D&D: Quem joga D&D hoje em dia? Os fãs de sempre e mais gente.

O RPG nunca foi tão popular, e os jogadores parecem estar tirando mais proveito dele do que nunca.

Todo mundo está jogando D&D sem você: seus colegas de trabalho, Anderson Cooper, Tiffany Haddish. Mais de 50 milhões de pessoas “interagiram” com D&D desde a criação do jogo em meados dos anos 1970, de acordo com seus editores, e embora esse número inclua filmes, jogos, livros, televisão e “streaming”, ele não leva em consideração quem conheceu pelo TikTok .

O RPG de mesa tornou-se um nome conhecido de todos quando o “pânico satânico” – medo generalizado de rituais satânicos que assolou os EUA nos anos 1980 – começou a se enraizar nos subúrbios. Qualquer coisa com a mais remota ligação com o oculto, de astrologia a heavy metal, era suspeita. Como lançar feitiços durante um jogo poderia fazer você ser tachado de satanista, D&D virou “underground”.

Como o universo do jogo cresceu sem parar nas sombras, o jogo apareceu aqui e ali no mundo da cultura pop: D&D foi mencionado, direta ou indiretamenta, em shows de TV, incluindo “Big Ben Theory”, “Community”, “That’s 70’s Show” e em finais de temporada de “Buffy, a Caça Vampiros” e “Freaks and Geeks”. Rivers Cuomo canta sobre o refúgio que encontrou no seu Livro do Mestre e no seu dado de 12 lados na música “In the Garage”, do Weezer. Em “Os Simpsons”, Homer diz que jogou Dungeons & Dragons por três horas com um grupo de novos amigos – até ser morto por um elfo.

Ainda assim, a opinião geral sobre o jogo era a mesma: D&D é jogo de gente excluída.

Na última década essa maré começou a mudar. Agora, D&D tornou-se uma alternativa para socializar, uma alternativa para programas mais batidos.

“Tá na moda ser nerd agora”, disse Steve Colbert em uma entrevista com o ator Joe Manganiello, em 2018, quando eles passaram oito minutos inteiros no “The Late Show” falando sobre D&D, conversando sobre seu amor pelo jogo.

Marisha Ray, 33, uma dubladora de Los Angeles e parte do elenco do “Critical Role”, um dos “streams” mais conhecidos de D&D, lembrou de um momento, anos atrás, quando ela percebeu que “as crianças nerds” tinham se tornado a indústria do entretenimento. Mais uma década de filmes da Marvel, incluindo 4 dirigidos pelos Irmãos Russo, que cresceram jogando D&D. Os Irmãos Duffer, criadores do sucesso da Netflix “Stranger Things”, foram influenciados por RPGs como D&D e Magic: The Gathering, o jogo de cartas de fantasia que tem sua própria base de fãs febris. George R. R. Martin, autor dos livros de fantasia que inspiraram “Game of Thrones”, da HBO, é um famoso fã de Tolkien, e os livros de Tolkien são considerados portas de entrada para D&D (Por isso, não é surpresa, que Dave Anerson e E. Gary Gygax, criadores de Dungeons & Dragons, fossem grandes fãs de Tolkien).

Joe Manganiello e outras celebridades jogando D&D.

Mas nada espalha D&D por aí como a Internet. Plataformas de “streaming” como Youtube e Twitch mostraram como o mundo dos RPGs de mesa podem ser divertidos. Fóruns online como Reddit, Discord e Twitter criaram mundos digitais para que a subcultura rpgística pudesse se multiplicar e crescer, e, de lá, a gíria então restrita do jogo pôde alcançar a linguagem dos memes.

E tudo isso aconteceu em quase dois anos quando o confinamento criado pela pandemia convergiu com a fome por escapismo, e aí está: um poderoso feitiço para invocar D&D da garagem do pai direto para a mesa da sala.

Ellen Remley, 31, que trabalha em marketing criativo, foi atraída para o jogo por meio do TikTok. “Acho que gostei de um TikTok sobre D&D e, de repente, toda a minha página For You tinha posts sobre Dungeons & Dragons”, disse ela. A partir daí, ela encontrou a Dimensão 20, assistiu “muito conteúdo de D&D”, e decidiu que queria jogar.

A HORA DO JOGO
Esse inverno eu joguei minha primeira campanha de D&D na Brooklyn Strategist, que se descreve como “uma loja comunitária de jogos de tabuleiro”. Meu personagem era um orc paladino de nível dois chamado Atlas, em homenagem ao meu cachorro. Ele tinha uma montante, 19 de carisma, e podia conjurar Destruição Divina. Eu e meus companheiros participamos de A Maldição de Strahd, uma aventura de horror fantástico que, para nós, começou com uma missão e terminou com um mistério, e desde então não consigo parar de pensar no que vai acontecer.

É assim que fazem você voltar.

Uma sessão de 4 horas não é rara. Um jogo típico de D&D leva três horas, e é apenas parte de uma campanha maior, que pode durar meses, e até um ano. Não parece muito tempo se pensarmos no tempo que gastamos com nossos telefones, mexendo no Instagram ou assistindo TV.

“Jogar faz parte da experiência de viver neste planeta”, diz Siobhan Thompson, 37, membro do Dimension 20, um show popular de humor de D&D no Dropout e no Youtube. “A vida é tão complicada que a gente tem que jogar. É assim que eu penso”.

Um breve guia para os não-iniciados: os jogadores escolhem seus personagens – juntamente com a classe, nível e raças – anão, elfo, gnomo, halfling e draconato. Com a ajuda de um livro de regras, de 7 dados poliédricos, perícias adicionais e imaginação flexível, os jogadores determinam os antecedentes, poderes, alinhamentos morais e outras características de seus personagens. Eles formam a identidade do personagem, o que vai impactar na sua tomada de decisões (com a ajuda de rolamentos de dados específicos para determinar as consequências da ação que se quer tomar). O Mestre do Jogo é mais um narrador onisciente do que um jogador como os demais; é o chamado DM (Dungeon Master), que guia os jogadores pelos caminhos tortuosos do que está por vir.

A nova safra de jogadores te dirá que jogar D&D é improvisar ao redor de uma mesa com seus amigos. Uma vontade coletiva de suspensão da descrença mantém a narrativa seguindo em frente: os dados decidem os resultados. E ao passo que o jogo é, na sua origem, um “wargame”, ele foca menos na vitória e em resultados pessoais. O consenso entre os jogadores entrevistados para esta matéria é de que a verdadeira mágica acontece com a narrativa compartilhada.

É sobre a jornada, não o destino.

SANGUE NOVO, NOVOS ARES, NOVAS PERSPECTIVAS E VOZES
São os novos jogadores que fazem o D&D – e outros RPGs em geral – o que ele é hoje.

Connie Chang, um Mestre de Jogo de 24 anos, que comanda “um blog semi famoso” de D&D, é DM de Transplanar, uma mesa virtual “não colonialista, anti-orientalista” composta exclusivamente por pessoas trans e afrodescendentes.
“Eu realmente acho que pessoas marginalizadas a vanguarda que está fazendo D&D explodir de novo”, diz Chang. “As pessoas dizem ‘Stranger Things’, mas eu digo ‘não, é a comunidade LGBT’”.

“Dentro da comunidade, é o povo negro, não é?”, continua Chang. “São os asiáticos. É o povo indígena. São os afrodescendentes que estão trazendo um sangue novo, uma perspectiva diferente de mestrar muito necessária, legal e inovadora.”

Apesar de suas carcterísticas fantásticas, sobrenaturais, Dungeons & Dragons, criado por Gygax quando ele tinha 36 e Anerson, 27 – tem fortes raízes eurocêntricas da Idade Média e Idade das Trevas. Em entrevistas, os jogadores apontam o trabalho de Tolkien como inspiração para raças inteiras e subclasses que foram construídas com tons racistas e reforçaram estereótipos danosos. Jogadores de raças, identidades de gênero e orientações sexuais diferentes citam distintos graus de desconforto em relação ao legado dos jogadores de D&D, ao próprio jogo e à sua história ligada ao homem branco e hétero e ao colonialismo manifesto.

“D&D foi originalmente publicado em 1974, quase 50 anos atrás”, disse Ray Winninger, 55, o produtor executivo de Dungeons & Dragons. “E, obviamente, não é só D&D: todos nós estamos de olho na cultura pop de 50 anos atrás. É claro que a coisa evoluiu desde então, e de maneira muito positiva. E é por isso que D&D tem os mesmos problemas que toda franquia antiga tem.”

Dungeons & Dragons recentemente delineou objetivos ligados à diversidade, equidade e inclusão. Um post no blog da Wizards of the Coast, a empresa que controla o jogo, de Junho de 2020, admitindo que “alguns dos povos do jogo – orcs e elfos negros sendo os maiores exemplos – têm sido caracterizados como monstruosos e malignos, utilizando descrições que resgatam dolorosamente o modo como grupos éticos do mundo real foram rebaixados”.

A lista de retratações continua: a empresa trocou textos “racialmente insensíveis” em reimpressões recentes de Tumba da Aniquilação a A Maldição de Strahd, dois livros de D&D que jogadores usam para ambientar seus jogos. A empresa disse estar trabalhando com leitores sensíveis, e prometeu “continuar a contatar especialistas em várias áreas para identificar nossos pontos cegos” e se comprometeu a “procurar diversos e novos talentos” para fazer parte de seu quadro de funcionários, grupo de escritores e artistas freelancers.

Para Thompson, membro do Dimension 20, D&D é “absolutamente real para mim, de um jeito que, às vezes, minha própria vida real não é”, ela disse. Ela descreveu como, em uma campanha estilo “Game of Thrones”, que resultou em muitas mortes, ela se pegou chorando como se alguém tivesse morrido de fato.

Esse tipo de emoção forte é tão presente entre RPGistas, que há um nome para isso: “sangrar”, referindo-se a ideia de que as emoções sangram, passam para o mundo real. É um evento catártico, mas, talvez, mais terapêutico seja o próprio ato de jogar. Em entrevistas, muitos jogadores disseram usar D&D para explorar facetas de sua identidade de forma segura, para analisar a duradoura pergunta existencial de toda a humanidade: quem sou eu?

Luyanda Unati Lewis-Nyawo, 34, ator e mestre no Reino Unido, tem uma tatuagem de um personagem de uma de suas campanhas que possui “um pouco de tudo que eu desejo melhorar em mim”.

“Eu estava na terapia na época, e muita coisa mudou na minha vida porque eu pude explorar esses grandes temas, contar histórias e entender mais sobre mim através do jogo”, Lewis-Nyawo disse.

Elise Portale, gerente de mídias sociais de 33 anos, se revelou pansexual – alguém que é atraído por pessoas independente de sexo ou gênero – por causa de D&D.

“Eu joguei com personagens gays e héteros”, ela diz. “Recentemente, eu joguei com uma personagem que, durante a campanha, se tornou bastante sáfica. O que aconteceu foi que eu fiquei tão confortável com essa personagem lésbica que percebi que eu me sinto assim também.”

Algo central na experiência com D&D é sua capacidade de incentivar a formação de comunidades. Jimmy Doan, 42, ex-“cara de Wall Street” e veterano da Marinha norte-americana, que coordena a comunidade na Brooklyn Strategist, diz que para crianças em programas extracurriculares, que sofrem de bullying e isolamento, o jogo se tornou um refúgio.

Jogadores adultos descreveram o sentimento de finalmente acharem seu lugar em jogos como D&D. Falaram sobre se reconectarem com amigos de infância em mesas virtuais, sobre perderem o medo de falar em público e melhorarem habilidades sociais, tudo isso em um ambiente seguro. Contarem sobre conhecerem namorados, fazerem amigos para a vida toda, sobre encontrarem seu tipo de gente.

“D&D mostrou que somos uma espécie evoluída”, diz Lewis-Nyawo. “Queremos abrigo. Queremos calor. Queremos companhia. Queremos ser alimentados, hidratados. Essas são necessidades básicas do ser humano. E contar histórias é uma delas.”

Por Amelia Diamond
Tradução: Vinnie Pitangui
Equipe REDE
RPG

Link para o artigo original: nytimes.com/2022/05/21/style/dungeons-and-dragons.html

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