Sim, RPG é Arte, e isso independe do jeito que você joga!

De vez em quando, no RPG brazuca, rola umas tretas desnecessárias, porque algumas pessoas se apegam mais ao antagonismo do que à reflexão.

A mais recente foi a negação do RPG enquanto expressão artística. Antes de explicar porque RPG é uma forma de arte, vamos explicar como surgiu essa treta. Vou usar denominações gerais, porque é meio irrelevante dar nome aos bois e este artigo tem a pretensão de fazer as pessoas refletirem, não de atiçar o fogo das vaidades.

Há muito tempo, uma parcela dos jogadores Narrativistas (ou que se consideram como tal, embora na verdade nem sempre sejam), vive atacando os jogadores de RPG ditos Gamistas, especialmente os de D&D e afins, dizendo que não há roleplaying nesses jogos, que é só combate, combos etc. etc. E que eles, por outro lado, não apenas jogam “RPG de verdade”, mas de forma artística, porque RPG é uma forma de Arte.

Óbvio que as supostas acusações feitas aos jogadores exclusivamente Gamistas não são verdadeiras. Não há nenhum problema em se jogar fazendo combos, focando na mecânica, etc. Não há nada de errado nisso, isso não diminui o seu jogo ou você enquanto jogador, isso não te faz menos roleplayer ou qualquer outra bobagem que possam ter dito.

É apenas um jeito de jogar o nosso hobby, que inclusive não impede de você jogar RPGs mais narrativistas. Eu amo tanto D&D quanto Castelo Falkenstein e os jogos narrativistas mais modernos. Inclusive criei um, o EPIFANIA: Deuses em Nós, um RPG que não usa dados nem nenhum outro fator randômico.

Ora, em vez de argumentar contra esse pensamento preconceituoso e equivocado, alguns jogadores Gamistas resolveram rebater da pior maneira possível, dizendo que RPG não tem nada a ver com Arte, que é apenas um jogo.

Bem, vamos desconstruir também essa outra bobagem e, por extensão, desconstruir ainda mais a primeira. Afirmo que seja bobagem, porque o RPG é uma ferramenta poderosa, usada na Educação e em outras áreas do conhecimento humano. Então RPG é muita coisa, não “apenas um jogo”.

Além disso, a imensa maioria que faz tal afirmação não tem formação em Artes, desconhece a bibliografia especializada e, quando confrontados por jogadores que têm formação acadêmica na área, desdenham dessas pessoas e das instituições que os formaram: é o negacionismo no RPG!

Bem, vamos procurar explicar de uma forma simples e clara. Primeiro, vamos começar definindo o que é Arte.

Não existe uma definição única do que seja Arte e como este artigo não se propõe a ser acadêmico, fiz uma pesquisa e achei um excelente site sobre História da Arte que elenca as principais definições do que seja Arte. Transcrevo aqui para vocês:

“Elencamos algumas definições para Arte:

• Criação humana de valores estéticos (beleza, equilíbrio, harmonia, revolta, etc.) que sintetizam suas emoções, sua história, seus sentimentos e sua cultura;
• Capacidade do homem de criar e expressar-se, transmitindo ideias, sensações e sentimentos através da manipulação de materiais e meios diversos;
• Atividade humana ligada a manifestações de ordem estética, feita por artistas a partir de percepção, emoções e ideias, com o objetivo de estimular esse interesse de consciência em um ou mais espectadores, e cada obra de arte possui um significado único e diferente;
• Reflexo do ser humano que muitas vezes representam a sua condição social- histórica e sua essência de ser pensante;
• Habilidade ou disposição dirigida para a execução de uma finalidade prática ou teórica, realizada de forma consciente, controlada e racional;
• Composto de meios e procedimentos realizados pelo homem, através dos quais é possível a obtenção de finalidades práticas ou a produção de objetos; técnica para criar algo;
• Conjunto de obras de determinado período histórico, nação, povos, movimento artístico, por exemplo, Arte Medieval, Arte Africana, Arte Realista, etc.”

Também recomendo o artigo de Rebeca Fuks, Doutora em Estudos da Cultura.

Reparem que o RPG pode ser enquadrado em todas as definições acima. Se você acha que não seja o caso em alguma, é porque o RPG, uma mistura de Teatro e Literatura, está dentro de uma modalidade de Arte historicamente recente: a Arte Interativa.

Vou pegar a definição de Arte Interativa da Wikiversidade:

“Arte interativa é uma forma de arte que envolve a participação do espectador de maneira a permitir à arte atingir seu propósito.

O autor de uma obra interativa não se apresenta pessoalmente ou por meio de uma gravação para que seu público o assista como nas Artes Performáticas, nem produz uma obra estática para mera contemplação passiva como nas Artes Plásticas.

Nas Artes Interativas, a relação entre o autor e seu público é indireta, mediada pela obra com a qual o público-usuário interage ativamente recebendo então dessa obra respostas a seus estímulos.”

Nada mais RPG do que a própria definição de Arte Interativa, inclusive o RPG solo, diga-se de passagem, para aqueles que acham que RPG solo não é RPG.

Para quem tem preconceito com as Wiki, indico como referência sobre o que é Arte Interativa, este artigo do Centro de Artes Desines de Portugal.

Então, mesmo que alguém jogue como uma eterna criança com seu anão guerreiro, ainda assim ele fará Arte Interativa.

Porque, independente do jeito que se jogue RPG, em todas as suas modalidades, tem como principal característica uma história que está sendo contada de forma interativa. Sempre há uma história, mesmo que uma parcela dela seja contada apenas com os resultados dos dados, sem uma interpretação por parte do jogador, que é o público participante dessa Arte Interativa.

Inclusive a modalidade RPG solo, porque a interação não é apenas entre os jogadores com a história, mas também de um único jogador com a história, de um único leitor com o livro de jogo, de um único espectador com a obra.

Esperamos que este artigo tenha clarificado esta questão e que ele desarme os espíritos dentro do nosso amado hobby.

Por Marcelo Telles
Editor da REDE
RPG
Formado em Licenciatura em Educação Artística, Habilitação Música, pela UFRJ

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2 Comments
  1. Olá, Marcelo!
    Você escreve muito bem, meus parabéns!
    Tem um estilo muito inteligente, bem argumentado e agradável de ler. Gostei muito do seu texto.
    Até a parte em que você começa a apresentar definições de arte. Aí ficou muito acadêmico, acho que para um site de RPG seria melhor apresentar uma definição ‘prática’ e ir em frente até a arte interativa, eu não tinha visto esta expressão antes! E continuar usando uma definição ‘operatória’, sem se preocupar com o conceito, porque você tem coisas mais interessantes a dizer.
    Eu estava olhando as postagens no celular e até resolvi entrar pelo note, para ler com mais atenção o que você escreveu. Você até criou um jogo interativo que não é competitivo, isto é muito interessante. O nome do jogo também é muito bom, algo como Deuses em Nós, certo?
    Minha sugestão, meu pedido, é que você continue escrevendo, só hoje você já levantou duas temáticas bem importantes, a da arte interativa e a do jogo não-competitivo (no seu caso, sem dados). Só cuide para não ocupar o seu texto com procedimentos acadêmicos tradicionais, como o da definição de arte. Acho que isso tira a graça da leitura e não ajuda em nada no seu propósito de falar sobre o lado artístico do RPG. Pensando agora: se você quer falar de quanto um RPG pode ser artístico, basta usar um conceito operatório, prático, sem nem precisar definir, e vá em frente para o RPG artístico, com a sua experiência de RPG…
    Vou ver se acho seu nome no Face. Em todo o caso, deixo o meu nome, se você quiser me adicionar eu agradeço, gostei muito de ler o que você escreve. Eu comecei a pesquisar sobre RPG há pouco tempo e gosto de pensar na questão da ‘essência’ do RPG, estou tentando começar a jogar um D&D. Mas o meu interesse maior é a compreensão desse processo todo, entender como as pessoas se envolvem tanto num jogo.
    Bom trabalho!
    Cordialmente,
    Tan Neto

    • Obrigado pelos elogios e pelo comentário, Tan! :-) Eu juro que eu tentei ser o menos acadêmico possível, inclusive porque não me considero um acadêmico, embora tenha uma boa formação. Mas por causa da polêmica anterior, me senti obrigado a colocar esses links, para deixar claro que não era apenas “a minha opinião”. Normalmente não utilizo de bibliografia acadêmica para os meus artigos de RPG, pode ter certeza que essa foi uma exceção. :-) E seja bem-vindo ao mundo do RPG! :-) <3

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