Blades in the Dark RPG (resenha)

Você tem jogadores cujos maiores obstáculos são o planejamento das suas ações, tomadas de decisões e/ou se preparar para as sessões? Você gostaria de participar de um jogo sobre crimes e intrigas? Blades in the Dark é o RPG pra você! O sistema foi montado para que os jogadores, nas palavras do próprio John Harper: “jogue com seu personagem como se estivesse pilotando um carro roubado!” Ou seja, espere momentos de ação explosiva e caótica, tudo num pacote bem amarrado com um belo laço de improvisação.

O cenário de Blades, Doskvol, é fascinante e mistura vários elementos, muitos deles familiares para conhecedores do videogame Dishonored. Em resumo, você joga com criminosos aprisionados numa cidade industrial mal-assombrada com muralhas de eletricidade abastecidas por sangue de demônios abissais.

O grupo escolhe quais elementos explorar, desde os sobrenaturais e góticos cultos de deuses esquecidos que tiram o poder de sacrifícios de vidas (ou almas), até a ficção científica, que lembra um pouco Frankenstein, na qual você possui eletricidade gerada de eletroplasma e fantasmas de pessoas ou leviatãs, demônios do fundo do mar, cuja coleta de sangue muito se assemelha às práticas baleeiras. Há muito tempo, os portões da morte se estilhaçaram, assim como o sol, deixando o mundo em sombras perpétuas. O sistema é corrupto, todos são vampiros, alguns não metaforicamente, e os mais explorados são os piores sanguessugas nesse mundo. E este será o playground do seu Bando.

Como na maioria dos RPGs considerados narrativistas, alguns elementos de Blades são mais fáceis de assimilar para iniciantes do que para quem o encara vindo de sistemas mais famosos. Comecemos pela rolagem de Ação, que são as mais comuns. O sistema é baseado em Ações (pense em perícias) que indicam quantos d6 você rola para superar obstáculos, sendo sempre o jogador que escolhe que perícia usar para se livrar de, digamos, casacas azuis, os guardas de Doskvol. Então, o Mestre (que raramente rola dados) estabelece mecanicamente uma Posição e um Efeito à rolagem: “Se Esgueirar na viela escura te deixa numa posição Controlada, mas você está carregado de jóias, logo o barulho faz seu efeito ser Limitado. Talvez Adulterar uma lamparina próxima como distração seja mais Arriscado porém efetivo, com um efeito Padrão”

As mecânicas de posição informam ao jogador o quanto eles estão apostando em cada ação, enquanto o efeito determina qual a potencial recompensa que uma abordagem pode possuir, pintando um contexto que por vezes te permite reformular as ações para receber o resultado que você deseja. Além disso, a filosofia de “aja agora e planeje depois” é muito bem traduzida nos flashbacks, que acontecem como nos filmes de golpes tais como Truque de Mestre e Onze Homens e Um Segredo: sempre que desafiados por algo inesperado, os jogadores podem optar por voltar no tempo e possuir quaisquer contingências que quiserem, pagando um número de stress atrelado à dificuldade das ações. Isso impede que os jogadores passem horas se preparando para situações que muitas vezes nunca ocorrem e dão destaque à eficiência de seus personagens como vigaristas intrépidos.

Inicialmente é estranho notar que as dificuldades são padronizadas e apenas sua reserva de dados rolado aumenta, mas tudo passa a fazer sentido quando você vê que mesmo ações nas quais você possui o máximo de dados possuem um risco de falha, a qual varia desde tornar a situação mais desesperadora e intensa até a incapacitação ou a eventual morte do personagem. Afinal, em Blades, o Bando dura mais do que os personagens, que são apenas combustível para o decrépito e opressor mundo de Doskvol, mesmo após a morte, e sim, você pode jogar com fantasmas!

Outro tipo de rolagem que incrementa as narrações é a de Resistência. Usando um “pontos de protagonismo” chamados de Estresse, o jogador intervém na descrição de uma consequência ficcional usando sua Valentia, Esperteza ou Convicção, que são os três atributos nos quais as perícias se dividem, e corresponderia aos testes de salvaguarda de D&D. Uma dica aos jogadores: quanto mais perícias você treinar, melhores suas rolagens de Resistência. Essa mecânica é ótima para cimentar o quanto os personagens são competentes, o que adotei na maioria das mesas que eu narro atualmente, e evita aquela frustração do seu personagem extremamente furtivo que tem aquela falha crítica no pior momento possível.

Além disso, não existem pontos de vida como uma mecânica unificada para personagens e inimigos: para personagens de jogador, há níveis de ferimentos que penalizam cumulativamente para ações que envolvam lidar com os ferimentos, até que o personagem precise de ajuda para realizar qualquer Ação. Para recuperar ferimentos, os personagens gastam as limitadas ações de Folga, mas elas também podem ser gastas para fazer de tudo, desde projetos de longo prazo de naturezas diversas, até mesmo satisfazer seus vícios, que todos possuem, para recuperar seus essenciais pontos de Estresse.

Já para oponentes, uma curiosidade: inimigos comuns ou fáceis de derrotar podem ser derrotados com apenas uma ação, dependendo do quanto difícil pode ser derrotar cada pessoa. Os Relógios, que os jogadores adoram, representam toda sorte de obstáculos e processos que estão em andamento, mas que não podem ser superados com apenas uma ação e/ou rolagem, e múltiplos relógios costumam ser postos na mesa ao mesmo tempo. Quanto mais segmentos tiver o relógio, mais difícil ele é de completar, sendo que “fugir dos casacas azuis”, “conquistar a confiança da nobre arisca” ou “derrotar Setarra, demônio ancestral das águas” são todos relógios diferentes que podem ser resolvidos de diversas maneiras, e uma das maiores diversões do jogo é ver os relógios progredirem conforme as ações e suas consequências avançam a narrativa.

Há mais de um jogo ou camada ficcional em Blades. Além das fases de jogo livre, golpe e folga, existem também o jogo que o Mestre participa com os jogadores, e o jogo das diferentes facções com as quais eles se envolvem, algumas das quais estão em guerra umas com as outras. Quando raramente o Mestre rola dados, eles costumam ser dados de sorte, feitos pra saber acontecimentos incertos no jogo, e as facções se atacam com essas rolagens. As mecânicas da disputa de facções é tão fascinante e dinâmica que muitos Mestres de Jogo se sentem tentados a oferecer aos jogadores uma visão do que ocorre por debaixo dos panos.

Outro aspecto em que as mecânicas brilham é o trabalho de equipe. Existem rolagens para Auxiliar, Liderar uma ação como um grupo coeso, e até mesmo preparar a ação de um aliado para que seja menos arriscada ou mais efetiva. Isso tudo em conjunto com as habilidades especiais de cada tipo diferente de bando, sejam eles contrabandistas, assassinos ou cultistas, que possuem suas próprias fichas e avanços como se fossem personagens.

Mas se o narrador não rola dados, qual o papel dele nesse sistema? Bom, o narrador determina qual a posição e o efeito de cada ação, de acordo com as esquematizações da tabela que, apesar de simples, precisam ser bastante referenciadas até você ter a sensibilidade de pedir ações sem as consultar. O próprio tradutor Nino Xavier deu a dica pros iniciantes no grupo do Facebook: por marcadores de livros nas páginas com as tabelas mais importantes pra você e/ou imprimir os complementos na página da Redbox que, unidos ao SRD, formam uma ótima versão de demonstração do jogo.

Outra recomendação é que o Mestre leia o livro completo antes de jogar o jogo ao menos uma vez, apesar de não ser tão grande nem possuir tantas páginas pros padrões do mercado. Apesar do jogo fluir sozinho após certo tempo, é necessário uma leitura atenta das regras não convencionais do sistema. Uma última dica aos Mestres: o livro possui pouca ênfase na parte de interpretação livre entre as partes de folga e de levantar informações para o próximo golpe, uma vez que ela não é bem expandida no livro. Simples ambientações ou perguntas como “o que seu personagem está fazendo?” ou “como um ex-caçador de leviatãs se sente roubando a própria frota?” podem evitar reclamações como as de fóruns gringos sobre acharem o jogo muito mecânico, ou não saberem bem quais são as apostas em jogo na história de seu bando.

Blades in the Dark é um sistema atual e moderno com um game design digno de John Harper, elegante e dedicado. Considero ele uma ótima forma de sair do mercado mainstream de RPGs, e o recomendo a todos que queiram experimentar um jogo diferente.

Por Guilherme Matos
Equipe REDE
RPG

A Redbox já disponibilizou online o SRD (System Reference Document, Documento de Referência do Sistema) de Blades in the Dark, que pode ser conferido no link a seguir:

redboxeditora.com.br/blades-in-the-dark-srd

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