RPG & Física. Alguma relação? (III)

Deve ser brincadeira: Jogar RPG com Feynman?

Um dos maiores problemas enfrentados pelos jogadores de RPG é como tornar sua aventura interessante. Decidir qual o tipo de personagem que se irá interpretar é tão importante quanto encontrar o tipo certo de ambientação para a história: é possível fugir da mesmisse das aventuras e personagens medievais? E como a Física poderia ajudar a fazer isso? Se você souber evitar o senso comum que, no que diz respeito ao indivíduo, o físico representa a encarnação do homem isolado, rabugento e anti-social, a Física pode proporcionar enredos inesquecíveis para qualquer aventura, e não é esse o sonho de todo mestre de RPG?). Ainda que o mestre de seu grupo de jogo não entenda nada de Física, qualquer jogador pode construir um excelente mago, paladino, ranger ou gatuno se levar em conta os conhecimentos das leis Físicas e suas aplicações. Só a exploração do conceito de ENERGIA pode ser responsável pelo uso criativo de muitas habilidades dos personagens.

Mas o que é energia?

Este é um conceito complicado. Imagine, por exemplo, um açougueiro que tente ligar uma máquina de moer carne, mas a tomada se recusa a lhe fornecer energia: ela é vegetariana! Absurdo? Isto porque no nosso mundo, a energia é imparcial. A energia é neutra, não é boa nem ruim, é apenas energia. Mas o que é energia, exatamente? Esta pergunta intriga qualquer um. A energia está presente em tantas coisas que tentar responder a essa questão é, no mínimo, uma atitude corajosa. Uma das pessoas que tentou explicá-la de forma original e simples foi Richard Feynman, um dos maiores físicos do século XX – e sem sombra de dúvidas, um dos mais interessantes também.

Energia segundo Feynman

Segundo Richard Feynman, ganhador do prêmio Nobel de física em 1965, a única coisa de que temos certeza e que a Natureza nos permite observar é uma realidade, ou se prefere, uma lei chamada “Conservação da Energia”. “Esta lei diz que existe ‘algo’, uma quantidade que chamamos energia, que se modifica em forma, mas que a cada momento que a medimos ela sempre apresenta o mesmo resultado numérico. É incrível que algo assim aconteça”. A energia se apresenta de diferentes formas, que podem ser mecânica, calorífica, química, nuclear, mássica. Apresentando-se sempre de formas variadas, com várias roupagens, mas sempre – e até hoje não encontramos exceção – sempre se conserva. Algo realmente intrigante.

Consertando rádios com o pensamento

Uma das figuras mais interessantes do século XX, Feynman foi o exemplo perfeito de como a curiosidade insaciável, aliada ao uso direcionado da imaginação, pode ser poderosa. Quando criança tinha o hábito de desmontar rádios, aprendendo como funcionavam e passando a ganhar alguns trocados consertando os rádios da sua vizinhança. Certa vez, foi convidado a dar uma olhada no rádio de um sujeito, que fazia um barulhinho quando ligava (lembre-se de que estamos falando dos antigos rádios da década de 1920). O que Feynman fez? Ligou o rádio antes de abri-lo, ouviu o barulho e se pôs a pensar sobre o que poderia estar causando aquele ruído. Ele conhecia o funcionamento de um rádio, sabia quais eram os componentes e suas funções: não foi difícil deduzir o que estava errado. Feynman deixou o dono do rádio curioso, afinal, tratava-se de um garoto de 11 anos que desfilava em frente ao rádio de um lado para o outro, pensando. Terminado o conserto, o aparelho funcionou perfeitamente e o homem espalhou pelo bairro que o garoto consertava rádios pensando.

Físicos mal humorados

Se você acha que todo físico é antisocial e mal humorado, precisa mesmo saber algo mais sobre Richard Feynman: em seus tempos de faculdade, no MIT, chegou a roubar a porta do quarto de dois estudantes com quem vivia (lá eles moram em grandes casas, as tais fraternidades), porque eles se trancavam para estudar e não conversavam com os colegas. Feynman não aprendeu a falar italiano, mas imitava tão bem os moradores italianos de seu bairro que todos juravam que ele xingava e ralhava em italiano. Todos que não soubessem falar italiano, é claro. Era brincalhão e gozador, não perdendo nunca a chance de fazer uma brincadeira com quem quer que fosse.

Feynman e o psiquiatra

Em sua tese de doutorado Feynman inventou uma formulação da mecânica quântica, mas não pôde defendê-la devido a mobilização dos EUA para a guerra. Foi obrigado a fazer um exame médico para o exército, e o diálogo entre os dois foi tão interessante que merece ser transcrito:

Psiquiatra: Quanto você valoriza a vida?

Feynman: Sessenta e quatro.

P: Por que você disse sessenta e quatro?

F: Como você espera que se meça o valor da vida?

P: Não! Eu quero dizer, por que você falou “sessenta e quatro” e não “setenta e três”, por exemplo?

F: Mas se eu tivesse dito “setenta e três”, você faria a mesma pergunta!

Aliás, foi durante o período em que passou isolado na instalação secreta de Los Álamos que Feynman criou sua reputação: sua esposa estava hospitalizada em um hospital próximo e, como era de se esperar, o exército fiscalizava rigorosamente as correspondências que chegavam ou saíam da base. Inconformado, Feynman recortava as cartas que enviava para a esposa em formato de quebra-cabeças, para que não fossem lidas. Como as instalações eram coletivas, fez uma boneca de roupas que colocava em uma das camas do beliche, para que quem passasse pensasse que havia uma mulher dormindo com ele (e como resultado, obteve um quarto só para si, reservado para “o casal”). Como não gostava do como os militares tratavam os civis envolvidos no projeto, Feynman se divertia burlando os sistemas de segurança da instalação: era capaz de abrir qualquer cadeado ou cofre da instalação, de forma que certa vez, durante uma instrução, o coronel responsável chegou a declarar “eu lhe informaria sobre as novas diretrizes que iremos adotar, Sr. Feynman, se não soubesse que o Sr. já as leu antes de mim”.

Mas o que Feynman tem a ver com RPG?

A resposta é uma só: fonte de inspiração! Imagine um mago de baixo nível, pode ser mesmo um aprendiz, mas capaz de sozinho enfrentar e vencer um dragão vermelho. Acha difícil? Não se o jogador conhecer um pouquinho sobre as idéias de Feynman: o dragão está sujeito a todas as leis físicas que regem o comportamento dos átomos, não importa o quão poderoso seja, o dragão é feito de átomos. E o que aconteceria se, ao invés de conjurar um raio, o mago retirasse uma pequena porcentagem (algo em torno de 1%) da carga elétrica total do corpo do Dragão, você tem idéia do que aconteceria? Bem, digamos que seria o primeiro Dragão a ser lançado ao espaço devido a repulsão elétrica…

Com suas habilidades, Feynman seria um ótimo personagem: paladino, mago ou ladrão, não há limite para seu desempenho em jogo. Sua biografia pode ser transposta para qualquer época (como assim você nunca utilizou bombas atômicas em jogos medievais? Não sabe a diversão que está perdendo!). Mas há também a questão da inspiração para o enredo da história: já pensaram, caros mestres, em explorar o potencial atômico de suas ambientações? Feynman foi o inspirador da nanotecnologia (isso na década de 1950!) e sua frase mais famosa é “há um bocado de espaço vazio lá embaixo. Pena que somos grandes demais para interagir com ele”. Basta uma rápida procura pelo Google e você terá acesso a um vasto material sobre seus trabalhos, como fonte de pesquisa para suas histórias. Até como ele, sozinho e utilizando uma jarra de água gelada e uma tira de borracha, foi capaz de solucionar o mistério da explosão do ônibus espacial Challenger

No próximo e último artigo, falarei sobre a construção de cenários subatômicos e como a entidade proposta por Maxwell para explicar os fenômenos da termodinâmica faz um Tiamat parecer tão inofensivo quanto um Hamster.


Leia os artigos anteriores da série: “RPG e Física. Alguma relação?”

Por Francisco de Assis Nascimento Júnior

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