si e garantirem a diversão dos espectadores. A principal referência, obviamente, é o Império Romano e o seu grandioso Coliseu. Em um sistema como Pathfinder, são inúmeras as possibilidades de explorar esse tipo de escravidão, que vão desde uma cidade-estado que tem a arena de gladiadores como a sua mais importante fonte de divertimento à uma religião tirânica que estimula esse tipo de espetáculo para disseminar os seus dogmas. Escravos combatentes, que servem ao entretenimento alheio e que podem, inclusive, alcançar uma posição de destaque entre o público se tiverem sucesso em batalhas que a todo tempo ameaçam suas vidas.

A escravização de mulheres como concubinas em haréns foi praticada por diferentes culturas ao longo da História. E, da mesma forma, é um elemento que pode ser inserido na ambientação de algum cenário específico, sobretudo em sociedades patriarcais e despóticas. Diferentes ganchos de aventuras podem ser considerados, como o resgate de alguma donzela abruptamente levada como escrava. A desigualdade entre os gêneros é um ponto a ser considerado e ressaltado neste caso.

O uso de escravizados como força de trabalho, porém, certamente foi a forma mais recorrente de escravidão. Considerados meras propriedades e coisificados, estes sujeitos deviam obediência aos seus senhores, sendo obrigados a desempenhar todo tipo de trabalho. Um sistema que, apesar de ter variado bastante no tempo e no espaço, tem a opressão como a sua principal característica.

A escravização para fins de sacrifício também existiu. O sacrifício de pessoas capturadas, em geral, visava atender a pressupostos religiosos. Em um cenário de fantasia, esse tipo de escravidão poderia caracterizar um povoado perturbado por um dragão que exige semelhantes sacrifícios como tributo, por exemplo. Mais do que uma prática sádica, este tipo de escravidão está associada a algum tipo de crença ou dominação.

Mas, como estamos falando de Pathfinder, o fantástico também pode condicionar a escravidão. Uma organização de necromancia dedicada à criação de mortos-vivos poderia ser motivo suficiente para estimular a prática da escravidão. Um arquimago maligno que usa humanoides como componentes materiais de suas magias poderia alimentar o tráfico de escravos em dada localidade. As opções são inúmeras e cabe ao Mestre ter o cuidado de inserir esta prática e associá-la a um elemento convincente, de modo a tornar a escravidão um tema que dinamize a sua campanha.

Preço dos Escravos

Qual é o preço de um escravo em Pathfinder? A resposta, como veremos, não é tão simples e depende de alguns fatores. Obviamente, o preço pode variar de acordo com o cenário de campanha ou as circunstâncias do jogo elaborado pelo Mestre. Por isso, vamos levar em conta aqui informações que constam em livros oficiais de Pathfinder, independente da edição, sobre a ambientação de Golarion. E o material oficial da Paizo é bem específico: de acordo com o Pathfinder Companion: Adventurer’s Armory, o preço de um escravo comum é de 75 peças de ouro. Esse será o nosso valor de referência. Como foi dito, vários fatores podem alterar o preço de um escravo. De acordo com o mesmo livro:

***Escravo para trabalhos pesados: 100 PO (33% a mais do que o valor base)
***Escravo doméstico: 50 PO (33% a menos do que o valor base)
***Escravo especializado: 500 PO (570% a mais do que o valor base)

É possível perceber que o livro apresenta características significativas que alteram o valor do escravo de acordo com a natureza do trabalho desempenhado. São pontos básicos, mas que são referências importantes para desenvolvermos mais essa questão. E, neste caso, o grande diferencial é o exercício de um trabalho especializado.

Que tipo de trabalho especializado estamos falando? Do desempenho de um ofício específico, como ferreiro ou artesão. Embora o livro não especifique, é possível que o talento do escravo neste ofício o torne mais ou menos caro. Abaixo, apresentamos uma variação de preços de acordo com o talento do escravo, ainda que não conste em livros oficiais. Ao mesmo tempo em que o trabalho especializado oferece maiores possibilidades econômicas aos senhores desses escravos, o ofício garante uma condição de vida mais favorável quando comparada a outros escravos.

Em algumas sociedades, por exemplo, existia a figura do “escravo de ganho”, aquele que desempenhava um ofício longe de seu senhor, mas comprometendo-se a entregar a quantia recebida por seu trabalho ao final da semana. Esse tipo de relação pode ser muito bem desenvolvida em um jogo e até servir de gancho para PdMs ou para alguma cena específica durante o jogo.

Modificador de Perícia ou Habilidade Pertinente (Acréscimo ao Preço Base)
+1 (+25 PO)
+2 (+125 PO)
+3 (+225 PO)
+4 (+325 PO)
+5 (+425 PO)
+6 (+525 PO)

Mas não podemos esquecer que Pathfinder é um jogo de fantasia acima de tudo. E quanto a isso, alguns elementos podem ser levados em conta para determinar o preço dos escravos. E se ele for um usuário de magia? E se ele tiver sido um aventureiro? Possuir níveis de alguma classe? Estas são possibilidades importantes, principalmente se estamos falando de um cenário no qual os escravos são utilizados em arenas e lutas, bem ao estilo gladiador. Talvez, até mesmo o personagem de algum jogador seja capturado como escravo e vendido. Como fazer este cálculo? A seguir, veremos uma proposta para estes valores. Vale observar, porém, que usuários de magia possuem um preço mais alto, o que é coerente com um cenário de fantasia. Classes com habilidades notáveis e incomuns também se destacam quanto ao preço.

Classe (modificador em relação ao valor base)
Mago (800 PO a mais + 100 PO por nível)
Feiticeiro (800 PO + 100 PO por nível)
Clérigo (800 PO + 100 PO por nível)
Druida (800 PO a mais + 100 PO por nível)
Bardo (800 PO a mais + 100 PO por nível)
Campeão (800 PO a mais + 100 PO por nível)
Patrulheiro (700 PO a mais + 100 PO por nível)
Monge (700 PO a mais + 80 PO por nível)
Alquimista (700 PO a mais + 80 PO por nível)
Guerreiro (600 PO a mais + 60 PO por nível)
Ladino (600 PO a mais + 60 PO por nível)
Bárbaro (400 PO a mais + 50 PO por nível)

Não é uma surpresa que o bárbaro conste com o menor valor dentre as classes. Em diferentes culturas ao longo do tempo, o menosprezo por aqueles que eram considerados não-civilizados, incultos, foi recorrente. O próprio termo “bárbaro” tem a sua origem no grego, sendo uma palavra usada para se referir a povos não-gregos tidos como incivilizados. Parâmetro semelhante, aliás, pode ser utilizado como modificador no preço de um escravo. Em diferentes sociedades escravistas, a adaptabilidade de um escravo ao novo ambiente era valorizada. Se ele sabia o novo idioma, entendia as normas sociais e mostrava-se menos arredio, o seu preço era maior. Aqueles que tinham maior dificuldade de se adaptar, sendo um potencial rebelde, possuíam um preço menor. Em termos numéricos, o seguinte critério pode ser adotado:

Adaptação
– Plenamente adaptado (+20% ao valor final)
– Sabe referências sobre a cultura dominante (valor base)
– Não-adaptado (-20% ao valor final)
– Histórico rebelde (-40% ao valor final)

A idade também sempre foi um parâmetro para o cálculo do preço de um escravo. Adultos tendem a ser mais caros, enquanto os mais velhos, menos robustos e já na fase final da vida, tem valores menores. Crianças, por sua vez, também costumam ter valores menores em sociedades escravistas. Os modificadores de idade seriam:

Faixa Etária
Criança (-10% ao valor final)
Adulto (valor base)
Idoso (-20% ao valor final)

Por fim, mas não menos importante, vale a pena dizer que a ancestralidade do escravo incide diretamente sobre o preço de um escravo. O próprio suplemento Pathfinder Companion: Adventurer’s Armory confirma esta variação. De acordo com o livro, os escravos halflings, comuns na região de Cheliax, tem o preço de 100 PO, o que corresponde a cerca de 33% a mais em relação ao valor base. Embora o livro não especifique, subentende-se que quanto mais exótica e prodigiosa mais caro será o escravo. Para as ancestralidades descritas no Livro Básico, com exceção do Humano, o preço base mais coerente seria 100 PO. Para ancestralidades diferenciadas, o justo é considerar a Classe de Dificuldade da criatura: 50 PO para cada Classe de dificuldade acima de 1.

Calculando o Valor de um Escravo

Partindo das referências apresentadas nos livros oficiais de Pathfinder, é possível expandir os horizontes de campanhas ambientadas em cenários nos quais a escravidão é recorrendo. Basta considerar as características e calcular. Exemplos:

Por um Halfling Ladino de 3º nível, Destreza 18, Adulto e Plenamente Adaptado: 1446 PO (100 PO + 780 PO + 325 PO x 1,2)

Por um Humano, ferreiro com modificador de perícia +6, Adulto e Sabe referências básicas sobre a cultura dominante: 600 PO (75 PO + 525 PO x 1,0)

Por um Anão Bárbaro de 8º nível, Força 16, Idoso e com Histórico Rebelde: 450 PO (100 PO + 800 PO + 225 PO x 0,4)

Por um Humano Feiticeiro de 1º nível, Carisma 14, Adulto e Não-Adaptado: 880 PO (75 PO + 900 PO + 125 PO x 0,8)

A Escravidão e o Alinhamento Moral

A tendência, entendida como o guia moral e ético de um dado personagem, é um ponto importante que deve ser considerado em relação à escravidão. Como um jogador deve interpretar um personagem em um cenário no qual a escravidão está presente? Antes de tudo, vale a pena identificar se a escravidão existe legalmente, sendo prevista por uma legislação e determinações específicas, ou se é algo praticado de forma clandestina. O reconhecimento social da escravidão é essencial para determinar o posicionamento do personagem: sendo algo à margem das leis, não é difícil concluir que um requisito básico é o alinhamento com o caos. Personagens ordeiros jamais compactuariam com uma prática contrária a direitos ou normas estabelecidas. Para um personagem neutro, por outro lado, falta a convicção necessária para transgredir o que é tido como legal. Apenas aqueles que possuem uma postura mais flexível ou contestadora diante de um sistema social, os inclinados ao caos, seriam adeptos da escravidão em uma realidade na qual ela é clandestina.

Considerações semelhantes podem ser feitas ao bem e ao mal. Personagens bons, preocupados com o bem comum, rejeitariam enfaticamente a escravidão. Já para personagens inclinados ao mal, a preocupação com o seu próprio bem estar seria justificativa suficiente para escravizar alguém contra a lei, enquanto um personagem neutro, independente de sua opinião sobre os escravizados, não encontraria motivação para um posicionamento tão incisivo. Marginal e ilegal, a escravidão nesse tipo de cenário seria adequada apenas para personagens de tendência caótico e/ou mal.

Até aqui, nenhuma surpresa. A situação muda de figura quando estamos falando de uma sociedade que reconhece a escravidão como uma prática legal, prevista em leis. Neste caso, a escravidão é legitimada socialmente, o que é fundamental para o posicionamento de personagens ordeiros. As justificativas morais e a legislação que amparam a escravidão bastam para que um sujeito com alinhamento ordeiro a aceite enquanto uma prática válida. Mesmo quando combinada com uma tendência voltada para o bem, a escravidão não seria reprovada por um personagem Justo. Levando em conta que o bem em Pathfinder é entendido como a preocupação genuína de um dado personagem com os outros, com o bem comum, a escravidão poderia ser encarada como um mal necessário para o funcionamento da sociedade. Ou mesmo basear-se na crença de que a escravidão poderia ser algo benéfico para o escravizado, tal qual em sistemas escravistas que viam nesta prática um meio para civilizar os cativos. As possibilidades são variadas, mas fato é que esta tendência não é incompatível com a escravidão. Já um personagem ordeiro e mal, preocupado acima de tudo com seu bem estar e que se vale das leis como uma forma de atender aos seus próprios interesses, seria o grande defensor da escravidão. De maneira quase cínica, esse tipo de personagem seria capaz de defender a importância social da escravidão apenas para não ver sua propriedade ameaçada.

Outros alinhamentos voltados para o mal, porém, estariam mais próximos de sujeitos capazes de cometer excessos em uma prática que, por essência, já é abusiva. Um personagem neutro e mal adotaria práticas convenientes para defender os seus interesses, até mesmo agindo à margem da lei se preciso. Castigar um escravo para além do recomendado para impedir que ele voltasse a fugir seria um exemplo desta conduta. Vale lembrar que em sociedades nas quais a escravidão é reconhecida socialmente, podem haver regras e normas em relação à escravidão. Para este tipo de personagem, essas diretrizes são válidas apenas quando atender às suas necessidades. Um personagem caótico e mal, por sua vez, não conhece o significado da palavra limite. O seu comportamento se dá unicamente a partir do que considera satisfatório a si, aos seus desejos, aos seus anseios. Um senhor de escravos cruel, que satisfaz impulsos sádicos a partir de castigos físicos aos seus escravos, se enquadra bem nesta tendência. Por mais que a escravidão seja uma prática reconhecida socialmente em dado cenário, comportamentos abusivos como esses não são bem vistos e podem gerar mal estar. Ainda assim, em sociedades nas quais a escravidão é um dos pilares de sustentação da economia, as regras e leis são sempre favoráveis aos senhores, impedindo punições realmente significativas a donos de escravos abusivos.

Contudo, mesmo em sociedades assim, é possível identificar posturas críticas em relação à escravidão. Um personagem neutro e bom, preocupado acima de tudo com o bem estar alheio, o que incluiria os escravos, poderia rejeitar a escravidão, se negando a ter cativos ou lutando para que as leis fossem alteradas para abolir a existência de escravos. No entanto, a sua linha de atuação não iria contra as normas sociais vigentes, preocupando-se mais com um processo de reformas que conduziria ao fim da escravidão. Comportamento mais incisivo teria um sujeito de alinhamento caótico e bom. Este personagem, guiado por sua própria bússola moral, é o típico revolucionário. Contrário aos padrões escravistas existentes na sociedade em que vive, ele poderia atuar como um abolicionista radical, defendendo a ação como forma de mudar essa realidade, mesmo que isso significasse passar por cima da lei. Obviamente, as motivações e as possibilidades de interpretação são múltiplas, mas estas duas tendências são as que mais se encaixam com personagens contrários à escravidão.

Para parcela significativa das pessoas, que comporiam a tradicional zona cinzenta da convivência com o que se vive, esquivando-se de tomar partido e guiando-se pelo que se encontra consolidado, a escravidão seria encarada como uma realidade dada, sem maiores questionamentos. Esses indivíduos, de natureza neutra, constituem, pela omissão e cumplicidade indireta, um dos sustentáculos da escravidão nessas sociedades.

Revolta e Resistência

É importante destacar que a escravidão sempre foi acompanhada da resistência. Sendo em essência uma prática opressora, ela estimulou a revolta e a insubmissão. Levantes de escravos, insatisfeitos com a sua condição, ocorreram em diferentes organizações escravistas. Mas não apenas a violência direta pode ser caracterizada como resistência. Fugas, recusa de desempenhar funções, manutenção de religiões originárias ou sabotagens, também podem ser incluídas aqui. Comunidades de escravos fugitivos, inclusive, agitaram diferentes sociedades na História e poderia cair muito bem em uma ambientação de fantasia medieval, com as devidas adaptações. A resistência à escravidão, inclusive, pode ser a motivação principal de toda uma campanha: a luta de uma ancestralidade específica que tenta se libertar do jugo de outra nação. Em Pathfinder, renderia uma empolgante aventura de halflings contra a dominação escravista no Mar Interior.

Para Mestres e jogadores, enfim, a escravidão é um elemento que pode complexificar e motivar qualquer mesa de Pathfinder. Desde o background de um personagem até o gancho para uma nova história criada pelo Mestre, pode valer a pena detalhar esta temática. E, por conta da imersão que o RPG proporciona, estimular importantes reflexões sobre o assunto.

Por Luís Rafael
Equipe REDE
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“Iron Ring Slaves”, arte de Jason Engle

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