Onde está o herói?

Resumo:

O artigo aborda a busca a figura heróica nas personagens de RPG. O autor postula como sua premissa inicial a noção consensual de praticantes[1] e editoras de RPG de que as personagens dos jogadoes são figuras heróicas. A busca começa quando ao aplicar o RPG para fins educacionais, o autor se depara com alunos criando personagens que se distanciam do que ele e outros praticantes de RPG reconheciam como figuras heróicas. É feita uma análise da figura do herói pelo imaginário descrito por Joseph Campbell em “The Hero with a Thousand Faces” e pelo simbólico no texto “Totem e Tabu” de Sigmund Freud. O desenho Hércules, da Disney, é usado para ilustrar algumas dos pontos discutidos. Uma primeira formulação simbólica das figuras do herói e do tirano é feita.

O autor retorna então para o RPG, passando um olhar breve pelas histórias em quadrinhos americanas de super-heróis devido à influência destas sobre o imaginário da maioria dos praticantes de RPG. Mantendo em mente a formulação simbólica, o autor introduz alguns questionamentos, procurando a noção consensual de herói e vilão subjacente ao discurso normal dos praticantes de RPG. Buscando contrapô-las à formulação teórica obtida e às questões de indivíduo e grupo, sujeito e outro.

O artigo não visa esgotar a questão ou trazer conclusões, sendo um primeiro ensaio exploratório sobre o tema, cuja finalidade é apontar possíveis desdobramentos para estudos dos papéis simbólico, consensual e de imaginário do herói nas personagens de RPG.

Palavras-chave: herói, tirano, imaginário, simbólico, consenso, pai primevo.

 


 

Existe um consenso entre os praticantes de RPG (Role Playing Game) que as personagens por eles criadas e interpretadas são figuras heróicas. Podemos observar uma referência explícita a isso nos livros de RPG um pouco mais antigos:

“(…) um centésimo da população tem o potencial de ser um herói, alguém maior que a vida, cuja memória continuará após a sua morte. Estes párias idolatrados são os “aventureiros”, indivíduos cujas capacidades são maiores que as das pessoas normais. Os personagens vividos pelos jogadores fazem parte deste seleto grupo e por isto exercem profissões especiais, profissões de ” aventureiros”.
TAGMAR, pg 5. 1991.

 

“Ao final de cada aventura, os heróis vividos pelos jogadores incluem mais uma lista de glórias ou tragédias à história de suas vidas.”
TAGMAR (1991:107). [cenário de fantasia medieval]

“Paradoxically, these characthers who are the paragons of tragic evil, have the potential to become heroes of uncommom valor. They are evil, not because of who they are but because of what they are. As drinkers of blood, they possess the taint of evil. They are tragic because they care about their evil but can ultimately do nothing about it. The characters in Vampire are expected to be heroes – they must care about what they have become and about what they may soon be.” [2]
Vampire: the Masquerade. (1992:25) [no qual as personagens são vampiros.]

Nos livros de RPG mais recentes essa referência muitas vezes não vem de forma tão explícita, preferindo-se colocar as personagens como protagonistas das histórias. Ainda assim, numa análise um pouco mais profunda, observamos que ela não é abandonada, basta contrapor os protagonistas aos antagonistas – identificados como vilões.

“Standard characters are good or neutral but not evil. Evil alignments are for villains and monsters.” D&D Players Handbook pg. 87.

“Good characters and creatures protect innocent life. Evil characters and creatures debase or destroy innocent life, whether for fun or profit. (…) People who are neutral with respect to good and evil have compuctions against killing the innocent but lack the commitment to make sacrifices to save or help others. Neutral people are commited to others by personal relationships.”[3]
D&D Players Handbook (2.000: 88) [cenário de fantasia medieval]

Mesmo no RPG brasileiro “Era do Caos”(1997) que apresenta um cenário de um Brasil no futuro próximo de realismo fantástico e forte tensão social, esse consenso não é abandonado. O personagem apresentado no exemplo do capítulo de “Criação de Personagem” é Pedro, um policial honesto e dedicado. No capítulo de “Histórias” um dos possíveis inimigos das personagens é o crime organizado, mostrado como uma força negativa.

Algumas editoras de RPG tem personagens importantes na cronologia de seus mundos fictícios, os quais aparecem em romances, aventuras prontas ou exemplos de regras. Novamente, a personagem pode não parecer essencialmente heróica, mas seus atos são no julgamento dos praticantes de RPG em geral. Como atos dizem mais que palavras…

Na minha experiência de 10 anos como praticante de RPG, pude observar várias sessões de RPG e ouvir os comentários de inúmeros praticantes sobre seus personagens. A grande maioria ou era explicitamente heróica ou realizava ações heróicas mesmo que tentasse disfarçar: “meu personagem não é um herói, ele é como o Wolverine. Teve aquela vez que ele sozinho aniquilou um vampiro poderoso para salvar um grupo de crianças…”
Os praticantes adolescentes costumam criar personagens que julgam poderosos e impactantes, talvez como um mecanismo de auto-afirmação. Mas, uma negação total da figura heróica consensual, principalmente por suas ações em jogo, aparenta ser incomum.

Editoras chegaram a apresentar livros e suplementos para personagens opcionais – “vilanescos” ou desumanos. Notadamente a editora americana White Wolf (detentora do RPG “Vampire”) que chegou a criar um selo para essa linha de produtos “sombrios” denominado Black Dog. Houve um grupo considerável de jovens e adolescentes que criou personagens nesse sentido, principalmente para aventuras curtas em que afirmavam ser “divertido jogar com o cara mau de vez em quando.” Normalmente, grupos que queriam experimentar uma campanha “vilanesca” (“para variar”) não se sustentavam em seqüências longas de aventuras ou essas personagens não eram toleradas por muito tempo por grupos de jogadores com personagens “normais”. Seu sucesso era maior em rodinhas de bate-papo de rpgistas do que em grupos efetivos de prática de RPG.

Cedo ou tarde, os praticantes voltavam a personagens que podiam até negar a condição de heróis em seu discurso, mas não em suas ações – pelo menos na visão que tínhamos do que era um herói. Os praticantes Interpretavam personagens que efetivamente combatiam o que reconheciam como o mal e protegiam os inocentes. Sendo, no máximo, neutros como na definição do D&D vista acima, mas raramente malignos.

Aplicando o RPG à educação, tenho observado os alunos criando personagens de forma bem distante do que eu e outros jogadores (ou praticantes) nos acostumamos a chamar de “heróica”. Para melhor avaliar essa questão, devemos ir além da noção consensual e analisar o que é um herói?

Escolhi como fontes de pesquisa o livro “The Hero with a Thousand Faces” de Joseph Campbell[4], o qual trata especificamente da figura do herói no imaginário de vários contextos mitológicos e religiosos, fazendo uma ligação com a psicanálise de Freud e Jung e com referências a Frazer, Müller e Durkheim.; outra fonte de pesquisa foi o texto de Freud, Totem e Tabu. (1913[1912-13]) [5], em que a questão do totemismo e do tabu são por ele analisadas, levando a interessantes desenvolvimentos sobre o papel simbólico das figuras divina e heróica.

Considerando que em nossa cultura o conceito de herói tem firmes raízes na mitologia greco-romana e que a Disney tem uma influência forte sobre o imaginário de crianças e adolescentes, comecei minha análise pelo desenho “Hércules” da Disney – o qual efetivamente se propõe a ter como tema a figura do herói.

“Long ago, in the faraway land of Ancient Greece, there was a golden age of powerful gods and extraordinary heroes. And greatest and strongest of all these heroes was the mighty Hercules.
But what is the measure of the true hero?”
[6]

Essa pergunta que abre o desenho da Disney pode ser igualmente válida para nós. Qual é a medida de um verdadeiro herói? Na cultura americana, o termo “true hero” se enche de forte significado, como os termos “true love, true friendship, true faith”. [7] Uma condição verdadeira, inquestionável, sólida.

Ao longo do desenho vemos a figura do herói ser trabalhada de várias formas, numa brincadeira de paralelos e estereótipos:
A personagem Hércules é um deus que perde sua condição divina e tem de provar ser um verdadeiro herói (true hero) para recuperá-la. A jornada clássica do imaginário do herói é mostrada no descobrir da verdadeira herança e aceite da missão (conversa com Zeus); a jornada para o mundo mágico, o mentor e o treinamento (Filoctetes e sua ilha); a volta para o mundo cotidiano onde o herói exerce sua missão (protege os humanos de monstros e salva o Olimpo).

Vemos um paralelo com o rapaz criado no campo, de sólida formação moral, que vai para a cidade grande obter sucesso. (O meio rural como sendo o ideal para a formação de heróis com sólida formação moral também está presente, por exemplo, na personagem “Super-homem”.)

No desenho do Hércules, também temos uma seqüência de brincadeiras com o herói como astro, figura de sucesso, centro do espetáculo, ídolo e milionário. Não é a toa que em sua canção Filoctetes inclui em seus atributos como mentor ser “… a good merchandiser[8]“. A figura do herói é misturada com a de ídolo na cultura popular: astro dos esportes, música, cinema etc.

Mas, nada disso é o bastante e Zeus diz a Hércules que ser famoso não é o mesmo que ser um verdadeiro herói.

No final do desenho, Hércules recupera sua condição divina ao estar disposto a sacrificar a própria vida para salvar Mégara. Temos então a resposta para a questão inicial do desenho nas falas:

Hera: “- You were willing to give your life to rescue this young woman.”

Zeus: “- For a true hero isn’t measured by the size of his strength, but by the strength of his heart.” [9]

Hércules então decide abrir mão da condição divina para voltar para a Terra ao lado de Mégara, viver seu amor e continuar a proteger os humanos normais dos monstros. Cumprindo a função heróica descrita por Campbell:

“A hero ventures forth from the world of commom day into a region of supernatural wonder: fabulous forces are there encountered and a decisive victory is won: the hero comes back from this mysterious adventure with the power to bestow boons on his fellow man”. Campbell (1973: 30) [10]

Tal resolução, porém, nos leva a outra questão – Mégara também havia sacrificado a própria vida para salvar Hércules. Por que ela não se transformou numa deusa? Não terá sido ela uma “verdadeira heroína”? Vemos então que a questão é um pouco mais complicada que a resolução simples do desenho.

Devemos lembrar que a jornada de Hércules era para recuperar sua divindade perdida. O que é coerente com o pensamento de Campbell:

“The cosmogonic cycle is presented with astonishing consistency in the sacred writings of all the continents, and it gives to the adventure of the hero a new and interesting turn; for now it appears that the perilous journey was a labor not of attainment but of reattainment, not of discovery but rediscovery. The godly powers sought and dangerously won are revealed to have been within the heart of the hero all the time. He is “the king’s son” who has come to know who he is and therewith has entered into the exercise of his proper power – “God´s son”, who has learned to know how much that title means.” [11]

Haveria então alguma relação entre a figura heróica e a divina?

Vamos acompanhar Freud em sua análise sobre o totemismo.

“O totemismo, assim, constitui tanto uma religião como um sistema social. Em seu aspecto religioso, consiste nas relações de respeito e proteção mútua entre um homem e o seu totem. No seu aspecto social, consiste nas relações dos integrantes do clã uns com os outros e com os homens de outros clãs”.
Freud (1986:112)

“Originalmente, todos os totens eram animais e eram considerados como ancestrais dos diferentes clãs. Os totens eram herdados apenas através da linha feminina. Havia uma proibição contra matar o totem (ou – o que em condições primitivas, constitui a mesma coisa – comê-lo).”
Freud (1986:115)

Como seria de se esperar num sistema religioso como esse, existem restrições severas em relação aos totens. Contudo, a relação entre o ser humano e seu totem é mais complexa do que pode parecer à primeira vista.

“A psicanálise revelou que o animal totêmico é, na realidade, um substituto do pai e isto entra em acordo com o fato contraditório de que, embora a morte do animal seja em regra proibida, sua matança, no entanto, é uma ocasião festiva – com o fato de que ele é morto e, entretanto, pranteado.” Freud (1986:144)

Como isso é possível? Celebrar a morte do pai? Para explicar tal situação, Freud nos conta uma história hipotética de um passado em que um pai primevo era o detentor absoluto do gozo. “(…) um pai violento e ciumento que guarda todas as fêmeas para si próprio e expulsa os filhos à medida que crescem.” Freud (1986:145) Os filhos um dia se uniram e atacaram o pai em conjunto, matando-o e devorando sua carne. Porém, logo após esse ato, outros sentimentos vieram à tona.

“Odiavam o pai, que representava um obstáculo tão formidável ao seu anseio de poder e aos desejos sexuais; mas amavam-no e admiravam-no também. Após terem-se livrado dele, satisfeito o ódio e posto em prática os desejos de identificarem-se com ele, a afeição que todo esse tempo tinha sido recalcada estava fadada a fazer-se sentir e assim o fez sob forma de remorso. (…) Anularam o próprio ato proibindo a morte do totem, o substituto do pai; e renunciaram aos seus frutos abrindo mão da reivindicação às mulheres que agora haviam sido libertadas. Criaram assim, do sentimento de culpa filial, os dois tabus fundamentais do totemismo, que, por essa razão, corresponderam inevitavelmente aos dois desejos reprimidos do complexo de Édipo.” Freud (1986:146, 147)

Além dos sentimentos ambivalentes em relação ao pai morto, os irmãos tinham um problema prático: nenhum deles estava realmente em condição de substituir o pai. Eles haviam vencido juntos e juntos tinham força. Os desejos poderiam dividi-los e, caso algum se tornasse novamente o detentor único do gozo, seria morto pelos demais. Para poderem coexistir e evitar que novos assassinatos ocorressem, tiveram de criar uma situação social em que o gozo fosse repartido e ninguém fosse seu detentor único, mas sim de uma parcela. [12]

O totemismo surge então dessa tentativa de conciliação, buscando apaziguar a sensação de culpa em relação ao pai morto e evitar novos assassinatos.

Posteriormente, seguindo o raciocínio exposto em Totem e Tabu, o pai primevo vem a se transformar na figura dos deuses antropomórficos. “Assim, embora o totem possa ser a primeira forma de representante paterno, o deus será uma forma posterior, na qual o pai reconquistou sua aparência humana. (…) A elevação do pai que fora outrora assassinado à condição de um deus de quem o clã alegava descender constituía uma tentativa de expiação muito mais séria do que fora o antigo pacto com o totem.” Freud (1986:151).

O totemismo, como vimos, era um tanto um sistema religioso como social. Portanto, parece claro que mudanças no sistema religioso implicariam em mudanças no sistema social: “O próprio Deus foi sendo exaltado tão acima da humanidade que as pessoas só podiam aproximar-se dele através de um intermediário – o sacerdote. Ao mesmo tempo, os reis divinos fizeram seu aparecimento na estrutura social e introduziram o sistema patriarcal no Estado.” Freud (1986:152)

O pai primevo transforma-se no totem, que transforma-se nos Deuses ou Deus, dando origem aos sacerdotes e aos reis-divinos. Aqui cabe uma observação da relação de chefes ou reis com a divindade e os tabus que pode ser lida nesse mesmo texto. Primeiro, vamos dar uma rápida olhada no conceito de tabu:

“A palavra ‘tabu’ denota tudo – seja uma pessoa, um lugar, uma coisa ou uma condição transitória – que é o veículo ou fonte desse misterioso atributo. Também denota as proibições advindas do mesmo atributo. E, finalmente, possui uma conotação que abrange igualmente ‘sagrado’ e ‘acima do comum’, bem como ‘perigoso’, ‘impuro’ e ‘misterioso’.” Freud (1986:40)

Os povos primitivos vêem seus chefes, reis e sacerdotes como “(…) veículos do poder mágico misterioso e perigoso que se transmite por contato, como uma carga elétrica, e que causa a morte e a ruína a quem quer que não esteja protegido por uma carga semelhante.” Freud (1986:57) Vemos então que os reis são tabu e há tabus para os contatos com eles. Ao mesmo tempo em que tocar no rei é perigoso, atribuem-se poderes mágicos ao toque voluntário do rei. Ele poderia curar com o toque. Tal crença não é exclusiva dos povos primitivos, na Inglaterra até o século XVII também se acreditava que o toque do rei poderia curar a escrófula.

Porém, ao mesmo tempo em que eram detentores de poderes misteriosos e tinham diversos privilégios, os reis também era restringidos e controlados por diversos tabus. “(…) esses povos também julgam necessário manter vigia sobre os seus reis, a fim de ver se eles fazem um uso adequado de seus poderes. Não estão de modo algum convencidos de suas boas intenções ou conscienciosidade. Dessa maneira, um elemento de desconfiança pode ser encontrado entre as razões para a observância dos tabus que cercam o rei. (…) o soberano nelas [monarquias primitivas] existe apenas para seus súditos, sua vida só é valiosa enquanto se desempenha dos deveres de sua posição ordenando o curso da natureza em benefício de seu povo. (…) Adorado como um deus num dia, é morto como um criminoso no seguinte.” Freud (1986:59)

As restrições se tornavam sufocantes, cerceando sobremaneira a liberdade dos reis-sacerdotes.

“A dignidade de sua posição deixava de ser algo de invejável e aqueles a quem era oferecida com freqüência faziam todo o possível para dela escapar.” Freud (1986:62)

Convém colocar que mesmo em civilizações consideradas mais avançadas, como a Roma antiga, esses tabus se encontravam presentes. [13]

Vemos pela atribuição de poder mágico aos reis sacerdotes a sua ligação com a divindade e, por intermédio dela, com o pai. Mas, por que tantas restrições. Possivelmente para evitar o ressurgimento do pai primevo original, o detentor único do gozo.

Prosseguindo em nossa leitura de Totem e Tabu chegamos finalmente à figura do herói, apresentada na situação da antiga tragédia grega onde Freud vê notáveis semelhanças com a cena da refeição totêmica. Observemos bem as figuras apresentadas e a relação entre elas: “Um conjunto de indivíduos, com nomes e vestimentas iguais, cercavam uma figura isolada, todos eles dependendo de suas palavras e atos; eram o Coro e o personificador do Herói. Este era originalmente o único ator. Posteriormente, um segundo e terceiro atores foram incluídos, para atuar como contrapartes do Herói, representar aspectos característicos dele; mas o caráter do próprio herói e sua relação com o Coro permaneceram inalterados. O Herói da tragédia deve sofrer; até hoje isso continua sendo a essência da tragédia. Tem de conduzir o fardo daquilo que era conhecido como ‘culpa trágica’; o fundamento dessa culpa é fácil de descobrir, porque , à luz de nossa vida cotidiana, muitas vezes não há culpa alguma. Via de regra, reside na rebelião contra alguma autoridade divina ou humana e o Coro acompanhava o Herói com sentimentos de comiseração, procurava retê-lo, adverti-lo e moderá-lo, pranteando-o quando encontrara o que sentia ser a punição merecida por seu ousado empreendimento.

Mas por que tinha de sofrer o Herói da tragédia? E qual era o significado de sua ‘culpa trágica’? Abreviarei a discussão e darei uma resposta rápida. Tinha de sofrer porque era o pai primevo, o Herói da grande tragédia primitiva que estava sendo reencenada com uma distorção tendenciosa, e a culpa trágica era a que tinha sobre si próprio, a fim de aliviar da sua o Coro. A cena no palco provinha da cena histórica através de um processo de deformação sistemática – um produto de refinada hipocrisia, poder-se-ia mesmo dizer. Na realidade remota, haviam sido verdadeiramente os membros do Coro que tinham causado o sofrimento do Herói; agora, entretanto, desmanchavam-se em comiseração e lamentações e era o próprio Herói o responsável por seus próprios sofrimentos. O crime que fora jogado sobre seus ombros, a presunção e a rebeldia contra uma grande autoridade era precisamente o crime pelo qual os membros do Coro, o conjunto de irmãos, eram responsáveis. E assim o Herói trágico tornou-se, ainda que contra a sua vontade, o redentor do Coro.” Freud (1986:158) [os grifos no texto são meus] [14]

Assim, temos a identificação do herói com o pai primevo, o qual por sua vez, tem uma identificação com a divindade. Identificação essa que também encontramos em Campbell:

“(…) for the hero as the incarnation of God is himself the navel of the world, the umbilical point through which the energies of eternity break into time.” Campbell (1973:41) [15]

Será que essa visão do herói como pai primevo nos basta?

Atualmente, o herói muitas vezes surge nas histórias como contraposição ao vilão ou tirano. No raciocínio de Campbell a figura do tirano surge quando uma figura pública de poder trai sua posição para fins privados. Um rei, ao ser ungido, deixa de ser uma figura privada para se tornar também uma figura pública. Se ele usar de seu cargo para fins privados, torna-se o tirano. Campbell dá como exemplo o rei Minos da mitologia grega que ao se recusar a sacrificar o touro enviado por Poseidon e decidir mantê-lo para si, leva ao surgimento do terror do minotauro: “And so the king “by the grace of God” became the dangerous tyrant Holdfast – out for himself.

(…)The figure of the tyrant-monster is known to the mythologies, folk traditions, legends, and even nightmares, of the world; and his characteristics are everywhere essentially the same. He is the hoarder of the general benefit. He is the monster avid for the greedy rights of “my and mine” (…)The inflated ego of the tyrant is a curse to himself and his world – no matter how his affairs may seem to prosper. Self-terrorized, fear haunted, alert at every hand to meet and battle back the anticipated aggressions of his environment, which are primarily the reflections of the uncontrollable impulses to acquisition within himself, the giant of self-achieved independence is the world’s messenger of disaster, even though, in his mind, he may entertain himself with humane intentions. Wherever he sets his hand there is a cry (if not from the housetops, then – more miserably – within every heart): a cry for the redeeming hero, the carrier of the shining blade, whose blow, whose touch, whose existence, will liberate the land.” [16]
Campbell (1973: 15)

A figura tirânica do imaginário identificada por Campbell, em muito me lembra a figura do pai primevo. O detentor único do gozo, egoísta, que expulsava os filhos para manter para si as mulheres. Justamente a situação que os tabus impostos sobre os reis-sacerdotes possivelmente procuram evitar.

O herói surge então para derrotar o tirano e libertar a terra, para redimi-la. O herói, como vimos, é uma representação do pai primevo. Logo, temos um pai primevo contra outro. O pai primevo restrito pelos tabus (herói) vem a serviço da comunidade para derrotar o pai primevo irrestrito e detentor único do gozo (o tirano), e redimir a terra. Depois, o herói morre, sendo “desmembrado” para expiar o crime que cometeu. Por ter “ousado” ser herói e usufruir de um gozo normalmente não permitido aos demais membros da comunidade – o de destruir o tirano. Desmembramento esse que é pranteado e celebrado pela comunidade ao mesmo tempo, de forma ambivalente. Essa é a formulação dos papéis simbólicos do Herói e do Tirano (ou vilão) a que cheguei nesse primeiro estudo exploratório sobre a figura heróica. [17]

De posse dessa primeira formulação simbólica, voltei-me para as aparentes noções consensuais de “herói” e “vilão” dos praticantes de RPG, chegando a algumas questões.

Considerando que as Histórias em quadrinhos americanas de super-heróis tem influência sobre os praticantes de RPG, servindo como referencial de imaginário, deparei-me com uma questão interessante. Os heróis normalmente não morrem. Será esse fato decorrente unicamente do interesse comercial em produzir outras histórias com esses heróis? Convém observar que os heróis mais populares, Batman, Homem-Aranha, X-Men, vivem cercados pela tristeza em suas histórias. Sendo muitas as vezes em que estas não possuem um final feliz para eles. Terá a necessidade de desmembramento do herói sido transferida para os coadjuvantes que o cercam? Sendo esse o modo dos leitores experimentarem as ambivalência – admirando os poderes e capacidades do herói e apreciando seu sofrimento como expiação por um gozo que não podem ter?

O herói menos atingido pela tristeza é o Super-homem, justamente o considerado o mais infantil.

Um dos primeiros pontos que encontrei foi a noção consensual entre os rpgistas de que heróis são “bons” e vilões são “maus”. Claro que os conceitos de “bom” e “mau” podem variar um pouco de grupo a grupo, pessoa a pessoa. Haverá aqui uma mistura dos conceitos de herói e super-herói? Sendo o super-herói não somente alguém com superpoderes, mas também com uma SUPER-moral? Tendo que ser superbom?

Indo para as personagens de RPG propriamente ditas, parece-me agora haver uma possível explicação para por que tantos praticantes de RPG quiseram experimentar por algum tempo personagens que identificaram como “maus” ou “vilões” – o desejo de agirem sem restrições morais, de serem detentores do gozo irrestrito. De se aproximarem do pai primevo? Ilustro esse ponto com o diálogo de uma história em quadrinhos da edição 276 da principal revista de RPG americana (Dragon Magazine):

Dixie: “- (…) I’m tired of being the ‘girl sidekick’. From now on, I’m going to be the EVIL VILLAIN!!”

Phil: “- You’re changing alignment?? But WHY?”

Dixie: “- Are you kidding? The perks are FANTASTIC! Better hair; bigger bust; bitching outfits. PLUS I get my MINIONS! AND A SECRET LAIR! And better dialogue! Now NO ONE CAN STOP ME! Bwahahaha!” [18]

Grupos compostos por personagens com essas características aparentemente não perduram por muitas aventuras. Da mesma forma, personagens desse tipo acabam durando pouco em grupos mais “normais”. Será essa uma censura do grupo, auto-imposta pelo jogador, ou ambos?

Como dissemos antes, atualmente o herói freqüentemente surge nas histórias em contraposição ao vilão. Assim, uma pista para o herói oculto nas personagens de RPG pode estar no vilão. Qual personagem seria tão “vilanesco” que seria praticamente intolerável para os demais membros de um grupo de RPG? A resposta veio mais uma vez ilustrada numa história em quadrinhos dos personagens Phil e Dixie da Dragon Magazine (n° 290) e referendada por minha experiência pessoal e uma breve entrevista com um casal de jogadores experientes de RPG:

Phil”- Okay campers – today we’re talking about scoundrels!”

Dixie: – Hold on. You’re talking about a world where heroes topple governments, slay thousands, loot temples and fence stolen goods, Define scoundrel.”

Phil: “- Someone who steals from their own party.” [19]

Aqui vemos bem a diferença entre o significado simbólico do herói mitológico e o consenso entre os jogadores de que o herói é “uma boa pessoa”. Esse conceito consensual é o que apoia a pergunta da Dixie, visto que Hércules, Teseu e Robin Hood são heróis e fizeram várias das coisas que ela cita. Vemos então o conceito consensual do vilão, daquele que não pode ser tolerado.

Aquele que rouba do próprio grupo, aquele que coloca seus interesses à frente dos do grupo. Extrapolando, aquele que trai a condição de membro solidário daquela comunidade, tentando aumentar indevidamente sua parcela do gozo. Quando o grupo foi formado, todos concordaram em dividir as vitórias, em dividir as recompensas, em parcelar o gozo. Será que além de obviamente estarem sendo prejudicados, os demais praticantes vêem uma alusão ao pai primevo nesse personagem “vilão”? E ele, o que vê?

Por contraposição, temos então que o herói é aquele que age em prol do benefício do grupo e possivelmente de outros ideais e personagens contidos no cenário do jogo – personagens que nem são interpretados pelos demais praticantes de RPG e sim pelo Narrador. Assim, se uma personagem de um jogador roubar de um personagem antagonista aos membros do grupo um item que beneficie o grupo como um todo, ele poderá ser considerado um herói? Se beneficiar não somente ao grupo, mas uma comunidade maior, digamos o reino fictício onde os personagens do grupo moram, será ele um “verdadeiro heróis”? Terá cumprido a jornada do herói do imaginário descrita por Campbell.

Se assim for, a classificação de uma personagem como “herói” ou “vilão” pelos critérios consensuais descritos dependerá do grupo e não somente dos ideais dela. Se suas habilidades forem usadas de acordo com os critérios considerados heróicos pelo grupo, ele será um herói. O que quer dizer que ele pode ter os dons necessários, mas precisará da oportunidade e da disposição de seguir esses critérios para ser considerado um herói. Nas palavras de Hércules no desenho da Disney ao sofrer uma rejeição inicial em Tebas:

“- Como vou provar ser um verdadeiro herói, se ninguém me dá uma chance?”

Temos aqui uma possível tensão entre o indivíduo e o grupo, o sujeito e o outro, em que o herói consensual é definido pelo outro? Aqui representado pelo grupo e por um ideal maior subjacente ao grupo?

Não posso responder as questões aqui levantadas de imediato. Elas ficam como possíveis desdobramentos para novos estudos sobre a figura do herói nas personagens de RPG (em suas dimensões simbólica, de imaginário e consensual), principalmente no meio educacional. Finalizo relembrando o fato que motivou essa pesquisa. Num colégio do Rio de Janeiro no qual apliquei o RPG à educação, um dos alunos, um adolescente cursando a 8a série do Ensino Fundamental, quis usar como personagem um traficante de drogas conhecido do Rio de Janeiro. Uma figura da criminalidade conhecida por seu poder e influência entre criminosos e policiais corruptos. O que ele estava querendo dizer? A personagem por não atuar contra os membros do grupo, não foi combatida pelas demais. Apenas evitada. O que isso significa? Por enquanto, a questão fica em aberto.

 

Referências Bibliográficas

CAMPBELL, Joseph. The Hero with a Thousand Faces. Princeton: Princeton Bollingen, 1968; 1973. 3a Ed.

FREUD, Sigmund. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira. Volume XIII. Totem e Tabu e outros trabalhos – Rio de Janeiro: Imago, 1969/1996

SILVA, Ygor Morais Esteves da; JUNIOR, Júlio Augusto César; RODRIGUES, Marcelo; FARIA, Leonardo Nahoun Pache de. TAGMAR, RPG de Fantasia Medieval. Editora GSA 1991.

COOK, Monte; TWEET, Jonathan; WILLIAMS, Skip, DUNGEONS&DRAGONS, Player’s Handbook. Wizards of the Coast. 2000.

PEREIRA, Carlos Eduardo Klimick; BETTOCCHI, Eliane; ANDRADE, Flávio Maurício. Era do Caos. Akritó Editora. 1997.

REIN•HAGEN, Mark. Vampire: The Masquerade. White Wolf. 1992.

What’s New with Phil and Dixie. Dragon Magazine n°276 e 290. Outubro de 2.000 & Dezembro de 2002.Wizards of the Coast.

 

Referência Cinematográfica:

Hercules. Walt Disney Home Video. 1998.

 

Notas

* Mestrando do Departamento de Artes e Design da PUC-Rio.
[1] O termo praticantes inclui tanto jogadores como Narradores ou Mestres de RPG.
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[2] “Paradoxalmente, essas personagens que são os protótipos do mal trágico, tem o potencial pra se tornarem heróis de valor incomum. Elas são malignas, não devido a quem elas são, mas devido ao que elas são. Como bebedoras de sangue, elas possuem a marca do mal. Elas são trágicas porque se importam com seu mal, mas no fim nada podem fazer a respeito. Espera-se que as personagens em Vampiro sejam heróis – elas devem se importar com o que se tornaram e com o que em breve podem vir a se tornar.”
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[3] “Personagens padrão são bons ou neutros, mas não malignos. Alinhamentos malignos são para vilões e monstros” D&D Livro do Jogador
“Personagens e criaturas bondosas protegem a vida inocente. Personagens e criaturas malignas aviltam ou destroem vida inocente, seja por prazer ou por lucro. (…) Pessoas que são neutras com respeito ao bem e o mal tem escrúpulos contra matar inocentes, mas não tem o compromisso de fazer sacrifícios para salvar ou ajudar os outros. Pessoas neutras se comprometem com os outros por laços pessoais.”
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[4] CAMPBELL, Joseph. The Hero with a Thousand Faces. Princeton: Princeton Bollingen, 1968; 1973. 3a Ed.
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[5] FREUD, Sigmund.Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira. Volume XIII. Totem e Tabu e outros trabalhos – Rio de Janeiro: Imago, 1969/1996
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[6] “Há muito tempo atrás, na terra distante da Antiga Grécia, houve uma era dourada de deuses poderosos e heróis extraordinários. E o maior e mais forte dentre todos esses heróis era o grande Hércules. Mas, qual é a medida de um verdadeiro herói?”
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[7] “verdadeiro amor, verdadeira amizade, fé verdadeira”.
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[8] “…um bom publicitário, comerciante.”
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[9] Hera: “- Você estava disposto a sacrificar a sua vida para resgatar esta jovem.”
Zeus: “- Um verdadeiro herói não é medido pelo tamanho de sua força, mas pela força de seu coração.”
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[10] “Um herói parte do mundo cotidiano para uma região de maravilhas sobrenaturais: forças fabulosas são lá encontradas e uma vitória decisiva é obtida: o herói retorna dessa misteriosa aventura com o poder de conceder dádivas a seus companheiros, homens comuns.”
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[11] “O ciclo cosmogônico é apresentado com uma consistência impressionante nas escrituras sagradas de todos os continentes, e ele dá à aventura do herói uma nova e interessante visão; pois agora parece que a perigosa jornada era um trabalho não de aquisição, mas de reaquisição, não de descoberta, mas de redescoberta. Os poderes divinos buscados e perigosamente ganhos são revelados como tendo sempre estado no coração do herói. Ele é o “filho do rei” que descobriu quem ele é e, conseqüentemente passou a exercer o seu devido poder – “filho de Deus”, que aprendeu o quanto esse título significa.”
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[12] “Embora os irmãos tivessem se unido em grupo para derrotar o pai, todos eram rivais uns dos outros em relação às mulheres. Cada um quereria como o pai, ter todas as mulheres para si. A nova organização terminaria numa luta de todos contra todos, pois nenhum deles tinha força tão predominante a ponto de ser capaz de assumir o lugar do pai com êxito. Assim, os irmãos não tiveram outra alternativa se queriam viver juntos – talvez somente depois de terem passado por muitas crises perigosas -, do que instituir a lei contra o incesto, pela qual todos, de igual modo, renunciavam às mulheres que desejavam e que tinham sido o motivo principal para se livrarem do pai.” Freud (1986:147)
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[13] O Dialis Flamen, o alto sacerdote de Júpiter na antiga Roma, era obrigado a observar um número extraordinário de tabus. ‘Não podia cavalgar e nem mesmo tocar num cavalo, nem ver um exército em armas, nem usar um anel que não fosse quebrado, nem ter um nó em qualquer parte de sua indumentária; (…) não podia tocar em farinha de trigo nem em pão fermentado; não podia tocar e nem mesmo nomear um bode, um cão, carne crua, feijões e hera; (…) seus cabelos podiam ser cortados apenas por um homem livre e com uma faca de bronze e, quando cortados, cabelos e unhas tinham de ser enterrados sob uma árvore venturosa; (…)” (Frazer in Freud: 1986:61)
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[14] Essa visão sacrificial do herói também pode ser encontrada na literatura. Posso citar, por exemplo, a personagem Jarek Mace, do romance Morningstar de David Gemmel, um escritor inglês respeitado por fãs de fantasia na Inglaterra e nos EUA por sua habilidade como narrador de histórias de fantasia heróica. Nessa história Jarek Mace, um exímio guerreiro cínico e egoísta, se vê envolto no papel de um herói de uma rebelião contra os dominadores estrangeiros. Jarek tenta escapar desesperadamente do papel de herói que lhe é atribuído pelo povo. O narrador é Owen, um menestrel, que na cena abaixo se aproxima de Jarek para conversar.

“His face was flushed and angry, his eyes bright with a kind of fear. I was about to speak, but I saw in him then a secret terror, and I knew with great certainty that he understood the inevitability of his destiny. I felt cold suddenly, and into my mind came the image of the garlanded bull being led through the streets, with the people cheering and throwing flowers beneath its feet. But at the top of the hill, in the bright sunshine, waited the priest with the curved knife and the altar upon which the blood would run.” Pg. 243. GEMMEL, David. Morningstar. Del Rey Book. 1992. USA

“Sua face estava vermelha de raiva, seus olhos com um tipo de medo. Eu estava prestes a falar, mas então vi nele um terror secreto, e eu soube com grande certeza que ele entendia a inevitabilidade de seu destino. Eu senti subitamente um calafrio, e em minha mente veio a imagem do touro enfeitado com guirlandas sendo levado pelas ruas, com o povo aclamando e jogando flores a seus pés. Mas, no topo da colina, sob a luz brilhante do sol, esperava o sacerdote com a faca curva e o altar sobre o qual o sangue ia correr.
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[15] “(…) pois o herói como a encarnação de Deus é ele próprio o ponto central do mundo, o cordão umbilical através do qual as energias da eternidade atravessam para o tempo.”
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[16] “E então o rei “pela graça de Deus” se tornou o perigoso tirano Holdfast – agindo apenas para si mesmo.

(…) A figura do monstro-tirano é conhecida de todas as mitologias, tradições folclóricas, lendas, e até pesadelos, do mundo; e suas características são em toda parte essencialmente as mesas. Ele é o detentor do bem geral. Ele é o monstro ávido pelos direitos egoístas do “meu e minha”.

(…) O ego inflado do tirano é uma maldição para ele e seu mundo – não importa o quanto seus assuntos pareçam prosperar. Auto-aterrorizado, assombrado pelo medo, alerta a cada mão que cumprimenta e pronto para combater as agressões que antecipa vir do meio que o cerca, sendo que tais antecipações são primordialmente os reflexos dos incontroláveis impulsos para adquirir dentro dele mesmo, o gigante da independência auto-adquirida é o mensageiro do desastre do mundo, mesmo que, em sua mente, ele possa se ver com intenções humanitárias. Onde quer que ele ponha sua mão há um grito (se não dos telhados, então – mais miseravelmente – dentro de cada coração): um grito pelo herói redentor, o portador da espada luminosa, cujo golpe, cujo toque, cuja mera existência, libertará a terra.”
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[17] Cabe aqui a observação que no livro de Campbell vemos dois tipos de heróis: o herói físico e o herói moral. Porém, ambos com a mesma jornada do imaginário já descrita. Jasão que enfrenta as rochas flutuantes e o dragão para obter o velo de ouro e trazê-lo de volta à sua cidade natal para recuperar o trono, é um exemplo de um herói físico. Gautama Buddha que enfrenta várias provações e tentações em sua jornada, inclusive o combate com Kama-Mara, deus do amor e da guerra, até alcançar a iluminação que depois compartilha com os outros homens, é um exemplo de um herói moral.

“Popular tales represent the heroic action as physical; the higher religions show the deed to be moral; nevertheless, there will be found astonishingly little variation in the morphology of the adventure, the character roles involved, the victories gained.” Campbell (1973:38)

“Contos populares representam a ação heróica como física; as religiões mais elevadas mostram o feito como moral; de qualquer modo, será encontrada surpreendentemente pouca variação na morfologia da aventura, nos papéis de personagens envolvidos, nas vitórias obtidas.”
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[18] Dixie: “-(…) Eu estou cansada de ser a ‘garota coadjuvante’. De agora em diante eu serei a VILÃ MALIGNA!!

Phil: “- Você está mudando de alinhamento?! Mas, POR QUÊ?!”

Dixie: “- Você está brincando?! Os benefícios são FANTÁSTICOS! Melhor cabelo, seios maiores, trajes chocantes. E além disso eu ganho meus LACAIOS! E UM ESCONDERIJO SECRETO! E diálogos melhores! Agora NINGUÉM pode me deter! Hahahahaha”
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[19] Phil: “- OK, gente – hoje vamos falar sobre canalhas!”

Dixie: “- Espere. Estamos falando de um mundo onde heróis derrubam governos, matam milhares, saqueiam templos e negociam mercadorias roubadas. Defina canalha.”

Phil: “- Alguém que rouba dos membros do próprio grupo.”
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Carlos Klimick
Autor dos RPGs “Desafio dos Bandeirantes”, “Era do Caos” e “Esferas”.
Cedido à Equipe REDERPG
(artigo publicado originalmente no simpósio “O Outro”,
promovido pelo Laboratório de Representação do Sensível,
do Depto. de Artes e Design da PUC-RJ,
nos dias 12 e 13 de Agosto de 2002.)

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