Mestres, os campeões do Fair Play

Ter fair play é obrigação de todo jogador, seja nos jogos de mesa ou em um Live. E os mestres? Onde ficam nisso?! Ora, os mestres precisam ser os Campeões do Fair Play e ponto final. Sem isso, não há jogo possível. Se isso é verdade na mesa, onde muito do que acontece são os dados quem determinam, o que dirá num Live, em que as disputas no jokenpo (pedra-papel-tesoura) ou recursos semelhantes devem se limitar ao mínimo necessário? Pois, muito do que determina se um personagem conseguirá ou não seu intento – além da capacidade de representação do jogador- está nas informações que os mestres sabem e manipulam por detrás das cortinas. Se o mestre não souber “jogar justo”, o jogo já acabou antes mesmo de começar!

Em um Live, mesmo que com ajuda dos jogadores, os mestres criaram o background: a história completa por trás da história de cada um dos personagens. Quem fez o que, o que é verdade, o que é mentira, o que é só boato, o que é algo muito diferente do que parece, quem controla o que, quem traiu quem… Tudo vai parar na cabeça dos mestres para gerar mais história, para movimentar o jogo…

E se informação é poder, o poder do mestre é então inquestionável. Se ele determinar que outro personagem ou um NPC (personagens do mestre) sabe do seu segredo, isso pode gerar mais história para você ou destruir seu jogo: saber dosar quando e como usar as informações é uma arte, que vai se ganhando com o tempo, mas que é preciso sempre aperfeiçoar.

Quase todas as regras de Fair Play para os jogadores, servem também para quando você está mestrando, com as devidas adaptações… Vamos dar uma olhada nelas?

1) Respeite os personagem – Seus jogadores tiveram trabalho de criar suas histórias e você o trabalho de criar as histórias dos NPCs. Respeite isso. Resista fortemente à tentação do “vai ficar bonito” tentando imputar ao personagem de um jogador uma ação/pensamento/atitude que ele não teria naturalmente. Se for muito necessário para o seguimento da história, pense junto com ele por que e como as coisas foram feitas, e modifique suas idéias originais para se adaptar aos personagens de seus jogadores. Já com seus NPCs, siga a natureza deles sempre que possível… Às vezes você vai precisar deixar “passar em branco” alguma coisa para não estragar à toa o jogo de ninguém, mas tenha sempre em mente a coerência interna dos seus NPCs. Um jogador bom e maduro vai preferir se pego pelo NPC, caso tenha vacilado, do que ficar sem saber quais seriam as possíveis atitudes do NPC que uma hora age de um jeito e em outra age de outro, sem critério algum…

“Confia! Vai ficar Bonito”

Com essa frase de abertura presenciamos as cenas mais esteticamente perfeitas do Rio by Night, mas as que nos fizeram querer pular no pescoço de nosso narrador!  Pedro Borges é um dos melhores contadores de história que conheço, e um dos melhores mestres também, quando conseguia resistir à tentação do vai ficar bonito. Ficava mesmo, não há duvida! Mas nem todos os jogadores estavam dispostos a abrir mão de suas chances em nome da estética e de plots futuros. A noção de Deus Ex Machina é importante quando estamos mestrando. Às vezes é preciso intervir, tirar soluções mirabolantes da cartola e bater o martelo na mesa usando a autoridade de mestre para que uma ação isolada de um jogador/personagem não acabe com todos os plots (e o Live) de uma única vez, mas precisamos resistir a tentação de fazer isso de forma tão descarada. É divertido, mas nem todo mundo se diverte!  Se um NPC não pode morrer, não o coloque em situação de risco. Se existe um segredo que (ainda) não pode ser descoberto, crie salvaguardas inteligentes que o protejam. Prepare-se ANTES, porque uma vez o jogo em andamento, quem morreu, morreu e o que foi descoberto, foi descoberto. Simples assim. Exceto se o Pedro for mestrar, aí senta que lá vem história. E das boas!

2) Não exagere – É… Seu NPC pode ser a criatura mais poderosa do universo e ter todo o sentido do mundo ele ser assim, mas tenha bom senso. Matar um personagem de jogador nos primeiros 5 minutos de Live é algo que não se faz, mesmo que o jogador (e seu personagem) tenha vacilado muito! Ele está lá para jogar… Se não tiver mesmo jeito, enrole um pouco, dê a chance do jogador arrumar alguma forma de reverter a situação do personagem dele, e se ele não conseguir, faça uma cena bonita, dando ao jogador a oportunidade de jogar essa cena. O mesmo vale para a disputa entre jogadores: breque se for necessário um jogador que queira acabar com o personagem do outro, mal o Live começou! Arrume desculpas para ele esperar e, se não pensar em nada, apele para o fair play! A noite ainda é uma criança, então deixe as atitudes drásticas pro fim da noite, onde quem jogar melhor leva os louros, e quem vacilou, dança!

3) Off é Off – Enquanto mestre você sabe de TODAS as informações… Mas seu NPC não. Separe muito bem o que seu NPC sabe, e como ele soube, das coisas que você, enquanto mestre, sabe. Um vampiro poderosíssimo com Auspex no limite do limite, na teoria poderia saber de tudo, mas ele estava preocupado em tentar descobrir? Porque se não estava, ele não sabe… Pense nisso. As motivações dos seus NPCs e seus modus operandi podem ser a chave para separar o que eles podem vir a descobrir do que eles não sabem e pronto.

Da mesma forma, fique atento aos seus jogadores para determinar se eles estão, às vezes sem querer, utilizando informações obtidas em off para seus personagens. Seja duro se necessário: “isso seu personagem não tem como saber!”. Estimule todas as formas sadias de se descobrir informações em ON, mas não admita que informações em off prejudiquem o jogo de algum outro jogador (e personagem).

Alguns dos principais mestres do Rio By Night

 

4) On é On – Saber de tudo é uma tentação horrorosa. Acredite. Ainda mais quando se ouve as hipóteses mirabolantes dos jogadores de alguma trama que você criou e particularmente acha genial. A vontade de fazer confidências em OFF para seus jogadores (que possivelmente são seus amigos) é enorme, mas não faça isso. Quando mais informações em off um jogador tem, mais complicado para ele fica o jogo, porque ele sabe que não pode usar e, ao mesmo tempo, sente a dificuldade de ignorar totalmente esse conhecimento na hora de jogar. Seu papel como mestre é facilitar as coisas, não dificultar.

5) Confie nos outros Mestres – Às vezes você precisa tomar uma decisão imediata e não tem tempo de consultar os outros mestres. Acontece, mas não faça disso um hábito. Todos os mestres precisam ter a mesma informação e concordarem nos rumos que a história está tomando, caso contrário, em muito pouco tempo, as histórias e ações dos jogadores e seus personagens vão começar a ficar incoerentes, e o Live vai por água abaixo!

Acho que é desnecessário dizer, mas nunca, sob nenhuma hipótese, passe por cima de uma decisão do grupo de mestres, ou omita deles alguma informação de algo que você achou genial, mas que acha que eles não vão concordar. Esse tipo de situação, além de gerar caos no Live Action (os mestres partem de pressupostos diferentes na hora de mestrar), pode acabar com o próprio Live, ou pelo menos, com o grupo de mestres…

7) É só um jogo – Não se apegue mais do que o necessário aos seus NPCs, nem aos personagens dos jogadores. Não use seus critérios pessoais para determinar disputas (deixe que os personagens falem por si, sejam eles PCs ou NPCs), não tome posturas ou críticas de seus jogadores como pessoal, e tente ser justo e imparcial todo o tempo. É só um jogo. E se isso ficar claro para você, há de ficar para os seus jogadores também!

 

Os mestres no live de 7th Sea: Adriana Almeida, Marcelo Telles, Alan Fontoura e Alexandre Gondin

8) O Live tem vida própria – Sim, você teve o maior trabalho para criar o background, os NPCs, ajudar os PCs a fazerem as interações iniciais e agora o jogo começou. Nesse instante, o controle dos eventos sai das suas mãos para as mãos dos jogadores, e eles podem fazer coisas do arco da velha, acredite, e mudar absolutamente TUDO no primeiro minuto de um Live! Mesmo quando você achar uma ação estúpida, ou que coloque em risco tudo que você criou, ou que ficaria completamente sem sentido na ambientação original, nunca se esqueça que uma vez começando o jogo, está valendo! Se alguém trai seu NPC e conta os segredos para alguém em on, está contado, e crie plots com essa situação. Se o personagem espião infiltrado na base inimiga vacila e se deixa descobrir, por mais que isso atrapalhe os plots que você já criou, não o proteja, deixe que a situação se resolva em on e crie novos plots envolvendo isso. TUDO é motivo para plot, então, mais do que não se apegar demais nos seus NPCs, um bom mestre não se apega demais aos seus plots. Se você os criou, pode criar outros! E mais que isso: um mestre que deixa o jogo acontecer naturalmente, mantendo as informações interligadas e chegando onde devem chegar, quase não tem trabalho depois que o Live começa: os jogadores irão criar suas próprias agendas de plots e manter todo mundo ocupado por muito tempo. A você cabe apenas ajudar a gerenciar!

Os mestres de um Live Action também querem se divertir. Também devem interagir, usando seus NPCs, com os personagens dos jogadores…. Mas lembre-se sempre que a função do mestre é ajudar a conduzir e a dar coerência à história que está sendo representada, e não se dar bem ou favorecer personagens mais interessantes. Um bom mestre deixa o Live correr, não se utiliza das informações desnecessariamente, não toma nada como pessoal e se pauta sempre pelo bom senso. Se seus jogadores se divertirem, acredite, você também irá se divertir!

Semana que vem falaremos de um vilão recorrente e o mais poderoso de todos os vilões. Ele pode acabar com o seu Live em segundos…

Por Adriana Almeida.

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Written by Adriana Almeida
Fazendo curso intensivo para vir borboleta na próxima geração. Longa história...

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