Desafio dos Bandeirantes: o resgate do RPG brasileiro

Nunca é tarde para se esclarecer um assunto.

Mais ainda, tenho convicção de que nunca é tarde para reparar um engano. Ou, uma injustiça.

A temática nacional, fora dos meios acadêmicos, nunca teve preferência, muito menos admiração. Falar em “heróis nacionais”, “quadrinhos nacionais”, “romances nacionais” etc. dificilmente empolga ou desperta interesse, com exceção de alguns poucos ufanistas ou brasileiros menos odiosos de si mesmos. Muito embora o cinema nacional tenha ressuscitado nos últimos dez a quinze anos, de forma geral filmes, séries ou quadrinhos cuja temática gire em torno da cultura brasileira são quase sempre ignorados (se não, alvo de escárnio) a não ser que se trate de comédia, novela ou obras de crítica social.

Sem nenhuma surpresa, o mesmo ocorre no RPG. Os títulos que bebem da cultura brasileira são raríssimos[1], e estão bem longe de serem sucesso de vendas. Os autores brasileiros preferiram seguir as tendências americanas de mercado, adotando o modelo de regras enxugadas e cenários densos e detalhados na década de 1990 (fórmula adotada no maior sucesso de então, Vampiro: a Máscara) ou adaptando seus projetos à Licença Aberta[2] nos primeiros anos deste século, embora existissem exceções.

Todavia, na gênese do RPG nacional, a temática brasileira estava lá. Se Tagmar[3] foi o primeiro título construído por autores brasileiros e em terras brasileiras, O Desafio dos Bandeirantes[4] foi imediatamente o segundo. Enquanto aquele trata de fantasia medieval Tolkeana, este procurou trabalhar com elementos da história e da cultura do Brasil.

Todavia, se Tagmar foi um sucesso dos primeiros anos da década de 1990, o mesmo não se pode dizer de Desafio dos Bandeirantes, que não chegou a causar impacto no meio RPGístico. As razões podem ser várias, mas uma delas (que também pode ser a conseqüência de seu fracasso, ao invés da causa) foi o fato de que sua temática fora rotulada como “voltado para uso pedagógico” ou “mais adequado a sala de aula”, e não um RPG destinado para a diversão como os demais.

Neste artigo, procuro revisitar O Desafio dos Bandeirantes. Acho adequado que ele seja alvo de um novo olhar não somente porque me entristeço com a ojeriza auto depreciativa do brasileiro diante sas coisas que lhe dizem respeito, mas porque realmente a proposta nunca recebeu uma critica profunda e afastada deste tipo de preconceito[5]. Pretendo, aqui, fazer uma análise da obra enquanto RPG nunca perdendo de vista a época no qual foi lançado, a fim de evitar anacronismos.

 

1. RPG como todos os outros

Antes de qualquer coisa, vamos a seguinte questão: que tipo de RPG é o Desafio dos Bandeirantes?  Qual é a proposta do jogo, da ambientação, de seus personagens? Deixemos que os próprios autores elucidem a questão:

[…] É que O Desafio dos Bandeirantes é o primeiro Role-playnig Game (RPG) com temas baseados na História e no folclore brasileiros, com a mesma emoção e os mesmos desafios de qualquer outro RPG de fantasia. Aqui você também pode ser um guerreiro destemido ou um poderoso feiticeiro. E também vai enfrentar criaturas perigosas e mágicas. E aqui também existem monstros tão mortais e aterrorizantes quanto os terríveis dragões. Só que com algumas diferenças importantes.[6]

Observa-se, na apresentação da obra, elementos chave para o problema aqui apresentado. Os autores alegam ser Desafio dos Bandeirantes um jogo “com a mesma emoção e os mesmos desafios de qualquer outro RPG de fantasia”. Ou seja, comparam-no aos demais jogos de interpretação de papéis cuja temática seja a fantasia medieval. Observe que o chamativo, o atrativo que procura ser realçado e apresentado são elementos de aventura e fantasia: “você também pode ser um guerreiro destemido ou um poderoso feiticeiro. E também vai enfrentar criaturas perigosas e mágicas. E aqui também existem monstros tão mortais e aterrorizantes quanto os terríveis dragões”. Isto implica em dizer que, de acordo com a proposta, Desafio dos Bandeirantes apresenta-se como uma diversão, um passatempo idêntico aos demais jogos de RPG[7], com a única exceção de que trata da cultura nacional, não da típica fantasia Tolkeana existente no mercado até aquele momento (início dos anos 1990).

A idéia apresentada, portanto, é criar um “jogo da fantasia brasileiro”, ou seja, um RPG onde os jogadores vivem aventuras semelhantes àquelas proporcionadas pelos títulos de Fantasia Medieval como AD&D, mas cuja cultura, personagens e monstros serão oriundos da cultura nacional, em formação durante seu período colonial.

É oportuno aqui tentar corrigir os desvios de definição acerca desta obra. Não se encontra, em momento algum da mesma qualquer menção a seu uso em sala de aula ou objetivo didático: não é a intenção dos autores produzir uma RPG que seja uma ferramenta lúdica sobre a História do Brasil ou seu Folclore. Na própria definição do que é RPG, em sentido teórico, esta comparação ou enquadramento simplesmente inexiste:

[…] RPG é a sigla para Role-playing Game, uma expressão de origem norte-americana que poderia ser traduzida como Jogo de Interpretação, e que designa uma forma de lazer onde cada participante interpreta um personagem, como num teatro improvisado.

A maneira mais fácil de se compreender o que é o RPG é imagina-lo como uma história, como as que se contam nos romances policiais, nos livros de mistérios, nos filmes de aventura, ou em volta de uma fogueira. Só que os ouvintes participam ativamente da história como personagens por eles mesmos criados. E melhor ainda, a história está apenas parcialmente pré-definida, de modo que o seu roteiro irá variar de acordo com que os ‘ouvintes-personagens’ decidirem fazer. […][8]

Fica muito claro: RPG é romance, aventura, mistério. O objetivo de Desafio dos Bandeirantes é, portanto, o mesmo dos demais livros do gênero produzidos em sua época: diversão para um grupo de amigos. Em alguns trechos os autores alertam para a possibilidade do jogo levar a reflexões acerca da história e da sociedade brasileira[9], mas em momento algum o objetivo dos autores é a didática: este é tão somente (de forma idêntica a todos os demais RPGs da época) o divertimento.

Há outro fator importante a ser considerado contra esta idéia. Quando Desafio dos Bandeirantes foi lançado, o RPG no Brasil ainda engatinhava. Não se concebia o RPG como instrumento pedagógico ou, se ocorria, era idéia embrionária de alguns poucos visionários. Os primeiros trabalhos sobre uso do RPG como ferramenta didática surgem somente na segunda metade da década de 1990, bem depois de Desafio dos Bandeirantes.

Compreendida a proposta dos autores, que seria criar um jogo de fantasia em torno da cultura do Brasil, vamos passemos a compreender como esta idéia foi posta em prática no livro.

2. Cenário

Antes de mais nada, chamo a atenção para o fato de que o cenário de Desafio dos Bandeirantes é um reflexo do Brasil durante o século XVII. Não se trata, de forma alguma, do Brasil Colonial que conhecemos, mas de uma versão fantástica do Brasil e do mundo daquele período:

As aventuras deste RPG se passam na Terra de Santa Cruz, que é inspirada no Brasil Colônia do século XVII. Os jogadores viverão aventuras em um território ainda selvagem e inexplorado, enfrentando os perigos da selva, tribos hostis, feras perigosas e monstros estranhos […] A Terra de Santa Cruz faz parte de um mundo fictício onde a história seguiu um curso familiar à nossa, guardando algumas diferenças significativas.[10]

Ou seja, não estamos falando do Brasil em eu período histórico no qual fora colônia portuguesa, mas de uma colônia fictícia de um mundo igualmente fictício, intimamente aparentado e inspirado no processo colonial do século XVII. Trata-se, portanto, de um cenário fantasioso, não do período histórico em questão. Isto fica mais claro no seguinte parágrafo da obra:

Os povos que a habitam são semelhantes às civilizações pré-colombianas, mas no lugar de tupis, guaranis e incas, há jaguaris, maoáris e illimanis. Da mesma forma, os portugueses são conhecidos como lusitanos, os espanhóis como castelanos, os francês como francos e os holandeses como flandrinos. Assim, o jogador se sentirá mais livre para se aprofundar na fantasia de uma terra desconhecida e, ao mesmo tempo, construir pontes de ligação com a nossa História.[11]

Obviamente, ainda que não se trate do Brasil no período colonial, as correlações e semelhanças são inegáveis e, mais que isso, a base da do jogo. Uma idéia inovadora para a época sem dúvida alguma, já que sequer se pensava em um RPG de temática nacional e não havia nada acerca disso produzido. Mas a correlação não se restringe ao contexto histórico, conectando-se, também, ao folclore brasileiro: inúmeras criaturas sobrenaturais permeiam o Cenário, todas elas oriundas dos mitos e lendas nacionais. A estas se somam milagreiros cristãos, pajés conhecedores da magia dos índios e praticantes da religião africana.

É interessante o tratamento dado pelos autores a tais criaturas. A maioria delas possui uma fraqueza que pode ser descoberta mediante investigação ou Testes de Ocultismo e Religião: descobrir o ponto fraco do monstro pode tornar o embate muito mais fácil ou, às vezes, ser a única maneira de vencer ou escapar dele. Este elemento acrescenta um sabor a mais para qualquer situação que envolva as criaturas do folclore e, novamente, cria pontes entre a lenda e o jogo que extrapolam o simples rolar de dados para jogadas de ataque[12]. Um único ponto a questionar é que os autores tentaram encaixar as lendas de forma muito direta e fiel ao folclore: possivelmente um exercício de licença literária pudesse dar novas cores a estes monstros e até levar a criação de novas e interessantes criaturas.

Voltando à questão do contexto, a escolha do século XVII e a temática adotada por parte dos autores alijou a boa parte do que o Brasil Colonial tem a oferecer. Neste período, a empresa colonial foca-se nas plantações de cana-de-açúcar, com algumas cidades de porte razoável (tais quais Salvador, Rio de Janeiro e Recife). Embora seja o auge do “bandeirantismo”[13], o jogo fica restrito quanto às possibilidades de aventuras a serem criadas: resume-se em incursões à mata na busca de metais preciosos, escravos, drogas do sertão ou, quem sabe, a caça de alguma criatura sobrenatural. Tramas urbanas ou que envolvam diferentes assuntos (investigação, mistério, etc.), não são o foco do jogo e, mesmo que fossem, a época escolhida possivelmente não é a mais adequada. Para completar, a possibilidade do uso de piratas, seja para explorar o imenso litoral brasileiro, seja devido aos saques que estes fizeram às cidades brasileiras, é quase totalmente ignorada pelos autores com exceção de algumas citações na cronologia (pg. 86).

Talvez a escolha do século XVIII desse uma dimensão mais ampla ao jogo. Ali temos a descoberta de ouro em Minas Gerais e uma explosão demográfica com a geração de novas cidades, além de um crescimento do Rio de Janeiro, de onde se escoava esta mineração. A corrida do ouro por si mesma gera inúmeras possibilidades de aventuras (até mesmo de campanhas) e as cidades, agora mais numerosas, somam-se a Salvador, Rio de Janeiro e Recife maiores e mais estruturadas, possibilitando vários tipos de personagens e tramas.

A Inquisição, elemento excelente que poderia servir tanto de antagonista para os personagens quanto de reflexão social e religiosa para os jogadores também foi quase que totalmente ignorada. Apesar de citar “Dez pessoas julgadas e condenadas por bruxaria” na cronologia e de que a Profissão de Bruxo é “degredada da Metrópole pela Inquisição”, esta instituição não é descrita nem explicada em nenhuma parte do livro[14]. Na verdade, é um tanto estranha (de um ponto de vista histórico) a maneira como os autores tratam a magia e a feitiçaria no Cenário. Os conhecedores de segredos místicos são tidos como mercenários ou até mesmo como trabalhadores comuns que circulam pelas ruas vendendo seus serviços:

[…] aventureiros estão em Piratininga em busca de emprego para suas habilidades especiais (como guerreiros, rastreadores, feiticeiros, etc.), podendo já se conhecerem há tempos ou terem se encontrado na vila.[15]

Todavia, não se deve incorrer em anacronismo e desconsiderar o momento no qual Desafio dos Bandeirantes foi concebido e projetado. Os autores, como já explicitado anteriormente, nortearam-se em criar um jogo de Fantasia baseado na cultura e na história do Brasil, mas sempre tomando como modelo os trabalhos de Fantasia Medieval. A mentalidade daquele período girava em torno de jogos nos quais um grupo de aventureiros embrenhavam-se numa jornada perigosa, na qual cruzavam rios, penhascos e florestas, ou adentravam a uma masmorra, em todos os casos enfrentando perigos e monstros para, ao fim da viagem, encontrarem grandes tesouros[16]. Entre estes aventureiros, estão tanto guerreiros como magos capazes de lançar poderosas magias e clérigos capazes de realizar milagres.

Se não perdermos este importante aspecto de vista, entenderemos que o Desafio dos Bandeirantes é fidedigno ao seu tempo e contexto. Os autores procuraram adaptar o modelo de aventuras medievais ao contexto colonial, e conseguiram: utilizando as Bandeiras, apresentavam um gancho para que um grupo de aventureiros empreendam uma viagem na qual enfrentariam monstros, perigos e encontrassem tesouros ao final deles. Preocupações com aventuras de suspense e mistério são secundárias aqui também por serem, naquela época, secundárias em quase todos os cenários e aventuras medievais[17]. Nas palavras dos autores:

[…] a principal atividade dos bandeirantes no jogo é a procura de metais e pedras preciosas, o combate a tribos hostis e salteadores, a escolta de caravanas de comércio entre as vilas da região e a exploração de novos territórios.[18]

De forma semelhante, há uma permissividade dos cenários de Fantasia Medieval para com os Magos e os Clérigos: os poderes destes são, mesmo que superficialmente, conhecidos e reconhecidos nestes Cenários, fazendo parte normalmente da sociedade e não sofrendo nenhuma perseguição por isto[19]. Seguindo a mesma linha, os personagens com poderes sobrenaturais de Desafio dos Bandeirantes não são tomados como santos ou hereges, podendo fazer parte de um grupo ou da sociedade normalmente. Também não se deve desconsiderar a fragilidade com a qual o tema da Inquisição no Brasil geralmente era (e é) tratado nas escolas, fugindo, portanto, ao domínio do senso comum e, possivelmente, escapulindo aos autores. O mesmo pode ser dito com relação ao tema da pirataria[20].

Infelizmente, independente da época, este modelo acaba por limitar ainda mais o contexto. Os Cenários de Fantasia Medieval são muito heterogêneos: apresentam civilizações e cidades perdidas, masmorras espalhadas pelo mundo e locais com os mais variados terrenos, como neve, todos os tipos de florestas, savana, montanha e deserto, cada qual com uma cultura e tecnologia radicalmente diferente. Por seu turno, o Brasil (e, conseqüentemente, a Terra de Santa Cruz descrita no livro) é predominantemente tropical com exceção da parte temperada representada pela Região Sul e da Caatinga. As tribos indígenas apresentadas são diferentes entre si e isto é realçado pelos autores, mas nada muito detalhado (na verdade, bem superficial). Ou seja, bem diferente dos mundos medievais onde um clima desértico pode apresentar uma cultura semelhante a árabe da Idade Média e uma ilha temperada outra cultura semelhante a Bretã do mesmo período.

Assim, aventuras em forma de jornada num cenário medieval-fantástico oferecem uma miríade de opções de desafios e tramas que simplesmente um Brasil fantástico não pode oferecer. Factualmente, é bem verdade que a mata atlântica, o pantanal e a floresta amazônica são radicalmente diferentes de um ponto de vista cientifico, mas, para questões de variação de histórias, estas diferenças são questionavelmente marcantes, sobretudo se os jogadores não estiverem interessados ou se forem desconhecedores do assunto. Este problema poderia ser sanado se os autores apresentassem, a nível de regras, diferenças entre os animais, monstros e perigos de cada local, mas isto não ocorre: somente uma descrição física e literária é feita. Embora não possamos culpar os autores, que tão somente seguiram a tendência de sua época, focar o jogo em aventuras na forma de viagem e exploração excluiu uma miríade de possibilidades que o contexto colonial oferece, algumas, inclusive, inéditas naquele tempo (como Inquisição e questões sociais na forma de revoltas nativistas).

3. Regras

As Regras de Desafio dos Bandeirantes são bem simples e giram em torno de Testes de Atributo e de Habilidade. Os Atributos variam entre 8 e 18, e usa-se um dado de 20 faces para testá-los: se o resultado for igual ou menor ao valor em questão, então o personagem foi bem sucedido. As Habilidades, por sua vez, variam entre 9 e 100 (as vezes mais) e ocorre um Teste de porcentagem, rolando-se dois dados de 10 faces, um para as dezenas outro para as unidades: novamente se o resultado for igual ou menor que a Habilidade do personagem, ele será bem sucedido. A dificuldade ou facilidade do teste influencia no valor, de acordo com a definição do Mestre de Jogo. Desta forma, se ele definir que uma Tarefa é Rotineira, então o Atributo ou Habilidade é Multiplicado por 2, ao passo que uma Tarefa Difícil divide por 2 estes mesmos valores.

Quando dois personagens estão em contenda, utiliza-se o sistema de Disputa: cada jogador lança um dado de 20 faces e soma com sua Habilidade, saindo-se vencedor quem obtiver o maior valor final. O combate é solucionado através deste sistema de disputas para combates corpo-a-corpo, mas os ataques a longa distância (com arcos, garruchas, etc.) são decididos através de Testes de Habilidade, cujo resultado pode ser eliminado caso o defensor passe num Teste de Defesa (normalmente, Esquiva).

Ao mencionar o sistema de combate, podemos observar que se trata de uma grata surpresa quando comparamos esta obra com demais títulos do começo dos anos 1990. Rápido e funcional, os ataques e defesas são facilmente compreendidos e resolvidos com os rolamentos do dado de 20 faces. Mas não para por ai: o livro trabalha, de forma simples e direta, regras coerentes para ataques localizados, combate com armas diferentes (por exemplo, a vantagem que alguém com uma lança tem contra um oponente com uma faca), ataques desarmados e absorção e desgaste de armaduras em apenas seis páginas. A façanha torna-se mais digna de nota quando comparamos este jogo a outros RPGs de seu tempo que, complexos e abstratos, abrangiam páginas e mais páginas de explicação e, muitas vezes, eram monolíticos resumindo-se a ataque, defesa e dano, sem a flexibilidade que vemos em Desafio dos Bandeirantes[21].

O sistema, desta forma, é bem simples e rápido, não atrapalhando o jogo e, ao mesmo tempo, englobando praticamente todas as situações que possam surgir de forma bem coerente e lógica. O combate, por seu turno, é um dos pontos altos das regras e, talvez, o maior mérito do jogo quando comparado a seus concorrentes contemporâneos.

Mas infelizmente há um grave defeito relativo as regras. Os personagens iniciam o jogo com Habilidades que normalmente giram em torno de 23 e 38, no máximo (talvez com algumas exceções para menos). Ora, se os Testes giram em torno do sistema de menor ou igual ao valor para que o personagem seja bem sucedido, isto implica em dizer que na maioria dos Testes até mesmo os personagens mais habilidosos tem menos de 40% de chance de serem bem sucedidos nos mesmos. É uma possível frustração jogar com personagens que são mal sucedidos na maioria das coisas que tenta. Uma maneira de remediar isso seria o Mestre recorrer a Testes Rotineiros e Fáceis nas primeiras histórias dos jogadores, mas isso acaba pode se tornar complicado: aventureiros envolver-se-ão constantemente em situações simplórias, que pessoas comuns poderiam resolver? Além disso, ao criar-se um personagem, espera-se que ele seja, no mínimo, competente no que ele faz (não necessariamente genial ou poderoso, já que isso ser proporcionado pela experiência ganha em jogo). Utilizar personagens que constantemente fracassam nas áreas em que ele escolheu atuar é um verdadeiro balde de água fria para a maioria dos jogadores.

Por fim, um traço interessante das regras representa, em contramão ao que se vê no restante do livro, um retrocesso. Trata-se da característica Sorte, cujas únicas descrições de funcionamento é disputar jogos de azar ou determinar, em uma situação onde algo de ruim vai acontecer, qual dos personagens será a vítima: será aquele que falhar no Teste. Duas mecânicas um tanto inúteis, já que bastaria sortear qual personagem seria beneficiado ou prejudicado com um lance simples de um dado. Além disso, se no quesito de Combate Desafio dos Bandeirantes está bem à frente de seu tempo, com relação ao uso da Sorte ele está obsoleto e caducando, já que o antigo Aventuras Fantásticas, mesmo sendo um jogo de regras paupérrimas, trabalhava o conceito de forma bem mais ampla e inteligente[22].

4. Personagens

A criação de personagens é outro ponto elogiável da obra. O jogador pode escolher entre cinco “raças” que seriam branco, índio, negro mulato ou mestiço e nove “profissões”: guerreiro, rastreador, ladrão, jesuíta, sacerdote negro, pajé, feiticeiro negro, feiticeiro de ferro e fogo e bruxo.

As raças são fundamentais para definir a classe social do personagem e a maneira como ele se enquadra na sociedade apresentada pelo Cenário. Isto é explicado de forma resumida, mas muito eficaz no livro, e invariavelmente leva os jogadores a uma reflexão sobre a formação da sociedade brasileira, elemento este que talvez melhor sirva como didática para quem joga. Outra questão importante são as limitações de Profissões para cada raça, pois os modificadores mecânicos das mesmas, em forma de atributos, são muito pequenos e pouca diferença fazem em jogo.

No caso das profissões, somente as três primeiras não envolvem magia e cada uma trás uma lista de Habilidades. O sistema envolve pontos para a compra das mesmas: o jogador recebe 100 pontos para distribuir entre as características da lista da profissão que escolheu para seu personagem, e outros 50 pontos que pode usar livremente para adquirir novos conhecimentos, permitindo uma flexibilidade bem maior que em outros jogos como Tagmar, D&D e AD&D, nos quais os personagens estão mais formatados dentro dos arquétipos escolhidos e com menor possibilidade de variação e inovação.

As profissões que lidam com Magia são o ponto alto do cenário e talvez um dos maiores avanços de Desafio dos Bandeirantes em seu tempo. Isto porque elas não se constituem mecanicamente em torno do tipo de magias que podem realizar e sim no papel social e histórico que representam, sendo não apenas “usuários de magia” mas elementos autênticos permeados de representações e significados culturais[23]. Desta forma, o Sacerdote Negro usa seus poderes incorporando Orixás e é visto como um conselheiro e abençoado pelo seu povo, o Pajé extrai poder das forças da natureza e é visto como um sábio pelos seus e o Bruxo é temido pelos segredos místicos que domina, derivados de uma cultura pré-cristã, só para citar alguns exemplos. Numa época em que os hoje chamados “conjuradores”, na maioria dos casos, resumiam-se ao que faziam (necromante, ilusionista, etc.) ou ao deus que serviam (deus da guerra, deusa do amor, etc) Desafio dos Bandeirantes demonstra uma inovação interessante devido a maturidade e profundidade social destes arquétipos.

Entretanto, assim como ocorreu com o Cenário, a busca por seguir o modelo medieval novamente castrou possibilidades. Os autores resumiram toda a sorte de aventureiros encontrados no Brasil colonial a Guerreiros (aqueles que lutam) e a Ladrões (aqueles que usam a destreza e a astúcia), sem nenhuma surpresa, guiando-se pela divisão clássica encontrada em D&D, AD&D e Tagmar (só para ficar em alguns exemplos). Seria possível, dentro do contexto, criar uma série de possibilidades: Bandeirante, Jagunço, Saltimbanco, Salteador, Guarda da Coroa, Guerreiro Indígena, Quilombola, etc. Em alguns suplementos parece que os autores se aperceberam do qual fértil era o Cenário que tinham em mãos, mas, na proposta inicial, tudo isso foi simplesmente deixado de lado[24].

Mas é o caso de salientar novamente: não seria anacrônico cobrar algo em contrário? Se os autores seguem o modelo da fantasia medieval, então é mais que natural que se restrinjam aos clássicos guerreiro e ladrão que procurem enquadrar[25].

Somente no caso do Jesuíta considero que houve equivoco por parte dos autores, que desejavam um tipo de personagem que fizesse o papel do Clérigo (que, em contrapartida, é inspirado nos padres medievais). Todavia, os Jesuítas na História do Brasil não são tidos (a nível de senso comum) como santos ou milagreiros, mas como professores, diplomatas e civilizadores: talvez fosse melhor basear-se na figura de beatos populares como Antonio Conselheiro ou Padim Ciço do que apresentar os Jesuitas como santos capazes de milagres. Em meio a arquétipos bem construídos como os do Pajé e do Sacerdote Negro, o Jesuíta não convence muito bem no papel que lhe foi atribuído.

Outro aspecto que torna a criação de personagens elogiável são as Classes Sociais descritas no jogo. Rola-se dois dados de dez faces, uma para as dezenas, outro para as unidades, e o resultado determina, de acordo com a raça escolhida, o tipo de família na qual o personagem nasceu: escravo, burocrata da coroa, comerciante, lavrador, etc. Isto determina o dinheiro inicial do mesmo e também dá excelente base para seus antecedentes e história de personagem: mais contextualizado, por exemplo, que AD&D, no qual o rolamento apenas aponta o poder aquisitivo inicial. As classes sociais são brilhantemente sintetizadas (de um ponto de vista histórico) em somente duas páginas e a única critica, que seria para o fato de que o jogador não pode escolhê-la estando submetido ao capricho dos dados, não caberia já que, mais uma vez, esta tendência de determinações por rolamentos de dados é predominante nos demais RPGs da época[26].

5. Magia

Se os conceitos usados para os personagens usuários de Magia são inovadores, o mesmo pode-se afirmar do sistema que simula a mesma. Cada personagem conjurador tem uma lista de Habilidades que representam vários poderes místicos, com exceção do Pajé e do Jesuíta que, além destas, possuem Habilidades comuns também; Todos eles acionam seus feitiços através de uma característica chamada Poder Mágico (Inteligência+Destreza) ou Poder Divino (Sabedoria+Destreza), que aumentam com a experiência do personagem. As Mecânicas variam de acordo com a Profissão: os Sacerdotes Negros, como já foi dito, incorporam um Orixá através do Poder Divino e utilizam os poderes daquela entidade. Feiticeiros Negros negociam seus encantos através de barganhas com espíritos. As demais Profissões gastam Poder Mágico ou Divino cada vez que utilizam seus poderes, e tem listas menos variadas.

Em todos os casos, um personagem defende-se dos efeitos da magia utilizando sua Resistência a Magia, característica que todos os personagens possuem e que é a soma de sua Inteligência com sua Resistência. Esta característica pode aumentar conforme se avança em níveis.

As Magias são simples em sua descrição (ocupando pequenos parágrafos, com raras exceções) e funcionais, além de totalmente em consonância com a proposta e a cultura brasileira: Mau-olhado, Arco de Oxossi[27], Amaldiçoar são só alguns exemplos. Cada uma delas tem seu custo em Poder Mágico ou Divino, e é possível aumentar sua potencia gastando-se mais destes pontos de Poder. Além disso, as listas de magias relacionam-se perfeitamente com o conceito das Profissões as quais correspondem.

A explicação do sistema usado por cada Profissão, novamente, é coerente com o contexto e simples, ocupando apenas alguns parágrafos para cada caso. A única crítica a tal sistema reside não nele mesmo, mas na mecânica do jogo como um todo. Como já foi dito, o mais capacitado dos personagens, no primeiro nível, tem menos de 40% de chances de ser bem sucedido em seus Testes. As Magias, tratadas como Habilidades, também sofrem desta tendência ao fracasso e a coisa fica pior pelo fato de que, ao usá-las, o personagem desprende Poder Mágico ou Divino independente de sucesso, agravando-se mais ainda com a ausência de regras claras para Modificadores nos Testes de Magia a fim de torná-los mais fáceis. Ou seja, se os personagens comuns normalmente fracassam em suas tentativas, mais ainda isto ocorre com os personagens conjuradores.

Conclusão

Desafio dos Bandeirantes foi um RPG inovador. A proposta foi muito bem desenvolvida ao longo de suas 129 páginas, nas quais são apresentados, de forma direta e concisa, o Cenário, as regras, os tipos de personagens a disposição, as magias e os monstros a serem enfrentados, dando ao Mestre de Jogo amparo para construir suas campanhas. O Sistema de Combate, simples e funcional, abrange inúmeras possibilidades, e a Criação de Personagens, fidedigna à proposta, é flexível e oferece antecedentes bem contextualizados. Mas o ponto talvez mais chamativo é mesmo a Magia: tanto as Profissões que a utilizam quanto o sistema são autênticos, funcionais e inovadores para a época.

Os autores fizeram um trabalho a frente e seu tempo nestes aspectos: se a segunda metade da década de 1990 e começo dos anos 2000 a tendência com relação às regras que é sejam simples, diretas e abrangentes e, com relação aos personagens, que as opções sejam flexíveis e culturalmente contextualizadas, O Desafio dos Bandeirantes conseguiu as duas coisas em 1992. Por outro lado, a possível “mesmice” gerada por aventuras focalizadas em bandeiras e a crueldade dos Testes de Habilidade são pontos negativos do jogo. Também não podemos deixar de observar que Desafio dos Bandeirantes veio depois de D&D, AD&D, GURPS e Tagmar, ou seja, estas características de vanguarda podem dever-se à experiência ganha na observação destes jogos.

De qualquer forma, é difícil dizer porque Desafio dos Bandeirantes não vingou. Provavelmente, isto se deve ao preconceito que o próprio brasileiro nutre com a cultura nacional, o que é realmente uma pena, pois o Brasil tem muito a oferecer em todos os sentidos (inclusive, RPG) e esta obra demonstra isto. Alternativamente, a explicação pode se dever ao “boom” que o mercado brasileiro atravessaria a partir de 1994, com a chegada títulos internacionais cujas abordagens eram mais inovadoras e flexíveis do que a velha fórmula de “aventureiros numa jornada perigosa”, dificultando a sobrevivência deste jogo.

Independente dos motivos, O Desafio dos Bandeirantes foi uma proposta ousada e muita bem executada, principalmente quando observamos seu tempo e contexto embrionário no qual o RPG encontrava-se no Brasil, pelas tendências vistas nos Jogos americanos como D&D, AD&D e GURPS e por ele demonstrar, no começo da década de 1990, elementos que serão fundamentais para os jogos criados na segunda metade desta década.

Bibliografia

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GYGAX Gary e ARNESON Dave. Dungeons & Dragons. São Paulo: Grow, 1993.

JACKSON Steve. GURPS. São Paulo Devir 1994.

O Desafio dos Bandeirantes. Rio de Janeiro: GSA, 1992.

O Tagmar. Rio de Janeiro GSA, 1991.

R. TALSORIAN GAMES. Castelo Falkenstein. Devir. São Paulo 1998.

Arno; WEHLING, Maria J. Formação do Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

SOUZA, Laura de Mello e. O diabo e a Terra de Santa Cruz: Feitiçaria e religiosidade popular no Brasil Colonial. São Paulo, Companhia das Letras, 1986.

Por Thiago Pacheco


Notas

[1] Podemos Citar Era do Caos (KLIMICK, 1998), cujo cenário procura focar-se na realidade social do Brasil e do mundo nas primeiras décadas do século XXI e Hi-Brazil (DEL DEBBIO, 2004), mistura de elementos de fantasia medieval com clichês da política e da história do nacional.

[2] Licença Aberta é a possibilidade legal de se empregar o sistema de regras usado na 3° Edição do jogo D&D em qualquer cenário construído por outros autores (salvo algumas especificações pontuais). A medida formatou o mercado, mas facilitou o lançamento de várias obras tanto no Brasil quanto nos EUA.

[3] O Tagmar. Rio de Janeiro: GSA, 1991.

[4] O Desafio dos Bandeirantes. Rio de Janeiro: GSA 1992, página 1.

[5] Não quero dizer, nem mesmo dar a entender, que se a proposta fosse (ou for agora) bem compreendida, ele teria sido um sucesso. Somente estou tentando enxugar os preconceitos acerca da obra.

[6] O Desafio dos Bandeirantes. Rio de Janeiro: GSA 1992, página 1.

[7] Observe-se, todavia, que estou me atendo ao discurso dos autores. O fato de muitos não acharem divertido, ou a comparação incabível (ou mesmo digna de escárnio), não é o ponto a ser discutido, mas, sim, o que os autores tinham em mente com o jogo. Se eles foram bem sucedidos ou não, é outra questão.

[8] O Desafio dos Bandeirantes. Rio de Janeiro: GSA 1992, página 1.

[9] Como, por exemplo, quando os autores falam da Ambientação (Cenário) na página 2. Outro exemplo é a abordagem sobre a escravidão na página 47. Todavia, em ambos os casos a fantasia e a aventura são o foco, não a história.

[10] Idem, Ibid, pg. 2.

[11] Idem.

[12] Obviamente, não é uma abordagem inédita, mas outros jogos não dão tanta atenção a ela. Mais tarde, Castelo Falkenstein (1998) seguirá o mesmo caminho.

[13] Devido a União Ibérica (na qual o Rei Felipe da Espanha assumiu também o trono de Portugal), os limites do tratado de Tordesilhas foram ignorados (ou melhor, muito mais do que eram antes). Aliado à crise da industria açucareira após a expulsão dos holandeses de Pernambuco, isto incentivou ainda mais as expedições ao interior do Brasil na busca de riquezas vegetais (as chamadas Drogas do Sertão), mas, sobretudo, minerais (ouro, prata, etc.), sem falar no apressamento de escravos indígenas (este ultimo, independente da União Ibérica ou da crise da cana-de-açucar).

[14] Para mais detalhes sobre a Feitiçaria no Brasil Colonial, ver o maravilhoso trabalho de Laura de Mello e Souz, O Diabo e a Terra de Santa Cruz: Feitiçaria e religiosidade popular no Brasil colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1986.

[15] O Desafio dos Bandeirantes. Rio de Janeiro: GSA 1992, pg 123.

[16] É exatamente esta abordagem que temos em títulos como D&D, AD&D e Tagmar. As exceções, quando ocorrem, são raras ou relacionadas a outros gêneros, como horror ou super-heróis que, inclusive, inexistiam em língua portuguesa.

[17] Claro, não podemos generalizar posto há exceções, como o excelente cenário de Lankhmar, por exemplo. Mas decerto não se constitui nem em padrão, nem em tendência.

[18] O Desafio dos Bandeirantes. Rio de Janeiro: GSA 1992, pg 2.

[19] Novamente, temos exceções, como o já citado Lankhmar e o espetacular Ravenloft. Todavia, a tendência  do período é Tolkeana, ou seja, um usuário de magia pode ser um individuo tido como excêntrico ou misterioso, mas de forma alguma é desconhecido ou sofre qualquer tipo de perseguição religiosa.

[20] Muitos dos livros didáticos com os quais tive contato enquanto professor sequer abordam o tema da pirataria no litoral brasileiro durante sua fase colonial.

[21] O combate de Tagmar girava em torno de uma Tabela colorida, cujos resultados das falhas, às vezes, poderiam parecer estranhos e cuja possibilidade de diferentes manobras restringia-se à mesma, e, neste segundo caso, o mesmo ocorria com Marvel Super Heroes, igualmente baseado numa tabela. D&D e AD&D jamais tiveram regras para ataques localizados em seus livros básicos, e este ultimo apresenta regras complexas e algumas bem abstratas, como TAC0. GURPS tem todas as regras de Desafio dos Bandeirantes e mais algumas, mas num espaço de páginas quatro vezes maior e apresentando uma complexidade mecânica tão grande quanto AD&D. Os RPGs que apresentavam regras de combate flexíveis, simples e com variedade de opções ao mesmo tempo eram bem raros e não figuravam no mainstream.

[22] Aventuras Fantásticas permitia o uso da Sorte para aumentar o Dano em combate, mediante um Teste bem sucedido. Falhar no Teste diminuía o Dano causado. Cada vez que a Sorte era usada, ela diminuía em um ponto e várias situações diferentes requeriam o uso da mesma.

[23] Isto me lembra a maravilhosa Tia Dalma de Piratas do Caribe 2 e 3, deliciosamente interpretada por Naomi Harris, uma autêntica sacerdotisa vodu (que, em Desafio dos Bandeirantes, seria a profissão Feiticeiro Negro). O leitor pode imaginar, portanto, a minha decepção com o final do episódio 3 da franquia…

[24] Como em Quilombo da Lua, onde encontramos o “Capitão do Mato”, por exemplo.

[25] Claro, haviam os chamados “Livros Vermelhos” do AD&D, no qual se encontrava, inúmeras variantes medievais para guerreiros, ladrões, etc. Mas trata-se de um suplemento, não da proposta inicial e básica do jogo.

[26] Tagmar também usava o conceito de Classes Sociais, mas, ao contrário de Desafio dos Bandeirantes, não há absolutamente nenhuma discussão acerca do reflexo delas no Cenário e na interpretação dos personagens.

[27] Orixá Caçador.

***

 

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Written by Shophetim
Mestre em História Comparada pela UFRJ, pesquiso Serviço Secreto, Polícia Política, Espionagem e Repressão (Polícias Federal, Civil e Militar) no Brasil Contemporâneo. Autor de Agadá RPG. Professor de História dos Hebreus, Antigo Testamento e Angelologia.
22 Comments
  1. Acho que sou obrigado a mudar o meu pensamento sobre este RPG.

    Fiquei curioso sobre que classe seria o Besouro (do filme homônimo).

  2. Caro Cursed Lich, só de conseguir desfazer o preconceito e ajudar alguem a ter um novo olhar sobre a obra meu objetivo foi alcançado. Mas qual era seu pensamento sobre ele?

    Com relação ao Besouro, eu o construiria da seguinte forma: Força e Agilidade e pouco investimento em Sabedoria.

    Escolheria a Profissão Sacerdote Negro (já que ele foi iniciado por uma Mãe-de-Santo e recebia visitas constantes de Mestre Alípio), investindo em Magias de Movimentação, Visão e Viagem Astral. Com os 50 pontos Extras, investiria pesado em Acrobacia, Esquiva, Correr e Capoeira.

    • Exatamente que era um RPG pra mostrar na escola. Que não teria muitas coisas fantasiosas que eu gosto. Pra jogar um RPG onde nada de especial/sobrenatural acontece eu prefiro fazer pessoalmente.

  3. Ótima matéria.

    Lendo sobre Desafio dos Bandeirantes me vem a mente se não rolariaum revival de cenários clássicos brasucas utilizando as regras do Old Dragon…

    Acho que tem a ver.

  4. Só uma pequena correção:

    Tagmar – 1991 – Marcelo Rodrigues, Ygor Moraes Esteves da Silva, Julio Augusto Cezar Junior e Leonardo Nahoum Pache de Faria

  5. Marcelo

    Peço-te públicamente desculpas pela falha na minhca citação bibliográfica.

    Grande abraço.

  6. Thiago,

    Foi um enorme prazer ler o seu artigo.
    Bem estruturado, fundamentado e equilibrado.
    Como um dos autores do Desafio, sinto-me orgulhoso e agradeço o respeito com que vc tratou nosso trabalho.
    Ano que vem, o nosso desafio completa 20 anos! Parece que foi ontem.
    Lembro com saudade das intermináveis tardes diante da máquina de escrever (isso mesmo!) quando eu, Klimick e Flavio discutíamos e redigíamos o que viria a ser o livro.
    Vc acerta em muitas das suas observações, mas – OBVIAMENTE – faltam alguns elementos para sua análise, aos quais vc nem teria como ter acesso, pois dizem respeito a planos para expansões e módulos que queríamos produzir e publicar ao longo dos anos.
    Havia todo um planejamento maior para o jogo, que infelizmente ficaram pelo caminho, quando a GSA encerrou suas atividades, prematuramente, já que faziam um excelente trabalho!
    Só mesmo na RedeRPG poderíamos ter uma reflexão de tanta qualidade sobre o nosso querido mercado.
    Parabéns ao Marcelo, que continua tendo uma incrível comunidade de colaboradores e leitores.
    Gostaria muito de conversar com você – por email, de preferência – para fazer algumas “réplicas” que acho importantes ao seu artigo, assim como sugiro que procure o Klimick e o Flavio para o mesmo.
    Vou divulgar seu artigo para eles, ok?
    Fico à sua disposição.

    Mais uma vez parabéns, obrigado e muito sucesso a vc e à Rede RPG!

    Abraços,
    Luiz Eduardo Ricon

  7. Caro Ricon

    Fico muito feliz por você, um dos autores, ter lido e apreciado meu artigo, e agradeço à todas as suas considerações.

    Um Grande abraço.

    • Enviei o link do artigo para o Klimck e o Flavio.
      Certamente, eles gostarão de ler o que vc escreveu.
      Era nossa intenção – na época – publicar complementos exatamente sobre a Inquisição, Piratas e sobre a região das minas, onda aventuras mais “urbanas” poderiam ser criadas.
      Mas optamos por lançar aventuras prontas (pois os mestres tinham alguma dificuldade em “entender” como criar aventuras para o desafio), e depois expandirmos um pouco mais as culturas afro e indígena (Quilombos da Lua e Vale dos Acritós)
      Sem esquecer do fantástico Império do Sol, um mega-suplemento escrito pelo Flávio cobrindo a parte espanhola… quer dizer… castelhana do continente.
      Infelizmente, esses planos jamais se realizaram.

  8. Valeu pela divulgação, Ricon!

    Seriam excelentes suplementos mesmo!

    Grande abraço.

  9. Ricon, nós que agradecemos a vocês por terem ousado fazer este fantástico jogo, que ainda é um dos meus favoritos. E também ao Thiago por fazer este resgate mais do que merecido.

    • Marcelo,
      Repito o que disse acima: foi uma grande alegria ver que vc continua mantendo a RedeRPG e com essa qualidade de artigos e discussões.
      Estou muito distante do mercado faz tempo e essa visitinha já me deixou empolgado!
      Agora é arranjar tempo para entender tudo o que vem acontecendo.
      Heheheeh
      Grande abraço, camarada!
      E sucesso, sempre!!!

  10. Thiago,
    O Ricon cumpriu a promessa e mandou o link. Gostei muito do texto e do cuidado que você teve na análise. Devo lembrar que não fui apenas co-autor dos Bandeirantes, mas também do “Era do Caos”, junto com o Klimick e a Eliane Bettocchi.

    Como Ricon já disse, tínhamos a idéia de desenvolver o cenário. Todas aquelas descrições de regiões que aparecem no livro eram possíbeis expansões.

    A questão do ouro foi bastante pensada. Queríamos deixar aberto para que o grupo de jogadores fossem os pioneiros da corrida do ouro, deixando pra explorar esse cenário num complemento. O Ricon era doido pra explorar a caatinga, fazendo uma espécie de cangaceiros coloniais.

    A questão da Inquisição foi bem pensada, apenas não havia mesmo. Decidimos não romper tanto com o link histórico nesse ponto. Deixamos pra desenvolvê-la em suplementos das terras castelanas, onde a Inquisição foi barra pesada na vida real. No “Império do Sol” ela está lá.

    A pirataria, de início, era muito fora do universo bandeirante. Ambientar um RPG em cenário nacional já era algo “novo” demais. Tínhamos medo de apresentar muita coisa ao mesmo tempo para ser absorvida.

    O Jesuíta foi realmente o personagem mais difícil de desenvolver. Algumas abordagens simplesmente não deram certo. Naquela época pré-vampire, não dava pra correr o risco de deixar uma classe dependendo da interpretação do jogador pra funcionar. Acho que nunca ficamos inteiramente satisfeitos com ele.

    A questão Sorte achei curiosa. Apenas pensamos em algo divertido para usar no lugar do mero sorteio. A gente sempre colocava o d6 que tirou 1 na Sorte. Mas uma amiga fazia (faz) questão de botar 6. Também nunca encaramos as regras (de qualquer RPG) como algo obrigatório, mas um ponto de partida.

    Você está certíssimo quando diz que o Bandeirantes é fruto do seu tempo. AD&D era o padrão, a grande referência. Pensávamos em termos de pack e missões. E havia uma preocupação muito grande pro jogo não ser visto como um livro de História. A decisão de criar a Terra de Santa Cruz surgiu desse temor. O primeiro jogo teste foi com o Brasil real.

    Quando terminei “O Império do Sol”, em 95/96, a GSA já não ia bem, e não quis lançar, pois se tratava de um novo Livro Básico, com uma versão atualizada das regras. A idéia era ter o Bandeirante como livro básico das terras lusitanas e o Império como base das terras castelanas. Mais de uma década depois, tive a coragem de disponibilizar esse material num blog. Dessa vez, passei tudo pra América do Sul, pois considero que hoje os cuidados de antes se tornaram desnecessários. Mas a terra continua igualmente fantástica. EStá aqui: http://cheibub.wordpress.com/

    Abraço,

    Flávio Andrade

  11. Obrigado por perstigiar o artigo, Flavio.

    Com relação à Inquisição, discordo que ela não havia: foram efetuadas “visitações” na Colonia Lusitana (claro, nada tão intenso quanto na américa espanhola) mas, ainda assim, vc acaba tendo razão, pois tais visitações ocorreram apenas no século XVIII, fora da época proposta pelo cenário de vocês, portanto.

    Por fim, eu tenho que tirar um tempo para ler “O Império do Sol”. Até hoje ainda não vi este suplemento.

    Mais uma vez agradeço aos comentários.

    Grande abraço.

    Thiago da Silva Pacheco.

    • “O Império do Sol” é tudo de bom!

  12. Oi Thiago,
    agradeço muito pelo texto carinhoso e atento com o Desafio dos Bandeirantes. Pouco tenho a acrescentar ao que o Dudu e o Flávio disseram sobre os suplementos e as regras. Piratas e outras regiões, bem como a Inquisição viriam no futuro.

    Sobre o papel da Inquisição e as perseguições aos bruxos, segundo o Livro da Lara de Melo que ambos lemos, a História da Vida Privada no Brasil (volume 1), de fato havia curandeiros oferecendo seus serviços nas ruas das cidades coloniais. As autoridades eclesiásticas se preocupavam mais com acusações de judaísmo, sodomia e falsos padres. Feiticeiros e sacerdotes negros só eram visados quando faziam muito sucesso. As visitações também só foram mais incisivas no século XVIII. Talvez vc tenha tido acesso a informações diferentes das minhas.

    Outro motivo de termos escolhido o século XVII como tema foi poder contar com a Invasão Holandesa (flandrinos) e o Quilombo de Palmares (Quilombos da Lua).
    Agora, você tem total razão quando projetamos o jogo na referência do D&D por ser o padrão da época. Como eu era apaixonado por História e Floclore (e ainda sou) e acompanhado pelo Dudu e o Flávio que também compartilhavam dessa paixão, fizemos o que pudemos para retratar o contexto social da época.
    Foi similar ao que tentei fazer depois no IMpério para Tagmar.

    Por fim, convido-o a visitar o cenário Brasil Barroco, que eu e a Eliane Bettocchi estamos desenvolvendo:
    http://www.historias.interativas.nom.br/incorporais/bbarroco/index.html

    Forte abraço,
    Carlos Klimick

    • Klimick, tanto você quanto o Ricon e o Flávio, fiquem à vontade para publicar seus materiais e divulgar suas iniciativas aqui na REDERPG. :-)

      • Telles, demorei mais de 10 anos pra disponibilizar o material de Império do Sol. Talvez daqui a 10 anos eu tenho mais alguma coisa pra mostrar.

  13. Klimick, agradeço seus comentários. Fico muito feliz em ter meu artigo referênciado pelos autores da obra.

    Com relação as curandeiros e feiticeiros, você está com a razão: eles conviviam na sociedade colinial e há até mesmo relatos de capelas em fazendas nas quais figuravam adornos e enfeitos afros e indigenas ao lado das imagens e paramentos cristãos: o sincretismo e, de certa forma,a liberdade religiosa nascem cedo no Brasil. Estes dados são bem explicados em “O Diabo e a Terra de Santa Cruz” e “Formação do Brasil Colonial”.

    Todavia, a minha estranhesa não se deveu a isso, mas ao fato de feitiçeiros estarem nas ruas da cidade procurando emprego para aventuras como se fossem magos de fantasia medieval. De qualquer forma, sua colocação lança nova luz ao trecho que citei e e mais um dado para revisão de opiniões.

    Por fim, parabens pelo Império: é outro material que eu gostaria de analizar. Sou apaixonado pela Antiguidade Oriental.

    Grande abraço

    Thiago da Silva Pacheco.

  14. Gostei muito! É o meu RPG predileto. Muito orgulho desses “meninos”.

  15. Sonho com uma publicação atualizada!

    Gilson

  16. Achei este texto em 2019 e fiquei impressionadíssimo com as ideias do jogo.

    Eu estou para montar uma campanha com alguns amigos e fiquei inspirado por Castelo Falkenstein. No texto que achei, ele fala do Império do Brasil e de como Dom Pedro II seria uma figura importante no cenário steampunk que ele oferece.

    Inicialmente, uu pensei em uma campanha ambientada em Skyrim, mas a mundo proposto por Falkenstein é muito bacana e tentar preencher a lacuna do Império do Brasil pareceu ser bem desafiador. Achei um atlas de 1998, e comecei a pensar mais nessa possibilidade. Estou há 24 horas lendo e tentando entender as imigrações no Brasil, como a escravidão ocorreu e imaginar como o Brasil e o mundo seriam se não houvesse escravidão ou se o nível de mana fosse no estilo de Castelo Falkenstein ou The Elder Scrolls. Como um dos jogadores quer ser um elfo, também fiquei imaginando como trazer as raças de Elder Scrolls para o Brasil. (Wood Elves, Argonians e Khajiits dariam ótimas tribos indígenas).

    Como eu vou usar o sistema GURPS 4ª Edição, eu posso criar minhas próprias regras. Ler sobre As Aventuras na Terra Santa Cruz mais as sugestões que você colocou no artigo me deixaram cheio de idéias.

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