De volta à Sebe: Um Post-Mortem Changeling

Plantando os Espinhos

Então, antes de tudo, uma pequena história.

Eu comecei na White Wolf como um editor interno – não o tipo de “editor de linha” que implica mais poder sobre controle de conteúdo, veja, por que isso é o que chamamos de “desenvolvedor”. Eu estava enrolado no meio de revisão, edição ortográfica, clareza; coisas simples dessa natureza. Mas de fato achava que era terrivelmente impressionante ser capaz de se estar no comando de uma linha, e certamente pensei que gostaria de tentá-lo algum dia.

E na época, se dependesse de mim, eu achava que minha primeira escolha teria sido Changeling: O Sonhar.

Em retrospecto, eu estava provavelmente hipnotizado em parte pela arte – não apenas as belíssimas obras finalizadas como as páginas de Diterlizzi, mas também os vibrantes esboços de criação de personagem feitos por Josh Timbrook. Havia também o simples fato que, bem, estávamos falando sobre fantasia aqui. Minha mãe me iniciou em Tolkien, Lewis e Alexander quando era jovem e, pra piorar, também me deu meu primeiro trago de D&D (com a caixa vermelha). Trabalhar em um jogo em que redcaps e trolls eram os PJs/PCs prediletos era até que bem atraente. Claro, esse não era exatamente meu destino, e ao invés eu fui puxado pro mundo de lobisomens – um mundo tão recompensador que logo me perguntei porque desde o começo não havia sido essa minha primeira escolha.

Vamos pra frente. O Mundo das Trevas havia explodido em uma chuva de destruição apocalíptica ao redor da virada do milênio mas (não querendo abusar da velha metáfora da fênix) um novo Mundo das Trevas havia se erguido das cinzas. Eu ainda estava trabalhando em Lobisomem, e amando meu emprego, mas havíamos chegado ao ponto em que, com os Três Grandes lançados, poderíamos ir em qualquer direção com as novas linhas ainda por vir. Nós podíamos tentar algo novo em folha. Um desenvolvedor não tinha que ser fiel a uma linha apenas; podíamos trabalhar em duas.

Então eu propus um novo Changeling.

Bem, aquele não era o ano pra isso. Nós decidimos, e corretamente, que em geral seria melhor se trouxéssemos uma propriedade completamente nova, algo que dissesse: “O Mundo das Trevas pode não ir em todas as antigas direções”. Nisso Promethean: The Created foi lançado, e era lindo. No fim das contas, nós começamos a conversar sobre o que fazer pro “quinto jogo”.

Então todo mundo propôs um novo Changeling.

Regando a Sebe

Eu não sei se foi um zeitgeist ou o que (sem piadas sobre Geist, por favor), mas em algum ponto nós decidimos que teria que ser [Changeling]. Após alguma revisão, minha sugestão foi selecionada como a vencedora, com uma alteração: ela envolvia changelings que já nascessem o que eram, mas Bill Bridges havia lançado a possibilidade de eles serem abduzidos que perdessem o caminho de volta (Bill, eu devo mencionar, é um maldito gênio). Eles me pediram para revisar minha sugestão com a última idéia no cerne, mas incluindo as idéias que eu tinha jogado, como as Cortes Sazonais e os semblantes customizáveis e o estranho mundo da Sebe ainda no coração da interface. Eu o fiz. E foi mais ou menos nesse ponto que comecei a pensar: “Sabe, pode ser que nós tenhamos um jogo muito bom mesmo aqui.”

Pelo jeito, nós tínhamos. Ainda havia uma porção de detalhes refinados a se fazer, claro. Nós tínhamos que garantir que se fôssemos com 4X6 ao invés de 5X5 para a seleção de tipo de personagem a criação dele pudesse se tornar ainda mais distinta por essa troca – entra o sistema de kith. Joe Carriker surgiu com o belo sistema de promessas praticamente sozinho, deus o abençoe. Mas conforme trabalhávamos mais e mais, dizíamos: “Podemos estar no caminho certo aqui”. As coisas estavam se encaixando. O termo “Perdidos” emergiu, e imediatamente a idéia de Garotos e Garotas Perdidos fazia perfeito sentido. Alec Bourbon nos arrebatou quando o prólogo veio. O logo e capa com motif de espinhos de Aileen Miles imediatamente prenderam a atenção de todos que os viram. Tudo soava bem. Tínhamos um plano de quatro livros e um tema sazonal, e era uma linha limitada da qual poderíamos nos orgulhar. Tudo que tínhamos que fazer era esperar e ver o que os consumidores pensavam dela.

Dizer que fomos agradavelmente surpreendidos é um eufemismo.

Gerando Frutos (Goblin)

Pra ser perfeitamente honesto, nós sabíamos que algumas pessoas não iriam gostar de Changeling: The Lost. Primeiro, fadas costumam ser um produto razoavelmente especializado. Alguns jogadores são simplesmente Machos Pra ******* demais pra sequer considerar jogar como algum pixie de orelhinas pontudas, a não ser que ele tenha pele preta e cabelos brancos e leve por aí um par de cimitarras. Contos de fada são geralmente considerados coisa de criança, fantasia pré-adolescente. Mas até aí tudo bem: Nós não iríamos ressentir a preferência pessoal de ninguém quanto a gênero.

Mas também sabíamos que algumas pessoas que amaram Changeling: O Sonhar não iriam gostar da nova abordagem de “fae no Mundo das Trevas.” Vamos encarar: os dois jogos são quase opostos diamétricos em alguns modos. Você não era mais nascido diferente e especial – agora você era um abduzido, ganhando poder por uma forma de escravidão. Entrar na cultura changeling era uma luta através dos Espinhos, não uma adoção. E o maior ponto de discussão de todos era que não usávamos mais “feérico” como uma metáfora para criatividade, imaginação e maravilha. Mas sim, o tiramos diretamente das antigas histórias: uma força inumana da qual pessoas realmente tinham medo, e por bons motivos.

Como previsto, algumas pessoas realmente não gostaram dessa mudança.

Mas muitos mais gostaram.

Changeling: The Lost foi um sucesso fantástico para nós. Já sabíamos desde o começo que seria uma tirada limitada: originalmente eu tinha planejado quatro suplementos, mas Richard Thomas (em sua sabedoria) disse para arriscarmos com 5. Ele estava certo, e então alguns – três outros livros eventualmente seriam adicionados para atender à demanda, dois seguindo o tema sazonal e um como um vínculo do Night Horrors. O jogo continuou vendendo. As pessoas continuaram nos contando o quanto haviam amado ele.

É recompensante quando isso acontece, mas ainda mais quando é um projeto com o qual você realmente se importa. Isso é o que me atingiu mais forte, bem na veia da euforia. Todo mundo que trabalhou em Changeling investiu uma porção daquilo com o que se importava mesmo nele. Eu posso falar apenas por mim próprio, mas muito do jogo está emocionalmente conectado a um de meus maiores medos: ser separado de minha esposa, minha família, meu lar. Esses laços significam tudo pra mim, e eu queria fazer um jogo sobre a tragédia de perdê-los, e sobre a esperança potencial de recuperar aquilo que você perdeu. Lógico, eu não queria que esse fosse o único gatilho emocional que o jogo tivesse a oferecer: você também precisava de espaço para a pessoa que consegue uma segunda chance através desse processo, ou o changeling que exulta naquilo em que se tornou mesmo se abriga alguns arrependimentos silenciosos. Porém a tragédia de se ser Perdido é algo que significou muito pra mim. Ver pessoas dizendo “Sim, importa para nós, também, e adoramos explorar isso com seu jogo” – isto tem sido uma imensa alegria.

Eu amei observar o sucesso de Changeling. Me sinto simultaneamente orgulhoso de ter sido parte disso e honrado por quanta criatividade seus escritores e artistas derramaram nele.

Para todos aí que deram uma chance a esse jogo: muito obrigado. Peço desculpas àqueles que não ligaram pra ele, mas acho que fizemos o jogo que queríamos de fazer. E àqueles de vocês que o apoiaram e jogaram com ele e arrebentaram – obrigado em dobro. Eu nunca amei esse trabalho tanto quanto quando estou vendo vocês todos sendo brilhantes e criativos e se divertindo tanto com algo que ajudei a construir.

Tem sido uma honra.

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Artigo traduzido por Klaus Rilke com autorização do autor.

Texto original em inglês publicado na Epitaph, em 28/04/2009 e traduzido em 04/05/2009. A Epitaph é uma revista eletrônica quadrimensal da White-Wolf que pode ser encontrada em http://download.white-wolf.com/download/download.php?file_id=1195 .

Publicado originalmente em 23/05/2009  (1042 leituras)
Por Ethan Skemp
Tradução de Klaus Rilke

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1 Comment
  1. Excelente post, e por sinal o jogo ficou ótimo mesmo. Comecei a ler o livro e está fantástico!.

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