Thirsty Sword Lesbians RPG (resenha)

Nesse texto eu quero falar sobre um jogo que me chamou a atenção já faz um tempo. Faço uma análise do livro em si e também da minha experiência pessoal com ele.

Thirsty Sword Lesbians (Lésbicas da Espada Sedenta – tradução livre) é um jogo empoderado pelo Apocalipse (como diria o grande Tio Nitro), um jogo PbtA.

O jogo veio à tona por meio de financiamento coletivo pela plataforma do Kickstarter e foi idealizado pela Evil Hat que é famosa pelo FATE, por exemplo.

Bom, vamos ao que interessa: o jogo em si. Eu obtive o meu exemplar recentemente em PDF e fiquei realmente impressionado. Aliás, a primeira impressão que eu tive ao “folhear” o livro foi que ele foi feito com carinho, capricho mesmo.

As artes são lindas, até a fonte usada é evocativa e dá o “tom” do que o jogo quer trazer. Mais do que um jogo estilo PbtA, o livro é uma lição de como jogar RPG, como criar histórias e ainda traz uma importante mensagem sobre a comunidade QUEER. O foco, na verdade, são mulheres lésbicas espadachins lutando contra a opressão e a favor da liberdade de ser quem se quer ser.

O LIVRO

O produto tem 224 páginas, é colorido e ricamente ilustrado, com uma diagramação impecável. Naturalmente, o livro começa com uma introdução, depois elenca as regras principais, traz os movimentos básicos, ensina a fazer personagens, dispondo de vários arquétipos (playbooks) interessantes (vou falar mais disso na parte das regras).

O GM não foi esquecido: há um capítulo dedicado a ele, sucedido de um capítulo sobre possíveis cenários e sugestões de aventuras. Essa foi uma parte que me chamou muita atenção: o livro não traz um cenário específico, mas algumas sugestões criativas e simpáticas. O jogo permite que você jogue num cenário space opera, fantasia medieval, até outros mais intrigantes como uma casa de chá na intersecção entre dois mundos.

Aqui convém destacar que já existe um suplemento para este RPG chamado Advanced Lovers and Lesbians, que teve seu financiamento concluído ano passado e traz ainda mais opções de cenário. Em um deles, os jogadores são hienas! Além disso, o manual traz dicas de como criar os próprios cenários pelo Mestre ou de forma colaborativa.

Mais adiante existem regras para customização do jogo e material para facilitar a jogatina; a maior parte do material voltado para o Mestre.

O SISTEMA

Trata-se de uma adaptação PbtA em que os jogadores têm acesso à uma gama de 9 (nove) playbooks (e muitos mais na expansão que citei). Em cada playbook, há duas opções de pontuação dos atributos, com um espaço para customização.

Além disso, cada playbook começa com um ou dois movimentos e escolhe mais um o dois de uma lista. O que eu achei realmente interessante é que cada playbook dispõe de uma mecânica própria que foca na essência do próprio arquétipo.

Para ilustrar, vou citar um exemplo: o arquétipo The Beast traz um personagem feral, parte humanoide, parte besta. A mecânica única que a Beast traz é uma medida da bestialidade versus a humanidade da personagem. Ou seja, à medida que ela se entrega à bestialidade ou à civilidade, as coisas mudam mecanicamente para ela. Ao mesmo tempo, essa mecânica traz boas oportunidades de interpretação e movimentação da história.

Os atributos são ligeiramente vagos (propositalmente), sendo eles: Daring (relacionado às capacidades físicas mais brutas), Grace (relacionado às habilidades físicas mais finas e delicadas), Heart (relacionado ao autocontrole emocional e expressão de sentimentos), Wit (relacionado à esperteza) e Spirit (relacionado ao poder metafísico e à integridade).

Há diversos movimentos conforme já esperado de um jogo PbtA. E alguns deles são bem tradicionais e semelhantes a alguns outros jogos que estamos acostumados, como o Fight (lutar) e o Defy Disaster (desafiar o desastre – um movimento que me remete ao Desafiar o Perigo de Dungeon World). Outros, porém, são bem icônicos dessa proposta, como o movimento Entice (que pode ser usado para flertar com alguém), o movimento de suporte emocional (usado para “cura”, por assim dizer) e um movimento de beijar após uma situação perigosa!

O GM também tem acesso a diversos movimentos, muitos dos quais colaboram para contar uma história tão aventuresca quanto melodramática. Isso permite que a trama aborde os sentimentos das personagens e das relações entre elas, desenvolvendo o enredo de forma única, customizada.

Não existem “pontos de vida” ou coisa que o valha. Ao invés disso, o sistema trabalha com condições. São cinco ao todo e se a personagem acumular todas elas, a personagem está fora de cena até poder se recuperar. Existem modos de recuperação das condições, como movimento de suporte emocional e movimentos específicos de cada playbook. Os NPCs, por sua vez, suportam de 1 a 5 condições, sendo derrotados quando acumulam o determinado número de condições.
As condições são todas relacionadas com sentimentos como raiva, culpa e insegurança; e trazem prejuízos específicos.

Outra mecânica interessante são as Strings, que funcionam mais ou menos como em Monster Hearts ou as dívidas de Urban Shadows. As Strings são uma medida de vínculo entre duas personagens e têm diversos usos, podendo ser usadas (e gastas) para melhorar um teste em relação à personagem vinculada ou até mesmo ganhar XP e evoluir a personagem. Mais uma vez, a mecânica incentiva uma narrativa cativante.

MINHA EXPERIÊNCIA PESSOAL

Eu tive a oportunidade de jogar esse jogo magnífico e foi uma experiência realmente excelente. Na verdade, eu fui o Mestre da aventura, que ocorreu em formato de one shot e contei com a presença de quatro jogadores, sendo que alguns deles fazem parte da comunidade QUEER.

Pude notar que vários elementos no jogo contribuem para a criação colaborativa da narrativa. Por exemplo: eu escolhi o cenário space opera, mas o jogador escolheu o arquétipo The Devoted (lembra uma paladina, uma mártir) e uma das escolhas no playbook é a quem ela é devotada. A personagem era devotada à dragoa sexy! Pronto! Agora a líder da resistência intergaláctica é a lendária dragoa sexy.

Nesse ponto, quero ressaltar que o livro não propõe que a narrativa seja séria, sisuda. Há uma abordagem sobre o tom do jogo e, no meu caso, os jogadores ficaram bem confortáveis com uma narrativa mais cômica e leve.

Eu usei uma das propostas de aventura do próprio livro e fui preenchendo os espaços em branco no improviso e com ajuda dos jogadores. No geral, foi uma ótima experiência: conseguimos explorar alguns aspectos do jogo, teve aventura, disputa, luta contra a opressão e mulheres lésbicas espadachins (espaciais).

Por fim, deixo alguns conselhos e ponderações para quem for querer jogar. Primeiro que não dá para jogar com quem não for da comunidade QUEER ou quem não a respeite. Não sem o enfretamento de grandes obstáculos. Além disso, eu sugiro conversar bem com os participantes sobre o tom da narrativa, sobre limites e expectativas: enfim, fazer uma boa sessão zero. Por fim, é bem produtivo que todos os participantes saibam o básico das mecânicas do jogo, em especial sobre os próprios personagens. Digo isso porque é um jogo bem diferente do tradicional e cada detalhe pode aprimorar a experiência de jogo.

E você, já jogou? Quer jogar? Conhece algum jogo com essa pegada QUEER? Conta pra gente nos comentários.

Fico por aqui, boas rolagens!

Por Murilo Mendes
Equipe REDE
RPG

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