D&D Next: Resenha do novo Player’s Handbook

A Wizard of the Coast não é responsável pelas consequências de dividir o grupo, aceitar convites de jantar de um bugbear… enfurecer um dragão de qualquer natureza ou dizer “sim” ao Mestre de Jogo quando ele perguntar “Você tem certeza mesmo?”

Com esse declaração (disclaimer) eu diria que a quinta edição do primeiro RPG do mundo começou com pé direito. E felizmente a coisa não para por aí!

Players Handbook

O Player’s Handbook (ou Livro do Jogador) é o primeiro dos três manuais essenciais para jogar a quinta edição do D&D e foi oficialmente disponibilizado na GenCon 2014. E depois de muitos meses de playtestes, da versão básica em .PDF (D&D Basic Rules) e da caixa básica (Starter Set), tudo indicava que não haveria grandes surpresas. E de fato não houve: mas várias e agradáveis pequenas surpresas completam esse que pra mim já desponta como uma das mais promissoras, senão a mais, versão de D&D! E espero que essa introdução tenha deixado claro que a resenha que se segue é redigida na ótica de alguém que gostou bastante da nova edição…

O estilo da arte muitas vezes lembra os grandes momentos do AD&D.

O estilo da arte muitas vezes lembra os grandes momentos do AD&D.

O LIVRO

O Player’s Handbook (PHB) é um belíssimo tomo de 320 páginas, 100% colorido, capa dura e com papel de excelente qualidade. Nada menos que o esperado para qualquer livro de RPG de ponta. Mas soma-se a esse conjunto uma diagramação muito amigável (realmente agradável de se ler), uma ótima organização de capítulos e ilustrações de excelente qualidade (num misto do estilo clássico da década de 1980, com toques da pegada do estilo atual videogame/anime).

Outro exemplo de ilustração bastante evocativa, daquelas que dá vida a um mundo!

Outro exemplo de ilustração bastante evocativa, daquelas que dá vida a um mundo!

O CONTEÚDO

Além do prefácio, que faz uma justa homenagem às lendas das primeiras edições e conta um breve histórico do D&D, e da introdução – que é bem sintética e tem como ponto positivo já ir resgatando desde as primeiras páginas os famosos mundos de aventuras descritos ao longo de 40 anos de jogo – o livro propriamente dito se divide em 3 partes:

Parte 1 – Personagens

A primeira das três, ocupa pouco mais da metade com livro, com pouco mais de 160 páginas. Ela se dedica a criação de personagens em 6 capítulos:

Capítulo 1: Step-by-Step Characters” mostra a criação de um personagem. E não se trata de um Zé Ninguém: os exemplos são dados com Bruenor, anão velho conhecido dos jogadores e leitores de Faerun/Forgotten Realms. Esse aspecto reaparece ao longo do livro, que utiliza suas “celebridades” ao invés de criar novos personagens icônicos (que aliás, deu muito certo em Pathfinder). De destaque, o padrão para definição dos atributos (ability scores) passa a ser utilizar um conjunto de números pré definidos (15, 14, 13, 12, 10 e 8), apesar do possibilidade de comprar com pontos e a velha rolagem de dados (4d6 e descatar o pior) ainda serem possíveis. Mesmo com a emoção de rolar os dados, essa me pareceu uma opção extremamente apropriada para ser utilizada como padrão. Há um grande esforço para manter o equilíbrio das classes entre si e dos personagens dos jogadores com o cenário: um PC com atributos extremos certamente quebra ainda mais o sistema do que fazia anteriormente (mais disso a frente!)”

Capítulo 2: Races” descreve as raças principais utilizáveis pelos jogadores. E todas estão mais poderosas! Primeiro, não há atributos negativos. Todas as raças recebem no mínimo um +2 em um dos atributos, com alguns recebendo em dois! O padrão mesmo é +2 no atributo principal e +1 no secundário (como no caso do alto elfo, que recebe +2 em Destreza como todo elfo e +1 em Inteligência por ser alto elfo). A exceção são os humanos: eles recebem +1 em todos os 6 atributos na opção padrão. As raças comuns são tradicionais: anões, elfos, halflings e humanos. As raças incomuns, que ganham uma tabela lateral para falar um pouco de como o mundo reage a essas raças não dominantes, temos os dragonborn, gnomos, meio-elfos, meio-orcs e tiefling. Destaque para o fato dos meio-elfos realmente serem tratados como algo raro e o livro chamar a atenção que personagens jogando com dragonborns, tieflings e meio-orcs serão alvo de tratamento diferente (leia-se, preconceito!). Muitas das raças ainda tem sub-raças, como os anões da colina e da montanha. Um exemplo de como todas raças estão mais poderosas? Os drows são disponibilizados como sub-raça élfica no primeiro nível…

Capítulo 3: Classes” certamente o capítulo mais aguardado, ele não decepciona. Com lindas imagens de página inteira (lembrando bem o AD&D segunda edição), ele apresenta as classes disponíveis com suas respectivas habilidades. Bárbaro, bardo, bruxo, clérigo, druida, feiticeiro, guerreiro, ladino, mago, monge, paladino e patrulheiro são as opções. A partir do terceiro nível, como vislumbrado no Basic Rules, as classes passam a ter acesso a “subclasses”, arquétipos que recebem nomes diferentes para cada classe (colégios para bardos, domínios para clérigos, escolas de magia para magos, arquétipos marciais para guerreiros, votos sagrados para paladinos…). Fica claro que os personagens dos jogadores realmente são personagens capazes, em geral com uma boa gama de habilidade. Diferente de outras edições, eles são bem eficientes já no primeiro nível, mas nada comparado a quarta edição (estão entre a quarta e a terceira, bem mais para terceira…).

PHB 3

Capítulo 4: Personality and background” trata sobre características que definem, como diz o nome, a personalidade dos personagens dos jogadores e seu passado. O background oferece mais duas perícias que permitem uma gama nunca antes vista de combinação aos personagens, ampliando muitíssimo a diversidade de conceitos. Agora podemos ver um guerreiro que bate carteiras e se esconde em becos (e faz isso bem!), ou um mago trambiqueiro, que bate carteiras e faz cara de paisagem (wizard com background charlatan), além de combinações que antes poderiam exigir um multiclasse, como o fighter outlander, que além de descer porrada se vira muito nos ermos (perito em Survival e Athletics). O background realmente é uma ótima sacada, mas a melhor do capítulo mesmo está no uso das características pessoais. Cada jogador escolhe 5, sendo 2 características de personalidade, 1 elo (bond), um ideal/crença (ideal) e um defeito (flaw). A cereja do bolo é a regra de inspiração: seja por boa interpretação ou por fazer valer um defeito que prejudica seu personagem, o jogador recebe um ponto de inspiration, que pode anular uma desvantagem ou conceder uma vantagem em qualquer jogada. Em outras palavras, eles trouxeram um pouco do FATE pro D&D (5 aspectos e ainda ganha FATE point para re-rolar o dado!).

PHB 4

O “Capítulo 5: Equipment“, além de lindamente ilustrado, é um bom retrato do livro: enxuto e direto, corta tudo que é gordura de edições anteriores. A tabela de armas e armaduras é pequena e não adianta ficar garimpando as melhores opções: as armas são parecidas entre si e as armaduras são caras demais pros primeiros níveis. Destaque para as ferramentas de profissão (profissional tools), que vem junto com o background e substitui perícias como craft ou professions de versões anteriores. Para abrir fechaduras, por exemplo, você não usa open lock: você usa suas thieving tools, que permitem que some seu bônus de proficiência ao teste de atributo. Simples assim!

O “Capítulo 6: Customization Options” engana um pouco. Ele apresenta mesmo só duas opções, que são as regras para multiclasse e as regras para talentos (feats). O multiclasse parece bem menos atraente, mas ainda tem combinações que muito estrategista vai usar. Um nível de bárbaro realmente parece irresistível para guerreiros, considerando os benefícios que me pareceram exagerados da rage (melhor que stoneskin!). Mas os feats, nossa, esses sim valem o capítulo. Eles são realmente definidores de personagens, bastante mais poderosos que anteriormente (combinação de 2 ou 3 feats anteriores) e propiciam habilidades realmente únicas! Apesar de tratados como regra opcional, eles parecem perfeitamente equilibrados e complementam muito bem as opções de criação de personagens. Sharpshooter e Great Weapon Master certamente vão estar em quase todas as mesas.

Em suma, a Parte 1, que é o coração do livro, cumpre muito bem sua função: permite a criação de personagens bastante individualizados, interessantes e heroicos. A combinação de raças e sub-raças, classes e arquétipos, background e feats permitem um nível de customização jamais vista em D&D! Some a isso as características pessoais e teremos muitos personagens interessantes nascendo nas nossas mesas!

Parte 2 – Regras

A segunda parte do livro tem 3 capítulos, todos versando sobre as regras do jogo. E como deveria ser, elas são poucas! Viva! Trinta páginas no total! E todas com conteúdo idêntico ao do D&D Basic Rules. Ou seja, você já sabe as regras do jogo sem precisar comprar o PHB! São eles: 7 – Using Ability Scores; 8 – Adventuring; 9 – Combat. Como eles estão disponíveis para quem quiser ler, só um breve resumo.

Todo o jogo agora é baseado nos testes de atributo, que seguem o padrão usual de bônus e penalidade dependo do valor (mesma progressão da terceira e quarta edição, com +1 para cada 2 acima de 10). A grande mudança é que agora você soma o bônus de proficiência (proficiency) ao teste, um número que é igual para todas as classes e sobe com o passar de nível. Mas sobe pouco e esse é o ponto! No D&D 5th, o dado sempre vai importar, porque sua proficiência sempre será baixa e a progressão dos atributos nunca foi tão importante. Por exemplo, no nível 20 o bônus de proficiência é +6. Se você tem uma boa Destreza, digamos 16, seu teste será um +9 (+3 somado +6). Bem diferente da terceira edição e do Pathfinder RPG, não? (No nível 10 tinha PC rolando com +20 fácil!!). Por isso, discuta seriamente entre os jogadores rolar ou não os dados para definir atributos. Um PC que rolar um 18 será muito desproporcional ao grupo médio…

Além dessa mecânica simples, os redutores foram bastante simplificados (aqui a herança foi certamente de Mutants & Masterminds!), com uma novidade já citada: vantagem e desvantagem. Uma situação que claramente deixe o jogador numa situação favorável oferece vantagem a seu teste: ele joga dois d20 e escolhe o melhor. No caso de desvantagem, o oposto: escolhe o pior. Muito simples e elegante!

PHB 5

Parte 3 – Magia

A parte 3 é dedicada a magia, com explicações de como ela funciona no capítulo 10: Spellcasting e da famigerada e saudosa lista de Magias no capítulo 11: Spells. Novamente, grande parte dessas informações já estão disponíveis no D&D Basic Rules, assim como um grande número de magias icônicas. Voltamos à fórmula clássica de fazer magias, com o lance de memorizar e o número de magias diárias determinadas por círculo, mas com algumas diferenças bem legais, que tornam a coisa bem mais interessante, como gastar slots e não magias decoradas. Por exemplo, um mago com 3 slots de terceiro nível e com fireball, haste e fly decoradas não necessariamente tem uma de cada: ele pode gastar seus slots todos em 3 fireballs, ou fazer 2 amigos voarem e acelerar o bárbaro, ou qualquer combinação disso. Ou seja, mais uma vez, maior liberdade de escolha para os jogadores.

Particularmente, o que mais me agradou foram que as magias já começam o jogo muito eficientes, mas perdem a progressão em relação a versões anteriores do D&D em níveis mais altos. Nada de efeitos save or die, por exemplo. E os danos estão mais lineares. Ou seja, parece que os magos não quebram o jogo quando pegam suas magias de sexto nível (continuam bem poderosas, mas menos onipotentes!).

Por fim, ainda existem apêndices, e todos eles muito úteis. São 5, numerados de A a E. Meu preferido é o das “Conditions”, aliás, com ilustrações muito engraçadas. Já estou vendo surgindo as cartas de Conditions (e eu comprando!). “B – Gods of Multiverse”, “C – The Planes of Existence”, “D – Creature Statistics” e “E – Inspirational Reading” completam o livro. Nenhum indispensável, em especial porque o apêndice D é muito ruim! O PDF disponível na Wizard gratuitamente do Hoard of the Dragon Queen é bem mais útil, com uma seleção bem superior de monstros e adversários.

Concluindo, muita água ainda vai rola e precisamos esperar especialmente para ver as questões de equilíbrio e as erratas, mas certamente o Player’s Handbook é uma aquisição que vale cada um dos seus 50 dólares. Ele mantém mecânicas que fizeram o D&D ser o que é, enxugou muitas regras, inovou e aprendeu com outros RPGs e muito provavelmente vai voltar a ser “the system to rule them all!”

Notas (de 1 a 6)
Layout/Arte:
6 (acerto crítico!)
Texto: 5 (ótimo)
Conteúdo: 5 (ótimo)
Nota Final: 5 como livro de RPG, 6 como grande retomada ao que faz do D&D… D&D!

Resenha de Leonardo Paixão

PHB 6

 

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