Chamado de Cthulhu: Além da Sanidade

A primeira coisa que vem à mente quando se fala em Cthulhu é a (in)sanidade. Não é para menos, a mitologia construída por H. P. Lovecraft tem como seu principal fundamento a loucura que o contato com o Mythos (nome dado ao conjunto de seres e divindades que integram o universo lovecraftiano) certamente causará às frágeis e incautas mentes humanas. Da mesma forma, sistemas de RPG voltados para este cenário, como Chamado de Cthulhu, Rastro de Cthulhu, Cthulhu Dark, entre outros, trazem mecânicas para traduzir essa perda gradual do domínio de si tão comum e esperada por seus jogadores.

Mas nem só de loucura e manicômios vive o RPG cthulhiano. Neste artigo, veremos seis outros assuntos que podem ser abordados e explorados a fundo em campanhas no universo de Cthulhu, paralelamente ao tema da perda de sanidade. E em cada um destes assuntos, um pequeno gancho de história para usar nas suas mesas.

Investigação

Histórias de investigação são um dos pilares do universo de H. P. Lovecraft, tanto na obra ficcional quanto no RPG. É um cenário cheio de mistérios, acontecimentos intrigantes que convidam os personagens a olhar mais de perto e descobrir o que raios está acontecendo. Muitos plots de RPG podem começar com assassinatos, roubos, desaparecimentos e outros eventos a serem investigados pelos jogadores. Por isso mesmo é muito comum que os jogadores criem seus personagens com profissões ligadas a perícias investigativas como policiais, detetives particulares, jornalistas, etc. Séries de televisão como Arquivo X, Fringe e até mesmo Supernatural podem ser boas fontes de inspiração.

Gancho: Sete corpos são encontrados em um depósito localizado no subsolo de um coreto em uma pracinha. Com exceção de um, todos os corpos estavam completamente depilados e dispostos no chão formando o que parece ser uma estrela de sete pontas incompletas. O sétimo corpo estava caído em um canto.

Feitiçaria

A magia está presente no Mythos e ela é perigosa. Ela anda de mãos dadas com a ideia da perda de sanidade, já que conhecer, estudar e praticar os feitiços existentes desafia a lógica e abala a mente profundamente. Mesmo assim, a magia pode ser muito útil aos personagens; os feitiços criados e praticados pelos cultistas são tão poderosos que talvez valha a pena aprender um deles, mesmo que isso um dia o leve a vestir uma camisa de força. O Mestre/Guardião pode implementar o cenário de sua campanha com livros antigos, tomos secretos, grimórios e pergaminhos para dar um sabor mais místico à história, ou até mesmo fazer desses feitiços o foco de uma campanha. Além da perda de sanidade que eles podem provocar, os feitiços podem colocar os jogadores em conflitos morais e éticos, dependendo dos elementos necessários para performar determinada magia, como pactos, sacrifícios, canibalismo e outras coisas desagradáveis.

Gancho: O reitor emérito de uma grande universidade morre após anos em coma. Na leitura de seu testamento, ele destina todos os seus bens a esta universidade, exceto um: um baú, que deve ser repassado a seus netos, contendo um antigo pergaminho selado.

Teorias de Conspiração

Os conhecedores do Mythos de Cthulhu sabem: eles estão por toda parte. Aqueles que dedicaram suas vidas aos seres profanos em troca de poder estão espalhados pela sociedade, ocupando altos escalões de empresas e governos, estendendo seus tentáculos de forma secreta. Ao se deparar com indícios da presença de cultistas em instituições ou por trás de eventos violentos ou catastróficos, os personagens podem entrar numa espiral paranoica sem fim. Os sinais podem estar por toda parte: nos jornais, nas pichações em muros, no guia da TV a cabo ou na rotina daquela vizinha que sempre sai de casa às 20:33 horas.

Gancho: Um jornalista amigo procura um dos jogadores em desespero, pedindo abrigo. Ele afirma que está sendo procurado e que corre risco de vida, pois descobriu e pode provar que o recente surto de febre amarela surgiu de experimentos que envolvem cruzamentos de espécies, realizados pelo governo.

Costumes de Época

As histórias sobre o universo de Lovecraft podem ser contadas em qualquer época, mas é costume ambientá-las em datas antigas, como o início do século XX, época em que as histórias escritas por H. P. Lovecraft se passavam. Isso é uma rica oportunidade para conhecer e explorar culturas passadas. Os jogadores poderão viver, por exemplo, um pouco da Nova York dos anos 1920 e saborear as novidades como automóveis, telefones e rádio, ouvir jazz e envolver-se em brigas com gangues comandadas por mafiosos. Ou conhecer a Europa no período entre as duas Grandes Guerras, com o antissemitismo crescente e a paz ainda muito instável. Ou ainda ir mais longe e descobrir como o cosmopolita Império Romano lidou com a presença dos Grandes Antigos.

Gancho: O astro do jazz, Duke Ellington, se apresentará em um grande baile no Elysium Club, o que é uma ótima oportunidade para infiltrar-se no clube e descobrir se são verdadeiras as suspeitas que recaem sobre Terrance “Blinky” Miland, novo ricaço do Harlem.

Mitologias

Muitas das criaturas presentes no Mythos fazem parte de mitologias antigas, seja por inspiração ou até por referência direta. Usar esse background mitológico pode enriquecer suas histórias, dando a elas um ar de veracidade maior. As próprias divindades do Mythos possuem correlações com deuses de mitologias antigas. Um bom exemplo é Nyarlathothep, que pode ser identificado com entidades como Thoth (mitologia egípcia), Hermes (mitologia grega), Exu (mitologia iorubá), Papa Legba (vodu haitiano), etc. Um porém: muitas dessas divindades estão relacionadas com crenças religiosas praticadas hoje em dia. Se pretende usar essa relação sincrética dos deuses lovecraftianos, verifique antes se isso não irá ofender as convicções religiosas de algum dos jogadores.

Gancho: Um historiador viajou para o Peru para estudar um novo campo arqueológico onde acredita-se havia uma espécie de centro religioso dedicado a Pachamama, deusa da fertilidade dos povos indígenas dos Andes. Ele foi encontrado morto no dia 1º de agosto, enforcado em seu alojamento. Em sua pele, vários escritos indecifráveis e desenhos parecidos com cabras.

Horror Pessoal

A verdade sobre as entidades cósmicas e o contato com elas certamente causará horror aos personagens, tanto pela enormidade que elas representam quanto pela pequenez e insignificância da humanidade que elas revelam. Explorar as consequências disso no cotidiano, nas escolhas, no questionamento de valores e nas atitudes pode ser tão pesado quanto fazer alguém se defrontar com as criaturas terríveis de Lovecraft – talvez até mais. As histórias podem levar os jogadores a agir de forma contrária a suas crenças e depois serem atormentados pelo remorso; as condições de medo e estranhamento desse horror que vem de fora influenciam a alma dos personagens enquanto eles assistem à sua própria degradação, sem poder fazer muito para freá-la.

Gancho: As investigações sobre um possível culto recém-surgido na cidade estavam indo muito bem, até que indícios levam a crer que a esposa de um dos personagens está envolvida com essas atividades profanas.

Por Jã
Equipe REDE
RPG

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