A Última Linha de Defesa (conto)

Senhores, trago até vocês um pequeno texto que escrevi em 2015 (eu acho). Ele seria o primeiro capítulo de um romance space opera que eu tinha a pretensão de escrever. Não passou do primeiro capítulo, que agora compartilho.

Espero que apreciem…

Por Kubiach

* * *

O horizonte avermelhado surge na tela principal e na maioria dos monitores individuais. Tudo na ponte de comando ganha um tom rubro para, logo a seguir, um lampejo de luz branca fazer todos desviarem o olhar por alguns instantes. Logo todos voltam a fintar a tela holográfica que continua a mostrar Marte, que antes abrigava a primeira colônia planetária da humanidade, ser engolido por uma imensa nuvem de poeira rica em ferro vindo da sua superfície e lançada até o espaço pela força titânica de uma explosão termonuclear.

– Capitão! (seguido de segundos de silêncio) Perdemos contato com o comando da colônia, nenhum canal responde, nenhum localizador automático responde! – fala o Tenente Comandante Willian, quase gritando.

Willian Andrades é um jovem oficial de 39 anos que ascendeu extremamente rápido a um dos mais importantes postos operacionais da Força Aeroespacial da União. Nascido em meio à guerra, Willian foi forçado a abandonar o seu novo mundo quando criança e esperou impacientemente uma oportunidade de revidar, mas nada o preparou para o quadro atual do conflito.

– Sistemas de comunicação e sensores de longo alcance inoperantes. Interferência eletromagnética atuando em todos os sistemas com duração prevista de 9,4 segundos. – falou a inteligência artificial Ymir através dos alto-falantes da ponte em um tom de voz masculino claro, suave e sem flutuações.

A inteligência artificial Ymir não é a primeira inteligência artificial (IA) a equipar grandes naves, mas é a primeira a ter um largo controle sobre todos os sistemas e componente da nave. Na verdade, é quase como se toda a nave fosse um imenso guerreiro robótico e Ymir sua mente.

– Interferência dissipando-se, Capitão, todos os sensores varrendo à frente. Todos os canais de comunicação mudos. Sensores retornando… – apressadamente fala a também Tenente Comandante Vanessa.

Vanessa Sirius é a melhor especialista em tática tridimensional da academia, vencedora de inúmeras competições militares e um nome temido no circuito acadêmico internacional. Estudou por anos para entrar na guerra e, agora, pela primeira vez em sua vida, ela está no centro dela.

– Capitão! … – Nenhum sinal de Marte Um. – exclama Vanessa. – Sensores retornando… danos extensos em todo o planeta, múltiplas explosões nucleares e infraestrutura eliminada. Um pesado bombardeio convencional persiste a partir da alta atmosfera… Eles estão nos aniquilando…

Marte Um é a primeira e maior cidade da colônia de Marte, com cerca de 300 quilômetros quadrados de extensão e mais de 12 milhões de habitantes. Ela foi a responsável pela bem sucedida investida da humanidade na conquista do espaço. Fundada em 2229, há mais de 300 anos, simboliza o sucesso humano na última fronteira, servindo como o principal estaleiro para naves da União Terrestre.

– Quanto tempo até a órbita?
– 22 segundos, Capitão – respondeu Willian.
– Sensores no máximo ganho, em todas as direções e em alerta máximo. Assim que chegarmos à órbita, abrir todos os canais de comunicação. – Ordena o Capitão na poltrona no centro da pequena ponte de comando.

O Capitão Conrad é um homem forjado nesta longa guerra. Com mais de trinta anos de serviço, Conrad lutou muito nessa guerra e sabe exatamente qual a gravidade do quadro atual e a extensão de sua responsabilidade.

– Entramos em órbita! Canais de comunicação abertos…
– “À todas as naves da União Terrestre no setor, aqui quem fala é Conrad, Capitão da nave de batalha Rio Grande. Nossas ordens são evacuação imediata, repito, evacuação imediata. Travem nossa posição, daremos apoio militar e logístico.”
– Tenente, continue repetindo a mensagem.
– Repetindo, Capitão – responde Willian.

A esperança de Conrad é que Marte se antecipou ao ataque e lançou a sua população em naves para a órbita. Mesmo naves sem capacidade de dobra serviriam para a evacuação, e o sinal que agora transmitiam serviria de farol para todas essas pessoas tentarem alcançá-los, o problema é que Conrad sabe que esse sinal também acabou de revelar a sua chegada ao inimigo.

– Múltiplas respostas a nosso sinal, Capitão! Mas não estão vindo de Marte… Estão vindo de Fobos e Deimos! São 144 naves terrestres com identificação confirmada.

Imediatamente uma tela holográfica se forma à frente dos três tripulantes e mostra inúmeros pontos deixando o lado escuro das luas marcianas. Apesar da ponte de comando ter espaço, posições e poltronas para nove tripulantes, apenas três a ocupavam e não era necessário mais que isso tamanho o grau de autonomia que a IA Ymir possui. De súbito, um alarme ecoa na ponte e Ymir invade os alto-falantes…

– Detectados múltiplos ecos nos sensores táticos.
– Vanessa, relatório.
– Capitão, sensores apontam 522 naves de guerra Starr na órbita de Marte, entre elas 53 da classe superencouraçado e 201 cruzadores de guerra, todos estão deixando suas posições de ataque planetário e se reagrupando.

Conrad não precisava de uma análise tática para saber o que os Starr estavam planejando nem o que precisava fazer

– Ymir, mantenha monitoramento ativo das forças inimigas e da frota terrestre. Vanessa, trace uma rota tática que nos coloque entre os Starr e as naves em fuga e execute, Willian prepare uma rota de fuga para a Terra e a deixe pronta e programada. Alerta geral, todos os andares e setores entrar em prontidão de batalha!

Os dois tripulantes e a inteligência artificial da nave responde afirmativamente de forma una às ordens do Capitão. Imediante as luzes da ponte mudam para um tom mais ameno ao alterarem para as luzes de emergência, o que acontece em toda a nave que acaba de redirecionar quase a totalidade da força para os sistemas vitais e militares. Pequenos objetos como algumas canetas começam a flutuar com a desativação parcial da gravidade artificial e todos os tribulantes são firmemente presos às suas poltronas pelas amarras automáticas enquanto, lentamente, a imensa Rio Grande começa a manobrar e a se afastar da órbita marciana para logo estabilizar sua posição horizontalmente em relação ao planeta e dividir o espaço em duas áreas. Às suas costas onde a frota marciana em fuga tenta vagarosamente cruzar para deixar a influência gravitacional de Marte, e à sua frente, fitando a enorme força de invasão que se reagrupa.

A nave de guerra Rio Grande é o maior e mais avançado encouraçado de guerra interestelar que a humanidade construiu. Um gigante com mais de 1800 metros de cumprimento, 540.000 toneladas de peso e com um sistema de armas capaz de fazer frente a uma armada. A sua construção demorou 11 anos e sua missão primária era para ser a nave capitânia de uma força de ataque de, pelo menos, uma dezena de naves de guerra, mas os custos crescentes da guerra contra os Starr, que se arrasta há mais de 80 anos, nunca permitiram a construção da força de ataque e muito menos a construção de outras naves como a Rio Grande.

– Detectado o lançamento de 355 caças de múltiplas plataformas. Frota inimiga disparou motores e estima-se que a Rio Grande entre em alcance de suas armas em 6 minutos. Frota marciana deixou a órbita externa e precisa de 7 minutos para entrar em velocidade de dobra. – falou a IA pelos alto-falantes.

– Armar míssil antimatéria. Calcular ponto de ignição no centro da armada Starr.

– Devido à influência gravitacional de Marte existe 40% de possibilidade de desvio.

– Ciente.

– Míssil no silo número 7 e pronto. Última trava de segurança anulada.

– Fogo!

À frente, a mais de 5.000 quilômetros da ponte de comando da Rio Grande, uma força se move e se reposiciona. Mais de 520 naves de guerra, entre superencouraçados, naves de guerra titânicas com quase 1 km de extensão capazes de lançar caças e ataques planetários, cruzadores pesadores, armados com canhões de massa, lasers e mísseis nucleares, e dezenas de outros veículos militares leves. As próprias estrelas à volta se eclipsam tamanho o número da armada que agora manobra lentamente em direção a única nave de guerra da Terra. Sete cruzadores abrem suas comportas de mísseis em direção à Rio Grande, enquanto um superencouraçado aciona várias luzes de decolagem de seu casco preparando-se para o lançamento de uma torrente de caças orbitais, quando de súbito um objeto pequeno rodeado por uma aura luminosa azulada surge próximo ao superencouraçado, para logo em seguida emitir um brilho de luz branca que cega a toda a frota!

Depois do brilho ofuscante, uma imensa esfera azul se forma. Uma detonação nuclear de algum tipo é disparada e uma onda de energia atinge a imensa nave blindada que preparava o lançamento de dezenas de naves menores. A antes imponente encouraçada é castigada por uma quantidade descomunal de radiação que a derrete, andar por andar, camada após camada. No interior, tudo é fulminado e evaporado, até que o próprio núcleo é destruído e a imensa nave de guerra se transforma em um pequeno sol em meio a um delirante show de luzes azuladas no que parece ser o nascimento de uma estrela no centro da frota inimiga. Sete outras naves de guerra, cruzadores pesados, tem o mesmo destino, além de um incontável número de pequenas naves evaporadas pelo efeito mortífero e outras centenas à deriva que agora carregam apenas os cadáveres de sua tripulação, mortas pela radiação.

Naquela noite, a milhões de quilômetros, na Terra, foi possível ver nascer e morrer uma pequena estrela azul…

– Detonação de projétil antimatéria confirmada. Pulso de interferência eletromagnética varrendo todos os setores próximos. Sensores cegos por 12 segundos. – E Ymir silenciou.

O míssil de antimatéria é um projétil que não possui uma carga explosiva, nem nuclear, e sim um núcleo de dobra. Esse núcleo é o responsável por acelerá-lo a mais de 100 vezes a velocidade da luz, tornado-o invisível às defesas inimigas, e de detonar o seu combustível de pura antimatéria. Essa explosão consegue ser 29 vezes mais potente que qualquer artefato nuclear já pesquisado, mas seu maior efeito está na radiação gerada. Além de produção de radiação também acompanhar a potência da explosão, ela é amplificada 37 vezes pelo vácuo do espaço e emite um gigantesco pulso eletromagnético. O resultado visual lembra o nascimento de uma supernova azul e letal.

Segundos se passaram e a tela à frente da tripulação volta a se formar. De sua tela virtual ela passa a exibir o planeta vermelho abaixo no campo de visão e um incontável número de pequenos pontos luminosos em sua órbita a alguns milhares de quilômetros à frente. Eram centenas de naves agora agonizantes.

– Senhor, os sensores começam a informar. Conto ao menos quatro naves superencouraçadas e sete cruzadores pesados destruídos, pelo menos a mesma quantidade de alvos incapacitados e uma indistinguível massa de destroços, possivelmente de centenas de outras naves menores calcinadas pela explosão. Calculo que atingimos ao menos 30% da força de ataque inimiga! – A voz de Vanessa era de entusiasmo.

– Não, Tenente Comandante. Nós apenas arranhamos a força de invasão. Willian, tire-nos de órbita imediatamente. Vamos retornar à Terra e reagrupar.

– Sim senhor, Capitão, disparando impulsores.

Uma fileira de três dezenas de bocais pelo casco da imensa nave de batalha disparam em uma chama celeste e começam lentamente a movê-la. Conforme manobra o impulsor principal, o maior propulsor sem massa já construído, é acionado e a colossal Rio Grande começa a deixar a órbita de Marte, mas em meio à manobra, subitamente a ponte é invadida pela voz digital e sem emoção de Ymir:

– Alerta. Sensores de curto alcance detectam múltiplos pontos massivos vindo em direção à Rio Grande a partir da alta órbita de Marte. Detectada tentativa de abrir um canal de comunicação.

Willian e Vanessa se entreolham e fintam o Capitão que com um gesto manda abrir comunicações e uma transmissão cheia de estática invade a ponte de comando:

“…aqui é o capitão Fernand da nave Carrier III, liderando comboio de cargueiros classe D lotados com sobreviventes da colônia marciana. Solicitamos escolta imediata, repito, solicitamos escolta imediata…”

– Capitão, o sistema detecta 8 naves, todas da união terrestre, a Carrier III, Carrier VI, Eclipse V, Samantha, Constitution, Eldorado II, Orion I e II, todas naves cargueiras da classe D com trajetória em nossa direção. Com sua velocidade atual precisarão de 11 minutos para deixar a influência gravitacional de Marte e segundo os sensores elas transportam quase 1 milhão de pessoas!

Não era necessário que ninguém explicasse a situação. Os cargueiros da classe D eram capazes de transportar mais de 400.000 toneladas de carga e frequentemente eram usados por Marte para levar minérios para Terra, mas em uma evacuação desesperada foram usadas para a população deixar o planeta. Nessas circunstâncias cada nave pode estar transportando milhares de pessoas e não foram antes percebidas pelos sensores devido a carga massiva de radiação liberada pelo bombardeio atômico e pelo próprio ataque de antimatéria, mas não foi difícil para o comboio detectar as transmissões da Rio Grande e fugir em sua direção.

– Detectado 212 caças inimigos se aproximando. Estimativa de 5 minutos para a Rio Grande entrar no alcance de suas armas.

A dúvida cruel estava no fato que a Rio Grande era a última astronave de batalha terrestre em condições de lutar e mesmo com seu imenso poder de fogo, ela não pode derrotar todos sozinha. O inimigo chegou às portas do planeta natal da raça humana e a última linha de defesa os aguardava. O tempo está acabando e o Capitão deve escolher entre recuar agora e garantir a sobrevivência da nave para lutar a última batalha ou ficar e tentar salvar 1 milhão de pessoas.

O som da voz digital ainda ecoava pela nave quando a voz do Capitão se fazia ouvir:

– Alerta geral a toda nave. Todos aos seus postos de batalha!

Luzes de alerta se fazem imediatamente presentes em todos os andares da nave pintando os corredores com uma luz vermelha intermitente. As ordens do Capitão disparam diversos protocolos em toda a imensa nave de guerra que a preparam para entrar em combate ao mesmo tempo em que o colosso começa manobrar. Os corredores se enchem de pessoas flutuando para suas posições e se tornando desertos em segundos. No hangar centenas de braços robóticos, alguns gigantescos, movem-se para abastecer e armar mais de uma centena de caças espaciais para eventual lançamento. Pilotos correm para suas plataformas de lançamento enquanto imensas estruturas robóticas posicionam os caças prontos para entrar em combate. Em quartéis espalhados pela nave centenas de soldados vestem seus exotrajes de batalha e se preparam para repelir uma eventual abordagem inimiga.

– Sistemas de armas operacional. Escudos no máximo. Sensores em modo tático. 10 segundos para desativação total da gravidade artificial.

Em situações de batalha a gravidade artificial se tornava um desperdício de energia e uma armadilha perigosa aos tripulantes, que, apesar de permanecerem todos presos as suas posições, ainda podiam se mover livremente equipados com seus trajes magnéticos.

– Gravidade desativada. Energia redirecionada para integridade do casco. 2 minutos para a Rio Grande estar ao alcance da esquadra inimiga. – Termina Ymir.

– Travar mísseis de cruzeiro na esquadra de caças. Barragens 1 e 2 abrir fogo!

À frente da Rio Grande dois enormes compartimentos se abrem e de dentro deles dois colossais lançadores retangulares miram o horizonte por um instante, para no instante seguinte despejarem uma chuva de fogo impressionante com uma sucessão de lançamentos de pequenos e rápidos mísseis que pintam o espaço com um espetáculo de luzes que, por um segundo, lembra uma chuva de pequenos cometas.

– Disparos das barragens completo. Impacto em 30 segundos.

– Parada total!

A imensa Rio Grande estática no espaço se tornava um alvo muito fácil e irresistível para qualquer armada, e era isso que Conrad contava.

– Impacto dos mísseis de cruzeiro confirmado. Registro 47,17% de baixas. Naves inimigas entrarão em alcance em 10 segundos

– Posição das naves de carga?

– 1 minuto para saírem da influência gravitacional, Capitão.

– Acionar todas as defesas de ponto!

A tela à frente brilha com inúmeros pontos vermelhos convergindo. Os caças inimigos entram na última área de defesa interna.

– Todas as armas, FOGO!

Por Kubiach

 

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