Indo da 1ª para a 4ª Edição de D&D

Tudo bem pessoal? Queria partilhar com nossos leitores brasileiros um post interessante de MJ Harnish no seu blog Gaming Brouhaha. Atualmente, ele tem mestrado uma campanha utilizando uma das mais clássicas aventuras old-school do D&D, a aventura Temple of Elemental Evil (Temple do Mal Elemental ou Templo dos Elementos Malignos, numa tradução livre), criada por ninguém menos do que Gary Gygax, um dos criadores do D&D.

Levando em conta que a aventura foi criada para o D&D 1ª edição (no caso, o AD&D primeira edição), Harnish decidiu iniciar sua campanha utilizando as regras do AD&D. Como não queria usar seus livros originais, ele optou por utilizar a compilação gratuita disponível na internet, o OSRIC, uma versão revisada e mais recentes das regras do AD&D.

Entretanto, após diversas sessões usando o OSRIC, Harnish decidiu migrar seu jogo para o D&D 4, e fez um post em seu blog sobre os seus pensamentos à respeito dessa mudança. Acho que os comentários dele podem interessar outros jogadores brasileiros de D&D e trouxe então esta tradução para a REDERPG, a pedido do editor do nosso portal. O artigo original vocês podem ler AQUI.

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Como eu mencionei nos comentários finais do meu último post sobre minha campanha de Temple of Elemental Evil, eu tomei a decisão de sair da versão OSRIC das regras de AD&D e migrar para a 4ª edição do D&D. Essa não é uma decisão que eu tomei sem antes ter feito um bocado de reflexão, especialmente se consideramos minhas experiências razoavelmente negativas que tive com D&D 4 na primeira vez que eu tentei mestrá-lo para adolescentes no ano passado. Entretanto, muita coisa mudou desde então, uma das mais importantes provavelmente foi minha posição filosófica em relação ao D&D 4.

Nas minhas primeiras tentativas de mestrar D&D 4 eu segui as regras dos livros (LdJ, GdM, MM) ao pé da letra, e isso me causou grande frustração já que o jogo, se jogado dessa forma, costuma ser muito grindy, muito parecido com um jogo de vídeogame, e completamente diferente do D&D que eu cresci jogando. Pra piorar a situação, eu decidi usar a aventura Fortaleza no Pendor das Sombras que efetivamente multiplicou todas essas características. Eu tomei essa decisão de seguir as regras ao pé da letra mesmo tendo jogado há mais de 25 anos e ter deixado de jogar D&D seguindo todas as suas regras desde meus primeiros anos de RPG – em parte eu fiz isso porque eu queria ver onde os designers do D&D estavam querendo chegar, e em parte por que eu queria minimizar o meu tempo de preparo de um jogo que eu ainda estava aprendendo. O que eu acabei decidindo é que o estilo de jogo padrão do D&D 4 não me agradava e eu não quero esse estilo de jogo numa mesa envolvendo adolescentes de 12 a 18 anos.

Então, o que mudou?

Pra começar, eu comprei casualmente o Guia do Mestre 2 no último verão e finalmente encontrei um meio de jogar o jogo que é muito mais próximo do que eu gostaria. Mais especificamente, as regras alternativas para bônus inerentes (nota do tradutor: são realmente uma regra bem interessante apresentada no GDM II. Ela dá uma progressão de bônus para o ataque, dano e defesas dos personagens, para que você não precise usar itens mágicos. Esse vai ser um livro bacana pra Devir trazer pro Brasil!) resolveram todos os problemas que eu tinha sobre a necessidade de upgrades constantes nos itens mágicos; agora os itens mágicos podem ser únicos, úteis e descritivos no D&D mais uma vez, ao invés de ser uma necessidade absoluta pra prevenir a quebra das mecânicas e balanço do jogo.

Da mesma forma, eu percebi que era possível criar campanhas muito mais narrativas, centradas numa temática bem estabelecida, e mais fáceis de digerir se eu tomasse uma atitude “menos é mais” em relação às opções de classe e raça. Retirando as raças e classes que não se encaixam no objetivo ou tema de uma campanha qualquer, eu pude criar situações e cenários muito mais interessantes para mim e pros meus jogadores. Elas também são muito mais fáceis de criar e usar já que cada jogo possui apenas uma pequena parte da quantidade enorme de opções para D&D 4 que a Wizards vem jogando na nossa cara (e que têm precisado de muitas erratas atualizações por parte da empresa).

Eu também percebi que seu retirasse alguns conceitos de como XP funciona (por exemplo, parar de distribuir XP de encontro por encontro, mas sim de aventura por aventura) que eu poderia eliminar o grind dos encontros, focar nas cenas importantes e dar o ritmo que eu quisesse pro jogo sem deixar os jogadores no limbo do avanço de níveis.

Finalmente, minhas experiências mestrando OSRIC/AD&D deixaram claro que o sistema não é melhor, ou pior, do que o D&D 4. Certamente é um sistema diferente, mas no fim das contas, eles são bem similares no tipo de experiência que você pode extrair deles, dependendo de como o seu grupo encara o jogo e que estilo de jogo eles enfatizam. Eu vou escrever mais sobre isso num artigo futuro depois que eu tiver mestrado AD&D e D&D 4 pro mesmo grupo, jogando com os mesmos personagens, na mesma campanha. Até o presente momento, eu joguei ambos os jogos paralelamente, mas nunca com o mesmo grupo exatamente, então eu acho que essa mudança que eu pretendo fazer vai ser como uma “experiência” também.

As outras razões

Além da minha mudança de como eu estou encarando o D&D 4, há outras razões para mudar o jogo do OSRIC pro D&D 4. Algumas são questões práticas, outras são questões de gosto pessoal.

Primeiramente, eu quero ensinar meus jogadores principais de RPG como jogar o jogo, como um grupo, e nossa campanha de ToEE é uma oportunidade perfeita: nós temos todos os sete jogadores envolvidos e com 8 semanas sobrando no ano escolar, o tempo certo para que eu os deixe todos familiarizados com o sistema. Estou fazendo isso por uma razão semi-egoísta. Eu pensei numa história e na idéia de um cenário que incorpora um bocado de influências diferentes. Apesar de muitas delas serem bem old-school (incluindo o fato que meu cenário só terá humanos, anões, elfos, halflings e meio-elfos), eu estou querendo mesmo mestrar esse jogo usando o D&D 4. Dessa forma, eu preciso começar a ensinar meus jogadores a como jogar esse sistema.

Segundo, eu preciso separar o grupo em dois e treinar um novo mestre para mestrar pro segundo grupo. Estou prevendo que no ano que vem teremos 10 a 12 jogadores de RPG em tempo integral, e esse número é muito grande para um grupo só – mas é ideal para dois grupos. Infelizmente nós não temos ninguém que tenha vontade, ou mesmo que tenha tentado mestrar. Minha experiência nas últimas décadas é de que todo mundo quer jogar e ninguém quer mestrar. Nos últimos cinco anos nós tivemos apenas dois estudantes que mestraram campanhas de RPG e nenhuma delas durou muito mais que duas sessões. Entretanto, com o crescimento do clube nesses últimos dois anos, chegamos numa situação crítica: nós simplesmente não podemos providenciar mais jogos sem alguém para ocupar a cadeira de mestre. Dessa forma, um dos meus objetivos anos que vem será o de começar a favorecer o desenvolvimento de Mestres.

Em busca desse objetivo, eu encontrei um semi-voluntário (ele tem 16 anos), mas é muito mais fácil que ele comece o processo lendo os livros básicos do D&D 4 e mestrando aventuras que nós temos acesso através do D&D Insider do que imprimir o OSRIC e procurar por aventuras old-school que ele possa mestrar. Apesar de eu ter coletado um bocado de coisas do AD&D, não me empolga muito a idéia de um adolescente usar minha cópia do Village of Hommlet ou emprestar minha primeira impressão do Livro do Jogador de AD&D; ambos já foram usados o suficiente nas últimas décadas. O D&D 4 é algo que é de fácil acesso (a gente tem até mesmo os livros básicos que compramos com o dinheiro do clube) e algo que meu(s) mestre(s) em treinamento pode(m) facilmente investir por conta dele(s), se ele(s) quiser(em). Além disso, é um jogo que também está disponível em várias outras linguagens, algo que é importante já que 75% dos membros do clube não têm inglês como língua nativa.

Ainda mais importante que isso entretanto é o fato de que os estudantes, no geral, preferem o D&D 4 do que o “old school”. Eles cresceram ao lado dos filmes de cinema, com ação e aventura e muita grana para gastar em efeitos especiais. E isso é D&D 4 purinho. Eu percebi também que a falta de opções claras no AD&D desincentiva jogadores mais novos, especialmente aqueles que estão tentando jogar de conjuradores. Não me levem a mal, nós nos divertimos bastante com OSRIC e ToEE, mas a maioria das crianças que jogaram tanto o D&D 4 quanto o AD&D me disseram que gostaram bem mais do D&D 4 porque é “mais excitante”.

Alguns deles notaram também que no D&D 4 os conjuradores de nível baixo são muito mais interessante e jogáveis que os do AD&D, onde um conjurador é efetivamente apenas um guerreiro horrível que consegue lançar uma magia ou duas antes de se esconder em algum canto. Todos os conjuradores do nosso jogo de OSRIC notaram/reclamaram sobre o quão ineptos eles são enquanto reais praticantes de magia. Eu tenho certeza de que essa foi uma das razões pela qual o estudante que estava jogando como Xander decidiu parar de jogar – uma vez que ele usava as duas magias diárias do Xander (que eu aumentei do usual de uma magia por dia), ele se sentia um ninguém. A idéia de que “algum dia, você vai ser muito poderoso” não cativa muitos jogadores, especialmente se esse dia chegar só depois de 6 ou 12 meses.

Publicado originalmente em 28/03/2010  (925 leituras)
Tradução: Vinicius Alvim
Equipe REDERPG
Scoop: Lúcio Nöthlich Pimentel
Fonte: Gaming Brouhaha

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8 Comments
  1. Dá pra fazer isso até com 3D&T ou 3:16, Gurps ou Savage Wrolds… Isso não torna 4ed edição flexível…

  2. É relativamente fácil para um mestre experiente adaptar qualquer sistema de jogo e “flexibiliza-lo” à força se for preciso, acrescentar e retirar regras, criar novos conceitos.

    Mas é algo trabalhoso, e hoje em dia os jogadores e mestres querem coisas um pouco mais “redondas”.

    Se for para pegar um jogo novo e adaptar tudo, é melhor ficar com o antigo.

    Particularmente, foi isso que fiz com o D&D, que continuei jogando a versão 3.5, pois vi que se usasse a quarta edição teria que adaptar muita coisa e usar tantas regras alternativas que descaracterizaria tudo o que o livro mostra!

  3. Concordo com o autor do texto. Jogo como mestre de D&D desde a caixa vermelha da Grou e quando mestro para novos jogadores eles gostam da 4e. Mesmo aqueles jogadores que estão comigo a muito tempo, e que ainda gostam e jogam a 3.5e, são unanimes em destacar a melhora nos conjuradores. Antes ninguém queria jogar com um mago, sempre era NPC, agora já temos representantes dessa classe na campanha. Outro ponto positivo, é a possibilidade de fugir da formula antiga de D&D (um grupo era obrigado a ter um clérigo, um mago e um ladrão), agora jogamos aventuras na era hiboriana e temos um grupo todo de classes marciais, o mesmo vale para dark sun e ravenloft. Não dependemos mais do clérigo ser colocado em ambientações de maneira forçada apenas para ter cura para os jogadores.

  4. Nossa A graça do D&D pra mim sempre foi depender de um clérigo e de um ladrão… Por isso eu digo, a 4ed não entra no meu conceito de D&D não mesmo… Jogo AD&D até hoje e sempre temos conjuradores, essa complexidade e esse modo diferente de jogar com conjudadores que fascina meu grupo… Enfim, visões diferentes de um mesmo jogo…

    • Concordo. O jeito D&D de jogar sempre foi jogar como um time, cada um bom numa coisa. E juntos eles conseguem realizar prodígios. Se qualquer um se cura fácil, pra que essa classe então? Nas minhas campanhas sempre teve ao menos um mago ou feiticeiro.

      • Mas vcs estão vinculando a classe ao papel que ela desempenha.
        Hoje vc tem classes que desempenham o papel do clérigo, que é curar, sem ser vinculada a classes de poderes divinos.
        O mesmo para o Mago.
        Eu posso ter o papel do Healer sendo uma classe marcial, divina, primal e assim por diante.
        Da mesma maneira (de forma mais simplista) que druidas, paladinos, rangers e outras, em algum momento, tinham magias de cura, ou até mesmo um ladino ou bardo com uma varinha….

        • Em uma edição antiga nunca que um Paladino teria o papel de curar, nunca… Um paladino Só ganha magias de cura no 9º nível assim como o Ranger (ao menos na edição que eu jogo, o AD&D 2ed), e o toque da cura do Paladino só 2PVs/nível e deve ser usado todo de uma vez… Então….
          Não estou falando que as ediões novas estão erradas só digo que essas não estão dentro que eu busco em D&D, não quero um D&D que um gurreiro ou sei lá o que tenha o papel de um clérigo, ou mesmo que um grupo não dependa de um ladino…
          Inclusive no AD&D a tensão aumenta demais quando o grupo não tem um ladino, narrei uma campanha de 3 anos e meio de Ravenloft no AD&D 2ed e o grupo não tinha clérigo, o jogo era muito tenso, os combates eram evitados ao extremo, chegamos a ficar 6 meses sem um combate se quer, e o jogo fluía de boa, mas muito, muito tenso… Assim como no atual não temos um ladino, tenso demais… Isso que eu busco em D&D, é isso!

  5. Eu comecei jogando o AD&D 2ª, depois fui para a 3.0, 3.5 e agora estou no Pathfinder. Eu vi apenas um pedaço dessa evolução do sistema, mas, acho que posso dizer que eles tem buscado certamente dar mais opções de ação e sobrevivência para as classes, isso quebra um pouco no meu ver a questão do “role”, passa a ser apenas uma questão de estética.

    Tem um lado prático nisso muito bom de fato, e é uma linguagem realmente mais moderna, que dialoga com os filmes e jogos que o pessoal jovem vê, mas, não sei se pela minha idade, eu estou satisfeito com a versão 3.5 (Pathfinder no meu entendimento). É uma edição que para mim conversa bem a singularidade das classes com o real poder de fazer alguma coisa legal.

    Eventualmente uma regra ou outra pode parecer ruim quando nos deparamos com um sistema mais novo, mas, isso é algo que um narrador experiente consegue driblar, acho que não há necessidade de se comprar todo um sistema novo para isso.

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