D&D: Como tornar Dungeons & Dragons apavorante

Como muitos de vocês planejam incluir o terror em suas aventuras de D&D, nós gostaríamos de compartilhar alguns métodos usados para realçar elementos aterrorizantes nos Domínios do Medo e ajudá-los a colocar mais horror em suas campanhas.

COMO TORNAR D&D APAVORANTE
Faz pouco tempo, desde que lançaram o Van Richten’ Guide to Ravenloft, mas já dá para sentir a empolgação de jogadores e Mestres ansiosos em incluir temas de terror em suas campanhas. Entretanto, uma pergunta sempre volta: será que D&D, um jogo essencialmente sobre feitos heroicos, pode ser apavorante?

Para ser sincero, nós também nos pegamos pensando sobre isso.

Eu sou Wes Schneider, Game Designer Sênior de D&D aqui na Wizard of the Coast e gerente de projeto em Van Richten’s Guide to Ravenloft. Como muitos de vocês planejam incluir o terror em suas aventuras de D&D, nós gostaríamos de compartilhar alguns métodos usados para realçar elementos aterrorizantes nos Domínios do Medo e ajudá-los a colocar mais horror em suas campanha.

TRAJETÓRIAS DO HORROR
Uma simples verdade dominante em D&D dificulta a criação de terror a longo prazo: os números aumentam. No intervalo entre a criação do seu personagem e o fim de sua décima aventura, você terá mais experiência, mais pontos de vida, mais talentos, mais tudo. Os personagens de D&D tornam-se mais fortes e mais ágeis, o que lhes dá recursos para triunfar sobre ameaças cada vez maiores.

Eu jogo muitos RPGs de horror e isso não acontece na maioria deles. Em muitos deles, já no início do jogo, as opções começam a se estreitar – os recursos tornam-se escassos, problemas aumentam, o tempo joga contra os personagens, e as chances de derrota (ou coisa pior) crescem. Em muitos desses sistemas, as mecânicas do jogo te prejudicam desde o início.

A estrutura dramática de tragédia e comédia surge forte, com o aspecto de comédia tendo uma função importante em D&D. Mas será possível alterar essa estrutura de modo a realçar temas sinistros, sem perder a essência de D&D?

Nós não tivemos muito trabalho para descobrir. Mudanças nas mecânicas para favorecer o terror já foram feitas antes – especificamente para Ravenloft.

APRENDENDO COM O PASSADO
Na segunda edição de D&D, Ravenloft enfrentou essas mesmas questões mecânicas, e buscou conter o poder dos personagens de modo lógico: penalidades. Para efeitos de terror, horror e similares, Mestres combinaram narrativas aterrorizantes com mecânicas que debilitavam os personagens. E essas regras certamente contiveram os personagens heroicos de D&D, com o terror funcionando como um calcanhar de Aquiles universal nas aventuras nos Domínios do Medo. Os heróis ainda podiam evoluir, nível após nível, mas, a qualquer momento, o abraço do terror podia levar seus poderes embora.

Regras como essas certamente alteraram a trajetória dramática de Ravenloft em direção à tragédia, mas também fizeram dos Domínios do Medo uma ambientação com algumas jogadas de proteção extras, e um lugar onde um texto lido em voz alta (combinado com teste de medo ou horror ruim) poderia matar você.

Isso nunca me satisfez por completo. Na real, sempre vi isso como uma tentativa de fazer de D&D um outro jogo. Na segunda edição, eu temia tanto as mecânicas que nunca as usei em outras campanhas fora de Ravenloft.

Por outro lado, as ferramentas de Ravenloft tinham muitas instruções sobre como alterar um jogo familiar e criar narrativas apavorantes, como criar horror e suspense, e como criar disfarces para regras tradicionais. Algumas dessas ideias eram risíveis e meio loucas, mas fomentavam uma certa experimentação que me inspirou a tentar, falhar e tentar de novo, usando truques aterrorizantes, tanto narrativos quanto mecânicos.

Partindo das características passadas de Ravenloft, nós incorporamos diversos ensinamentos sobre como pensar o horror na quinta edição:

• D&D é D&D e nós não devemos fazer dele algo que ele não é.
• Pequenos ajustes e narrativa podem disfarçar regras tradicionais, tornando-as fonte de incerteza e surpresa.
• Não existe caminho para o horror.

Com essa filosofia em mente, fizemos diversos experimentos que você encontra em Van Richten’s Guide to Ravenloft.

O QUE TORNA UM JOGO APAVORANTE?
Um dos primeiros conceitos explorados pelo jogo é quem é responsável pelo o horror em D&D. De quem é a responsabilidade por uma aventura aterrorizante? A resposta fácil é dizer que é o Mestre, mas e se não for? E se os jogadores também fossem responsáveis por uma aventura de terror?

Com esse objetivo, Van Richten’s Guide to Ravenloft evita atribuir uma atmosfera de horror apenas ao Mestre de Jogo. O jogo não só encoraja jogadores a agirem como criadores e contadores de histórias, como se esforça para evitar o antagonismo entre o Mestre e o grupo. Se é o Mestre que decide quando um personagem sente medo, não há nada de apavorante nisso. Além disso, perder o controle do seu personagem com frequência não tem graça.

Ao invés disso, nós buscamos incentivar a cooperação entre jogadores e DM, convidando expressamente jogadores a participar na criação de histórias de horror. Não há nada em um jogo de horror que diga que as regram têm que ser contra os jogadores. Por fim, não há nada que um DM possa fazer que possa amedrontar mais um personagem do que a vontade do jogador de que seu personagem tenha medo.

AVENTURAS DE HORROR SÃO DIFERENTES
Sustos e arrepios não são o que vem à mente da maioria jogadores quando pensam em D&D. Então, antes de encorajarmos Mestres e jogadores a mergulharem nas profundezas do terror, foi importante para nos lembrar que jogos de terror são divertidos, apenas um pouco diferentes das aventuras tradicionais de D&D.

E por que isso é importante? Porque uma comunicação truncada estraga uma mesa boa. Talvez não para todo mundo e não em todos os casos, mas uma boa parte. Entendendo que prevenir é melhor que remediar, já nas primeiras páginas do Van Richten’s Guide to Ravenloft, nós descrevemos de modo claro os debates que grupos podem ter sobre o que querem ver em suas mesas – e o que não querem. Essas conversas não são necessariamente complicadas, mas são importantes para que cada um saiba no que está se metendo.

Dungeons & Dragons é jogado por incontáveis pessoas ao redor do mundo, por isso quisemos ter certeza de que os grupos poderiam usar as ferramentas do livro para criar experiências de horror que eles considerassem certas, que combinassem com seu estilo de jogo. Se um grupo de jogadores gosta de histórias de terror atmosféricas e sérias, o Van Richten’s Guide to Ravenloft apresenta uma série de ferramentas e sugestões narrativas para criar essas histórias. Do mesmo modo, se um grupo quer apenas traços de horror em suas histórias, ou sua mesa inclui jogadores mais jovens, também há opções para esse estilo. Grupos que gostam de suas aventuras de horror bem exageradas acharão ferramentas para criar essas histórias ou quem sabe outras. No livro, nós priorizamos abrangência e versatilidade. São diversas opções para que todos tenham a experiência de horror que procuram.

Depois que todos tenham a mesma ideia sobre o que é uma experiência de horror em D&D, ainda resta um desafio: como fazer um jogador desejar que seu personagem sinta medo?

PERSONAGENS COMO HISTÓRIAS DE HORROR
Uma resposta simples que exploramos é fazer os jogadores incluírem horror em seus próprios personagens. Linhagens macabras, Dons Sombrios, características e antecedentes trágicos, até mesmo itens apavorantes – toda a criação de personagens em Van Richten’s Guide to Ravenloft tenta convencer os jogadores a incutir horror na gênese de seus personagens. Essas opções mecânicas abrem portas para uma gama maior de possibilidades narrativas, e também dão aos jogadores suas próprias histórias de horror, que eles podem saborear ou tentar superar em meio à aventura principal. Isso pode levar à criação de um grupo de desajustados, com todos tentando esconder seus segredos sinistros, que serão certamente revelados ao longo da história. Eu, pessoalmente, gosto de ver grupos com histórias relacionadas, como todos terem sido trazidos de volta à vida (talvez vítimas de um mesmo acidente ou de um mesmo destino trágico), ou serem vítimas de um mesmo parasita dado por um Pacto Sombrio, ou talvez todos investigadores trabalhando em um mistério de mil anos. Com um pouco de colaboração, um grupo de jogadores e suas escolhas durante a criação dos personagens podem ser uma incrível fonte de horror para a campanha.

PLANEJANDO O MEDO DOS PERSONAGENS
Mais do que levar os personagens a abraçar origens sombrias por decisão dos próprios jogadores, existe um meio bem direto de fazer os jogadores pensarem nos medos de seus personagens: simplesmente perguntando, “seu personagem tem medo de que?” É claro que a resposta pode ser “nada”, mas e se os jogadores fossem incentivados a abraçar o medo de seus personagens?

“Seeds of Fear” – parte do sistema de Medo e Estresse no capítulo 4 do Van Richten’s Guide to Ravenloft – é uma motivação direta para que os jogadores levem o medo dos personagens em consideração. O sistema instrui os jogadores para que escolham um ou dois medos moderados para seus personagens. Quando esses medos surgirem, cabe aos jogadores decidirem como seus jogadores vão reagir, mas caso fiquem apavorados, eles ganham uma inspiração para usar depois.

O que eu gosto bastante nisso não é só a simplicidade, visto que os jogadores já sabem como a inspiração funciona, mas a criação de um sentimento de horror heroico. Histórias de horror fascinantes não são apenas sobre inocentes apavorados morrendo de forma terrível; são sobre ter medo, reagir e superar o medo interno para, então, enfrentar a ameaça externa. Usando essas regras simples, um personagem pode fugir gritando de um inimigo, e depois retornar para confrontar a origem de seu horror. É um sistema que encoraja o medo, mas também o heroísmo, o que é uma boa parte do que uma aventura de D&D significa.

O MEDO NA CAIXA DE FERRAMENTAS DO MESTRE
Independente de quanto trabalhemos para dar aos jogadores uma experiência de horror narrativo, às vezes ainda faz sentido para os DMs pedir uma jogada de proteção para botar medo nos personagens. Mas essa não deve ser a única maneira de incluir medo em uma aventura. Efeitos de medo baseados em regras ainda têm seu lugar (como visto na seção “Fear and Stress”, do capítulo 4), bem como outas regras do livro sobre medo, desde ações terríveis dos monstros até regras variadas para horrores de domínios específicos.

Afligir os personagens com a condição medo é uma das opções na caixa de ferramenta do Mestre, mas nós damos diretrizes sobre como usar, e como trabalhar com os jogadores sobre seu efeito. O objetivo de tudo isso é evitar um clima de confronto excessivo, no qual o DM está sempre pedindo jogadas de proteção que espantam os jogadores. Se os jogadores abraçam o medo quando ele é divertido, o Mestre só precisa impô-lo quando ele é necessário – isso os deixa livres para focar em outros aspectos da experiência de horror.

VARIEDADES DO MEDO
Agora você já tem a ideia de que não há apenas um jeito de tornar D&D assustador, e isso é verdade. Uma outra maneira de responder a pergunta “como tornar D&D apavorante” é “variedade”.

Medo não deve ser previsível em D&D. Quando um teste para resistir ao medo é anunciado com a expressão familiar “faça um teste de perícia”, o suspense já era. Por isso, em Van Richten’s Guide to Ravenloft, nós não tentamos apenas uma solução para inspirar medo em suas aventuras. Em vez disso, nós trabalhamos para que todas as opções que apresentamos encorajem o horror à sua maneira.

Além do que já mencionei, aqui vai uma lista rápida de outras estratégias para criar horror na sua mesa.

Horror Atmosférico. De longe minha estratégia favorita para criar uma experiência de horror. As técnicas de horror atmosférico exploram como fazer tudo fora do jogo desaparecer e imergir os jogadores em uma história de horror usando efeitos, música, objetos (como o “Spirit Board”, que você pode baixar aqui) e outros.

Destino Trágico. Eu sei que disse que D&D é um jogo no qual os personagens estão destinados a grandes coisas, mas, às vezes, é divertido viver uma tragédia que não envolva a perda de anos de desenvolvimento de personagem. A seção “survivors” apresenta substitutos não tão heroicos, que os jogadores podem usar para experimentares pesadelos, tragédias one-shot ou a liberdade sinistra de saber que seus dias estão contados.

Mini-histórias de Horror. Cada monstro na seção bestiário do Van Richten’s Guide é uma microhistória de horror. O sacerdote maligno que não morre, o inimigo que vira um enxame ao explodir, a pele que sai dos ossos, o cemitério que levanta – eles estão todos lá para chocar os personagens de um jeito único.

Tudo Junto De Uma Vez Só. Quer um exemplo de como usar todas as técnicas juntas? A aventura “House of Lament” não apenas serve como introdução aos Domínios do Medo, mas também é uma modo de exercitar tudo o que você aprendeu no livro. Use-a como uma primeira incursão nas Brumas ou vire-a de ponta a cabeça para ver como uma variedade de técnicas apavorantes pode criar uma história de horror fascinante.

APAVORE OS PERSONAGENS, NÃO OS JOGADORES
Apavorar os jogadores não é um objetivo do Van Richten’s Guide to Ravenloft. Nós apresentamos ferramentas para ajudar grupos a tornar suas aventuras de horror em uma experiência prazerosa para todos da mesa, incluindo chegar a um acordo sobre o quanto amedrontador um jogo deve ser, e usar ferramentas para ajustar as coisas caso o clima fique pesado demais. O objetivo é que os jogadores apreciem o medo de seus personagens da mesma maneira que curtem suas histórias de horror favoritas – e não agredi-los.

FAÇA SEU PRÓPRIO HORROR
No final das contas, cabe a você decidir se D&D é apavorante. O que os jogadores de D&D curtem em termos de horror varia de mesa para mesa. Por isso, encaramos esse desafio com as estratégias listadas aqui e muitas outras. Use aquelas que servem para seu grupo, e ponha de lado as que não. Use técnicas que nunca tentou antes, erre, e tente novamente, sempre buscando criar uma experiência que seja memorável e apropriada para seu grupo de jogo. Quando as luzes estiverem baixas, todos estiverem curvados sobre a mesa, e alguém soltar uma respiração que estava presa de nervoso, você saberá que está chegando lá.

BONUS: OITO COISAS QUE OS DARK POWERS NÃO QUEREM QUE VOCÊ SAIBA
Além de todas essas técnicas de narrativa de horror, incontáveis segredos te aguardam em Van Ricjten’s Guide to Ravenloft. Alguns mistérios foram deixados vagos de propósito para que você os defina em suas aventuras. Outros têm conexões misteriosas, que forças sinistras não querem que você saiba. Mesmo arriscando irritar os Dark Powers, aqui estão alguns segredos encontrados em Van Richten’s Guide to Ravenloft ou com ligações além dos Domínios do Medo.

• Os grupos misteriosos conhecidos como Sacerdotes de Osybus e Inquisidores de Ulmist assombram a história do Conde Strahd Von Zarovich e foram brevemente mencionados em Maldição de Strahd. No guia, mais sobre suas origens sobrenaturais e ligações com o primeiro vampiro serão reveladas.
• O símbolo místico formado pelos Sigil Lakes of Modent influencia a paisagem de mais de um domínio. Onde mais esse símbolo aparece e que conexões esses monumentos misteriosos possuem?
• A loja assombrada descrita no capítulo 1 possui relíquias fatídicas, como o ícone dos Lower Aerial Kingdoms (ver capítulo 4) e uma famosa caixa de enigmas (ver Baldur’s Gate: Descent Into Avernus).
• Acredita-se que o último membro da família Eris está enterrado nas criptas do Castelo Ravenloft, mas membros de outros Domínios alegam ser o último da linhagem Eris. Quem dentre eles é o herdeiro verdadeiro?
• Isolde, líder do Carnival, tem ligações com mais de um grupo de artista de outros mundos. O que aconteceu com sua equipe antiga?
• Se sua cópia do Van Richten’s Guide to Ravenloft contém instruções na página 257, não as siga por dinheiro algum neste mundo.
• Várias histórias dos Domínios do Medo estão entre as incorporadas pelo artefato conhecido como Dente de Dahlver-Nar (detalhado em Tasha’s Cauldron to Everything).
• Os armários descritos na área 2 de House of Lament têm ligação oculta com a aventura Death House (Maldição de Strahd). Quem sabe o que pode acontecer se os conteúdos forem reunidos?

Autor: F. Wesley Schneider
Tradução: Vinnie Pitangui
Equipe REDE
RPG

Artigo original: dnd.wizards.com/news/how-to-make-dnd-scary

 

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