O Filho da Sorte

Há muito tempo atrás, além dos limites de Rekfyr, à nordeste no mar de Tethys existia um reino sem nome. Neste lugar vivia um jovem de família abastada, porém com ele o destino não havia sido, digamos, muito agradável. Seu irmão mais velho cuidava dos negócios da família, pois logo cedo havia se tornado clérigo, seu outro irmão se ocupava da segurança familiar, armado ainda criança pelo avô como cavaleiro. Sua irmã, a jovem Faun, o antecedia, já não tinha dote, mas o mito da donzela abastada corria mundo afora, desta forma muitos eram seus pretendentes.

Assim restou-lhe o infortúnio de ganhar a vida de qualquer outra forma. O mito da donzela rica não era de seu feitio, talvez se agregar em algum exército. Mas o jovem não se preocupava muito com o futuro, seu maior desejo era encontrar um dragão, pois ouvia de seu avô muitas destas relatos de caçadores de dragões e aventureiros. Ébrio em seu sonho, não percebeu o tempo passar. Quando já havia alcançado mais de duas décadas de vida Fern conheceu, em uma de suas viagens, uma moça que atendia pelo nome de Verna. Encantado pela mulher deixou a força de seus hormônios, ávidos por utopias, tomar conta de sua razão. Não sabia ele que Verna era filha de insurretos e que seu gênio tanto poderia ser para o bem quanto para o mal. De fato a moça era meio desequilibrada e ninguém aguentava conviver mais que dois segundos ao seu lado.

– Porém na cabeça de bai… Opa! Quero dizer, ninguém manda no coração, como diriam os românticos oitocentistas.

A sorte do casal foi a irmã de Fern. Madura Faun que, por mais infortuna que tivesse sido sua vida, não optou por ingressar no convento, mas voluntária cuidando dos feridos de batalha agregou uma grande fortuna através das gentilezas de seus enfermos. Podendo assim atender ao pedido de socorro do irmão mais novo, várias e várias vezes.

Luas mais tarde, nascia o primogênito desafortunado do casal, um varão vigoroso, forte e saudável. Mas logo ao nascer sua mãe entrou em crise e seu pai partiu em busca de seu romântico desejo. Sua tia Faun o criou como um filho e sua mãe quando recobrou os sentidos não tinha nenhuma lembrança da maternidade. Sua primeira visão foi de seu filho nos braços da tia, então em sua mente fraca e doente, passou a acreditar ser uma serviçal da casa e assim viveu todo o tempo.

Faun nunca escondeu a verdade do jovem mancebo, mas foi ela que lhe ensinou a ler e quem colocava comida na mesa. Instruiu e o iniciou nas melhores escolas de philosofia da região. Ele nunca havia sido ingrato com a tia-mãe, nem muito menos com a sua genitora, mas era difícil reconhecer alguém naquele estado deplorável como tal. A mulher que o acolheu era uma pessoa simples, no entanto admirável, sabia viver bem sua vida, viajava muito e conhecia muitos lugares diferentes e sempre que retornava contava ao rapaz suas aventuras.

Certo dia o jovem viu um homem em um cavalo que se aproximava mais e mais. O homem desceu do cavalo e pediu ao jovem que cuidasse do animal, o confundindo com um cavalariço da propriedade. Olhou para a genitora do garoto e a ordenou que o servisse. Não reconheceu ambos. Perguntou pela irmã, sutilmente a senhora apareceu pela porta da cozinha com um ar de pouco satisfeita com a situação.

– Olá, meu irmão. A última vez que nos vimos você nem esperou seu filho dar os primeiros passos. Deixou esta jovem problemática aqui e sumiu.

– Irmã, eu tinha uma missão a cumprir.

– Fern, como você pode olhar nos meus olhos e me dizer algo assim? – Este é seu filho e esta mulher doente é sua obrigação. Eu tenho cuidado deles nos últimos anos e nenhum de nós nunca mais ouviu falar de você.

Verna era uma mulher sagaz, quando notou a condição do homem com quem havia se relacionado, não pensou duas vezes, se Colocar à disposição da cunhada como serviçal lhe renderia lugar para dormir, comida boa na mesa e alguém que criaria seu filho. 

Neste instante a mulher entra em desespero e encena uma crise de angústia. Faun atenta às astúcias da cunhada lembra a Verna que todo tempo ela nunca deixou de saber de seu teatro, mas que não tinha outro caminho, pois não era de seu feitio deixar à míngua um mortal, por pior que fosse seu gênio. Nem muito menos o sangue de seu sangue. A mulher se desesperou e saiu da sala aos prantos.

– Fern, chega de caçar dragões, eles não existem e você está doente, precisa de cuidados. Você tem um quarto, uma das serviçais o levará até lá. Descanse, amanhã conversaremos. 

O homem maltrapilho segue os comandos da irmã  e encerra-se no aposento para ele preparado. 

Mais tarde o garoto crescido resolve tomar seu rumo. Olha para tia-mãe na hora da despedida e diz:

– Mãe, estou indo seguir meu destino. Não irei caçar dragões nem chorar para encobrir minhas reais intenções. Parto para encontrar a mim, mas se algum dia eu voltar… Espero ter seus braços abertos para me receber não como um fardo, mas como um filho que retorna, saudoso.

– Vá meu filho, dediquei toda minha vida a você. Encontre seu caminho e volte quando achar que deve. Tudo isso aqui é seu. Não se preocupe com os seus genitores nunca os abandonarei, mesmo que jamais receba deles uma palavra de gratidão.

A mulher observa a silhueta do rapaz – que tem como filho – desaparecer no horizonte junto com a noite que cai.

Este conto faz parte do universo dos Contos Desconhecidos, escritos por Johannes Andhmor (2001-2018).

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J.A.

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