Física no RPG I

Superpoderes e o Superconhecimento

A idéia de interpretar um personagem superveloz é fantástica: em um mundo medieval ou em uma aventura de supers, a velocidade é um ótimo motor para acelerar nossas idéias. Não há limite para nossas fantasias, mas se você quiser evitar um bocado de dores-de-cabeça, é melhor que haja um para a velocidade no seu jogo! Ainda que nos filmes de ficção e nas histórias em quadrinhos, a velocidade da luz seja facilmente superada por naves espaciais ou supervelocistas em sua luta contra o mal, é aconselhável que isso não aconteça em uma aventura de RPG: nada contra mover-se a supervelocidade, mas que tal pensar um pouco nas implicações de algo se mover duas ou três vezes mais rápido que a velocidade da luz?

Se você leu o segundo artigo desta série (Era Einstein um RPGista?) já tem uma certa noção sobre o que vem aqui pela frente. Caso não tenha lido, corre lá que a gente espera. Pronto? Ok, então, vamos nos aprofundar um pouquinho no que Einstein disse em seu artigo sobre a Relatividade Restrita (ou Relatividade Especial, tanto faz, mas eu prefiro chamar de Restrita): mas para pegar legal o significado do que vou dizer, é aconselhável (eu diria até mesmo que é essencial) que você já tenha visto um jogo de basquete, pelo menos uma vez na vida…

Espaço e tempo ou Espaço-Tempo?

Primeiro, para entender o que é isso, basta que você faça a seguinte experiência: bata duas vezes na mesa, no mesmo local. Pronto? Bem, infelizmente você não conseguiu: porque a mesa não estava mais no mesmo lugar em que estava no instante em que você bateu a primeira vez: lembre-se de que a Terra gira sobre si mesma, gira em torno do sol, nosso sistema solar se move dentro da nossa galáxia, que está se movendo dentro do universo, que está em expansão. Percebeu a jogada? Não existe repouso absoluto, porque tudo está em movimento e tempo/espaço são uma coisa só! Se você ainda achou difícil entender isso, pense assim: uma praia fica a 60 km de sua casa (essa é uma medida de distância, ou seja, espaço). Você pode dizer que mora a 60 km da praia, mas se tiver um carro capaz de fazer 60km em uma hora, em velocidade constante, também pode dizer que mora a 1 hora da praia (que é uma medida de tempo!). Dá na mesma, não é? Pois bem, em escalas maiores também dá na mesma, desde que se use como unidade de medida uma velocidade constante – no caso, a da luz: 300 mil km em um segundo… essa foi a explicação que Einstein encontrou como resposta a vários problemas (um dos quais você conhecerá a seguir)! E veja como é facinho de entender isso: você é capaz de se mover no espaço, mas não se mover no tempo? Nunca tentou? Então, experimente dar um passo para o lado, sem que o ponteiro de segundos do seu relógio se mova. Não conseguiu? Pois é, tento isso desde pequeno e também nunca consegui, relaxe – você não está sozinho nessa…

Ótimo, agora que você já entendeu que espaço-tempo é uma coisa só e que não existe repouso absoluto (porque tudo continua se movendo no tempo), vamos ver se sua imaginação é mesmo tão boa quanto você imagina (sei que isso foi um pleonasmo, mas tudo bem, afinal o texto é sobre física…).

Imagine um atleta quicando uma bola de basquete no meio da quadra. O atleta está parado e a bola quicá entre a mão e o chão da quadra em linha reta, certo? Você está olhando da arquibancada e lá está o atleta, parado, quicando a bola num sobe-e-desce em linha reta, igualzinho na figura1…certo? Você é o observador nº 1. O atleta será o observador nº 2 e para ele a bola de basquete também sobe-e-desce em linha reta, como na figura 1. Tudo bem até aqui? Ótimo, então, o atleta começa a correr, quicando a bola: para ele a bola continua o sobe-e-desce em linha reta (figura1), mas para você não: você olha e vê a bola subindo e descendo em zigue e zague acompanhando o atleta, como na figura 2, não é mesmo?

Eu sei que esse é um exemplo bobo e bem óbvio, mas acredito que seja a maneira mais fácil de se entender o que acontece quando algo se move na velocidade da luz: vamos trocar agora a bola de basquete por um fóton (é, aquela particulazinha de luz!). Preste muita atenção: se o atleta está parado no meio da quadra e começa a quicar o fóton no chão, o fóton irá fazer o movimento de sobe-e-desce da figura 1. Você, que está sentado na arquibancada, olha para o atleta e vê o fóton fazendo o mesmo movimento. Agora, o atleta começa a correr pela quadra, quicando o fóton. Para melhorar o exemplo, vamos fazer com que o atleta agora passe a correr em uma velocidade muito, muito próxima a da luz, está bem? Ok: lá está nosso atleta, oficialmente conhecido como observador nº 2, correndo em uma velocidade muito próxima a da luz (depois eu explico por que ele não corre na velocidade da luz) e quicando o fóton (esse sim, se move na velocidade da luz, afinal…ele é uma partícula de luz, né?). Para ele, o fóton faz o movimento da figura 1, da mesma maneira que a bola de basquete. Só que você, o observador nº 2, vê o fóton fazendo o movimento igual ao da figura 2, da mesma maneira que a bola de basquete.

Bem, hora da morte cerebral: sinto muito, mas não tem outro jeito, hora de botar pra funcionar sua imaginação: se no referencial do observador 1 o fóton percorre um espaço maior quando se comporta de acordo com a figura 2, e faz isso na mesma quantidade de tempo que gasta para fazer o movimento da figura 1 no referencial do observador 2, isso te traz um problemão: como é possível que ele percorra distâncias diferentes em uma mesma unidade de tempo? Lembre-se de que a velocidade da luz é constante, portanto, então o fóton não pode ter acelerado! Como você explica essa situação?

Como diria Jack, vamos por partes: velocidade é o quanto algo percorre (distância) em um certo tempo, não é? Portanto, se a velocidade é constante (não muda), algo tem que mudar para que a igualdade seja válida: ou o espaço, ou o tempo. Se o tempo for maior, o espaço deve ser menor e vice-versa – porque no caso do jogador quicando o fóton, o resultado da conta já está lá, é a velocidade da luz. Entendeu? De acordo com Einstein, o que acontece é o seguinte: para o atleta que está se movendo a uma velocidade próxima a da luz, o tempo está passando mais devagar do que para você. Em compensação, no seu referencial, o que parece menor é o espaço: por isso que você vê o fóton percorrer um espaço maior!

Agora você deve estar pensando “O quêêê?” , porque se no seu referencial o espaço é menor, o que é que o atleta enxerga quando olha pra você? Bem, trata-se da resposta definitiva para qualquer regime de peso: o atleta te vê comprimido, magrinho, magrinho, como se a sua largura fosse quase como a espessura de uma folha de papel sulfite.

Esses são os chamados efeitos relativísticos do movimento e tudo que se mover em uma velocidade próxima a da luz está sujeito a eles. Mas por que “velocidade próxima a da luz” e não “velocidade da luz”? Bem, digamos que os fótons descobriram a fonte da eterna juventude: eles nascem e morrem com a mesma velocidade…onde o tempo literalmente não passa! Ou seja: se o atleta se movesse na velocidade da luz, o tempo não passaria para ele, entendeu? Isso porque a velocidade da luz (c) é a velocidade limite no nosso universo, nada se move mais rápido que ela. E antes do artigo terminar, vou explicar o por quê: imagine uma máquina ou dispositivo capaz de funcionar mais rápido que a velocidade da luz. Algo do tipo “o dobro da velocidade da luz”. Pronto? Agora, imagine que esse dispositivo, ao receber uma pergunta qualquer, emite a resposta automaticamente, nessa mesma velocidade mais rápida que a da luz. Então, imagine-se agora a uma certa distância dessa máquina. Você envia uma pergunta para ela, mas faz isso em um meio que se propague na mesma velocidade da luz.

Sabe o que vai acontecer? Você irá receber a resposta, antes mesmo de ter feito a pergunta! Porque se a máquina funciona mais rápido que a velocidade da luz, então ela recebe a pergunta enviada por você e manda a resposta com uma velocidade superior (à velocidade da pergunta), certo? Mas, viajar em uma velocidade qualquer, significa percorrer um determinado espaço em uma quantidade de tempo qualquer, correto? Então, viajar ao dobro da velocidade da luz significa percorrer o mesmo espaço na metade do tempo que a luz levaria para percorre-lo: a resposta viaja de volta a uma velocidade que lhe permite ultrapassar a pergunta no caminho da vinda, ou seja, você recebe a resposta antes mesmo de fazer a pergunta. O que daria uma grande confusão!

Portanto, se o negócio é algo (ou alguém) se movendo a velocidades do tipo absurdamente altas, tudo bem – afinal, trata-se apenas de um exercício imaginativo e não há problema algum com isso. Mas a diversão pode ser muito, muito maior se esse exercício ocorrer sob algum tipo de controle (e não é para isso que servem as regras de RPG?). A velocidade da luz é um limite físico constante no nosso universo: que tal mantê-la assim nas suas aventuras também?


Leia os artigos anteriores do autor:

“RPG e Física. Alguma relação?”
Por Francisco de Assis Nascimento Júnior

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