RPG & Física. Alguma relação? (II)

Era Einstein um RPGista?

O segredo da diversão em uma aventura de RPG é o sentimento de realidade que empregamos durante a partida: não basta haver efeitos fantásticos e feitos heróicos, o bom Role-Play exige que um sentimento de realidade seja emprestado a brincadeira: quanto maior, melhor! Mas, ao olharmos para os enredos de nossos jogos sob uma ótica realista, a fantasia pode começar a perder a graça para alguns. Seria possível, então, lidar com o fantástico e o real de forma simultânea? Afinal, qualquer um sabe que dragões, elfos, magos e vampiros não existem.

Mas, seria possível a um personagem envelhecer mais que seu irmão gêmeo durante uma viagem, ou mesmo viajar no tempo sem envolver nenhuma magia no contexto? Dá para usar a realidade como argamassa do fantástico em uma aventura?

A resposta é sim, se o Mestre do Jogo souber utilizar alguns tópicos da teoria da relatividade restrita de Albert Einstein. Suas teorias, porém possuem a fama de serem muito complicadas! E realmente o são, ninguém pode negar isso. Aliás, são complicadíssimas! Mas não é necessário entrar nos cálculos matemáticos envolvidos para entender a física envolvida nas teorias de Einstein: uma aventura de RPG pode ser o momento ideal para lidar com as idéias desse formidável cientista! Além do quê, não é preciso pensar muito para perceber as características que todo bom rpgista têm em comum com Albert Einstein: criatividade e curiosidade.

Em suas pesquisas, Einstein contava apenas com sua intuição e a imaginação para bolar os problemas necessários para comprovar seus raciocínios.Mas o que foi que ele fez, afinal e o que isso tem a ver com RPG?

Role-Play Game e a Teoria da Relatividade

Para entender essa relação é preciso voltar um pouco no tempo, até as idéias do físico italiano Galileu Galillei (1564-1642). Galileu dizia que se você viajasse em uma cela sem janelas dentro de um navio, sem visão do exterior, não conseguiria dizer se a embarcação estava parada ou navegando em águas calmas, pois se encontraria no mesmo estado (repouso ou movimento) que o navio. A partir desse conceito, Einstein imaginou (e essa é uma palavra que aparece muito em sua biografia!) que se as leis da física fossem as mesmas para objetos com velocidades constantes ou parados, elas deveriam valer também para a luz. Mas nessa época, o físico escocês James C. Maxwell (1831-1879) já havia provado que a luz não pára nunca. Coube a Einstein então se imaginar correndo em uma velocidade de 300 mil km por segundo, ao lado de um facho de luz, para entender que ela realmente não lhe pareceria parada! Esse tipo de experiência, chamado de “experimento mental” foi o que permitiu a Einstein elaborar suas teorias, se baseando em situações que poderiam muito bem ter sido “vivenciadas” em uma aventura de RPG!

Einstein imaginou (olha a imaginação de novo!) que se duas pessoas se movessem em velocidades diferentes e observassem um mesmo disparo luminoso, essa luz levaria tempos diferentes para chegar até cada um deles (os observadores estão em movimento, lembra?), pois há uma variação no espaço percorrido pela luz. Para explicar essa idéia aparentemente maluca para a época, o cientista criou exemplos imaginários (mais imaginação?) usando um meio de transporte muito popular na época, o trem. A partir daí conseguiu redefinir o conceito de simultaneidade (quando dois eventos ocorrem ao mesmo tempo?) e descobrir efeitos físicos como a dilatação do espaço e a contração do tempo.

Talvez você não saiba, mas até 1915 (10 anos após Einstein publicar sua teoria da relatividade restrita) o que valia na física ainda era a lei da gravidade de Isaac Newton (1633-1727). Mas Einstein questionou esse princípio, supondo uma equivalência entre a força da gravidade e aceleração: concluiu que essa equivalência só existiria se o espaço fosse curvo fosse deformado pela energia e a massa de um corpo, do mesmo jeito que uma bola de boliche colocada sobre um colchão.

Essas hipóteses pareciam absurdas na época, mas depois de provadas mudaram todos os conceitos da física! Atualmente já é senso comum afirmar que para entender o mundo em que vivemos é necessário ir além da física clássica de e mergulhar nos fantásticos efeitos da Física Moderna, na qual as idéias de Einstein representam um verdadeiro divisor de águas. Tanto que o ano de 2005 foi declarado internacionalmente o “ano internacional da Física” em homenagem aos 100 anos da publicação dos primeiros artigos de Albert Einstein (o annus mirabillis ou ano maravilhoso).O primeiro de seus trabalhos, sobre o efeito fotoelétrico, rendeu-lhe o prêmio Nobel de física em 1921, onde descrevia a natureza da energia da luz, demonstrando que suas partículas (mais tarde chamadas de fótons) são capazes de fazer com que determinados metais liberem elétrons. Essa é a base de funcionamento das calculadoras solares, da televisão e do raio laser. Seu outro artigo descreveu o chamado movimento Browniano, descoberto pelo físico Robert Brown (1773-1858), explicando que o choque das partículas da água “parada” contra grãos de pólen fazia com que se movessem, o que provou a existência dos átomos (outro conceito abstrato nessa época). Seu terceiro artigo foi, é claro, sua produção mais famosa: a teoria da relatividade restrita (que trata da dinâmica dos corpos em movimento). A relatividade geral só foi descoberta 10 anos depois, revendo o funcionamento da lei da gravidade de Newton e contribuindo para a dedução de que o Universo teria começado com o Big-Bang.

IMAGINAÇÃO OU GENIALIDADE?

Agora, pense um pouco em como sua aventura pode se tornar muito mais divertida aplicando as idéias de Einstein. É possível viajar no tempo? Claro! Lembre-se que durante uma conversa, quando você vê a pessoa com quem está falando, você a vê no passado. E durante a aula, o aluno que se senta na primeira fileira não vê o professor no mesmo tempo que quem senta no fundão. Isso porque a luz que reflete sobre o professor leva tempos diferentes para chegar a cada um de vocês. Como ela é muito rápida e o espaço entre vocês é pequeno, o intervalo entre o instante em que o professor abana a mão e você vê o gesto, é imperceptível. Mas o que aconteceria em distâncias maiores, da ordem de anos-luz?

Há quase dois anos utilizo o RPG para ensinar física moderna a meus alunos. As teorias de Einstein dão gancho a excelentes aventuras, sem que seja necessário parar no meio do jogo para fazer contas. Quando se entende a física envolvida nesses conceitos é possível elaborar um enredo envolvendo o fantástico e o real. Afinal, se você raciocinar a respeito de como Einstein realizou suas descobertas, vai perceber que ele não fez experimentos em laboratórios: apenas em sua mente, imaginando situações comuns em contextos extraordinários. Exatamente como no RPG que você joga em casa. Então, será que Einstein pensava como um RPGista….ou será que os RPGistas é que pensam como Albert Einstein?


Você pode ter o primeiro texto dessa série: “RPG e Física. Alguma relação?” em https://www.rederpg.com.br/wp/2005/08/rpg-fisica-alguma-relacao-i/

Por Francisco de Assis Nascimento Júnior

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