Death in Space RPG (resenha)

“Everything in space will kill you”

– autor desconhecido.

O mundo está diante de uma calamidade sem precedentes, e sua própria existência — e a existência de tudo aquilo que vive e sobrevive em sua superfície — está ameaçada.

Porém, qual a importância de um mísero planeta diante da vastidão sem fim do universo?

A importância é gigantesca para quem observará o completo colapso de seu planeta natal da janela do quarto. Em contrapartida, um mundo nunca fez muita diferença para aqueles que são capazes de singrar pelo mar de estrelas em busca de aventuras e novas oportunidades comerciais.

O problema somente é generalizado quando a estrutura primordial do próprio universo mostra sinais de que o apocalipse está mais próximo do que muitos imaginam.

Isso sim é um problema. Um problemão, na verdade.

O universo de Death in Space, o novo RPG sueco da cena independente mundial — criado por Christian Plogfors e Carl Niblaeus, e prometido para janeiro de 2022 após campanha de sucesso no Kickstarter —, desliza ao eterno vazio no lento e agonizante processo em que todas as galáxias ficarão tão distantes que a luz das estrelas não as alcançará mais.

Os cientistas mais céticos discordam, e refutam tanto do derradeiro destino quanto dos relatos sobre criaturas ciclópicas vagando nos limites do espaço conhecido. Outros, maravilhados diante dos fenômenos que assombram estes tempos estranhos — como a irritante estática que infesta todos os canais de comunicação e aparelhos eletrônicos —, aguardam o momento em que a matéria será esmagada em um único ponto do universo.

Enquanto uns lutam para sobreviver com os restos de uma tecnologia há muito estagnada, e estão acostumados a reaproveitar, soldar, adaptar e ressignificar os componentes para fazer com que o sistema de navegação funcione de modo correto, o reator não mande tudo pelos ares ao sofrer nova pane elétrica e impedir que o sistema de suporte de vida não transforme a atmosfera do refeitório em algo tóxico pela segunda vez, os adeptos de religiões apocalípticas aceitam o fim dos tempos com júbilo.

O fim está próximo, porém, o grupo de participantes decidirá como seu personagem viverá seus últimos dias no Sistema Tenebris.

Não há nada de novo por aqui

Você já assistiu Mad Max? Não? Então, me faça um favor e assista ao filme que consagrou a carreira de Mel Gibson (Mad Max – 1979), colocou Tina Turner diante da Cúpula do Trovão (Mad Max Beyond Thunderdome – 1985), e encontrou sua redenção nas graças de Charlize Theron (Mad Max: Fury Road – 2015).

O tema de Death in Space é semelhante ao apresentado pelos filmes de George Miller, e carrega a mesma decadência e sofrimento de um lugar morto, melancólico, miserável e esquecido pelos deuses.

Este é um cenário pós-apocalíptico de sucata, bugigangas e sujeira… porém, ao invés das areias de uma continente desertificado pelo consumo desenfreado dos recursos naturais, estamos diante de um colapso estrutural do universo.

Para piorar, algo espreita além das fronteiras do espaço conhecido, algo maléfico, ansioso em espalhar sua influência de infortúnios através deste plano de existência. Sua presença é cada vez mais evidente — não, não estou falando de Shadow of Demon Lord — e interfere, inclusive, nas ações cotidianas daqueles que ganham a vida no sistema Tenebris.

Um equívoco no momento de inserir as coordenadas para que a espaçonave evite o campo de asteroides, um rebite danificado na intersecção dos módulos — negligenciado pelo inspetor e sua trupe de incapazes —, ou o simples ato de errar o disparo que salvaria seu companheiro daquela abominação mutante é um convite à corrupção do vazio. Cada falha, cada tentativa malsucedida, abre a porta para este terror impronunciável.

Nomear este miasma de desastres como um terror impronunciável é um equívoco, uma vez que nem mesmo os lunáticos mais religiosos — do tipo que corre nu pelos corredores dizendo que carrega o verdadeiro Deus em seu ventre entrecortado por cicatrizes —, saberia como intitular esta força, entidade ou divindade extraplanar alienígena.

Em termos de jogo, cada falha presenteia o personagem com um Void Point (ou Ponto do Vazio, em tradução livre), que oferece vantagem nos próximos testes e permite a ativação de uma Mutação Cósmica.

Não torça o nariz ao ouvir o termo Mutação Cósmica, pois estas transformações são essenciais à sobrevivência por conceder uma série de superpoderes capazes de causar inveja nos adolescentes da Escola de Educação Infantil e Primeiro Grau para Jovens Superdotados do Professor X.

As mudanças são ferramentas poderosas, idealizadas para o grupo superar os piores desafios. Além das aptidões convencionais, como telecinesia e telepatia, há também a chance de crescer um segundo coração para aprimorar o condicionamento físico do cosmonauta, desenvolver a habilidade de abrir portais dimensionais, invocar criaturas, conversar com componentes eletrônicos.

Mutações aparecem durante a criação de personagens, ao progredir no estágio final de uma aventura ou em casos raros quando a energia cósmica foge ao controle. Contudo, é importante lembrar que a mão que acaricia é a mesma que pune. Neste caso, a mão pode ser substituta por tentáculos viscosos, apêndices contorcidos ou por quaisquer outros exemplos de causar arrepios, limitando-se apenas a imaginação sombria do leitor.

O aventureiro pode — e deve — tirar vantagem desta energia agourenta ao deixá-la fluir como se o corpo fosse um mero condutor, todavia, se o fluxo sombrio estagnar em suas entranhas, então, coisas muito ruins acontecerão. Falhar em um teste após gastar um Void Point gera um dos efeitos da Corrupção do Vazio, uma condição idealizada para assombrar o seu personagem.

A lista é grande, desde ser infectado por um programa anárquico, ganhar uma nova fileira de dentes, até testemunhar o nascimento de um outro você dentro de você mesmo em 1d20 dias. Um gêmeo idêntico, com personalidade e propósitos reclusos (assista a cena “Bad Ash and Good Ash” do filme Army of Darkness (1993) para entender do que estou falando).

A matemática das coisas

Quatro atributos representam as capacidades físicas e intelectuais dos personagens dentro do jogo. Body (BDY) é empregado para resistir às condições adversas do espaço, doenças e infecções, e também determina os pontos de vida e a capacidade de combate corpo a corpo do seu desbravador do abismo. Dexterity (DEX) é o atributo responsável por mensurar a velocidade e o reflexo, a esquiva, a classificação de defesa e coordenação motora.

Savvy (SVY) mede a percepção, intuição, a resistência psicológica, o conhecimento, a inteligência e a capacidade do indivíduo em pilotar veículos.

Por último, mas não menos importante — principalmente em um cenário em que tudo está caindo aos pedaços —, nós temos o atributo Tech (TEC). Tech é a pedida ideal para entender e operar aparelhos eletrônicos, consertar coisas, fixar coisas, construir coisas e ressignificar coisas a ponto de ninguém reconhecer a coisa original. Também é o valor usado nos ataques à distância.

O sistema de Death in Space RPG utiliza o d20 (mais atributo base) para resolver situações em que as chances de sucesso não são claras. A ação é considerada um sucesso quando a soma for igual ou superior a 12.

É um sistema simples, rápido e prático, que favorece a fluidez da narrativa e incentiva a criatividade do grupo no momento de superar os obstáculos da história. Às vezes, uma abordagem diferente para solucionar aquele velho problema garantirá um sucesso automático ou Vantagem em sua futura jogada de dados.

Afinal, é preciso de muita astúcia para superar as equipes concorrentes em busca de contratos de prospecção mais vantajosos e rentáveis. O universo está no fim, mas isso não significa que os participantes são selvagens inconsequentes. A reputação ainda é a chave para conquistar benefícios e aqueles Holos adicionais — a moeda de ouro de Death in Space — para adquirir novos equipamentos e peças sobressalentes no final da partida.

Testes contestados usam o mesmo princípio, porém, o maior resultado determinará o vencedor. O combate, por sua vez, é visceral. É preciso pensar de modo estratégico, usar coberturas e o terreno para ganhar vantagem sobre os adversários.

Em poucos turnos, o silêncio e o cheiro acre de morte.

Quem age primeiro é aquele que atira primeiro — Han shot first —, e quem age na sequência é o personagem escolhido pelo jogador anterior. A justificativa para solucionar o impasse da iniciativa é que o grupo está devidamente entrosado e age em conjunto. O turno de combate termina somente quando todos os participantes do conflito realizam uma ação ou percorrem até 15 metros.

Personagens e o HUB de partida

Há monstros e armadilhas, e assaltantes e membros de cultos assustadores espalhados pelo sistema Tenebris. A probabilidade de virar um cadáver desfigurado, vagando para todo o sempre pelo espaço infinito após procurar por peças sobressalentes ou artefatos alienígenas, é grande. Entretanto, o processo de criação de personagens facilita a inserção de novos protagonistas. São seis Origens distintas, similares às Classes tradicionais do RPG mais famoso do mundo.

Cada opção apresenta características, peculiaridades e benefícios ao aventureiro. O PUNK, por exemplo, é um rebelde sem causa com uma longa história de conflitos e desavenças que pode, uma vez por sessão, mudar o resultado de uma jogada desfavorável. Ele também carrega o conhecimento ilícito sobre plantas, semente e suas aplicações práticas e recreativas. Ou seja, aquele amigo alternativo que sempre é a sensação das festas universitárias.

Outro exemplo interessante é o VELOCITY CURSED, um indivíduo amaldiçoado que perde a conexão com a realidade de tempos em tempos. Sua presença é instável, e sua representação física neste universo pisca e desaparece sem qualquer razão ou explicação enquanto o aventureiro viaja para algum ponto do contínuo espaço-tempo… para retornar em instantes como se nada houvesse acontecido. Ele já esteve lá — seja lá onde isso for —, e isto permite que o jogador arranque coordenadas ou direções do Mestre uma vez por sessão.

Em outras palavras: “Festa estranha, com gente esquisita”, conforme recitado pelo poeta Renato Russo na canção Eduardo e Mônica. Um grupo típico de Death in Space é um grupo bem atípico em qualquer outro sistema. E você pode apostar seu couro nisso.

Além de um personagem bem esquisitão, e de todas as tabelas subsequentes para adicionar aquele toque de aleatoriedade e insanidade, com antecedentes únicas, traços, motivação, detalhes físicos e alianças, você e o seu grupo de intrépidos amigos ainda precisarão definir uma base de operações, um HUB — uma banheira velha infestada de fantasmas e problemas no sistema central. Uma espaçonave, seja um cargueiro ou um antigo encouraçado da época da Guerra da Gemas, ou estação geoestacionária caindo aos pedaços que precisará de muitos reparos para operar com o mínimo de excelência — onde guardar todas as suas quinquilharias e bugigangas acumuladas.

Conclusão

A arte do livro é minimalista e conceitual, a diagramação é agradável e o material é bem organizado dentro dos tópicos. O desbravador do fim do universo entenderá as principais nuances do sistema logo nas primeiras páginas, sem acabar sobrecarregado por informações que acabam sendo inúteis na prática.

O conteúdo é completo, abordando tudo o que um RPG precisa para ambientar e amparar tanto os jogadores quanto o Mestre de Jogo. Há equipamentos, progressão entre aventuras, cultos mais famosos e temidos, batalha entre espaçonaves, reparos e administração de peças, um mapa e a descrição dos corpos celestes do sistema Tenebris, breve história do último grande conflito do setor — a Guerra das Gemas — e muito mais.

A escolha das cores, dos elementos gráficos e das ilustrações que preenchem as páginas do livro também são dignos de nota.

Death in Space RPG é um título interessante, cheio de agouros pouco favoráveis, maldições e a maldita estática que teima em zumbir em nossos ouvidos, que merece sua atenção.

Por Walter Fiuza
Equipe REDE
RPG

Death in Space RPG

Christian Plogfors e Carl Niblaeus / Free League Workshop – 2021
128 páginas / capa dura, miolo colorido.

Notas (de 1 a 6)
Texto:
4 (simples e direto, sem muitos rodeios ou detalhes em determinados tópicos).
Conteúdo: 4 (o material carrega a decadência e a depressão dos títulos da cena sueca. É interessante e instigante, mas não é original. A comparação com Mothership RPG e Alien RPG é inevitável).
Arte/Layout: 6
Nota Final: 5

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