Narrando pela primeira vez para Mestres experientes

E ai galera, suave? O tema de hoje é baseado em um caso real. Como eu já disse antes, jogo há muito tempo e tenho contato com mais de um grupo de RPG (e Boardgames). E aconteceu de, em um dos grupos (antes exclusivo de GURPS), um jogador resolveu se render à quinta edição do Dungeons & Dragons (já ouviram falar?).

Esse amigo nunca tinha jogado nada além de GURPS em mais ou menos 20 anos de RPG e se sentiu bastante inseguro sobre começar sua campanha, dois jogadores no grupo (eu e mais um), jogaram Dungeons & Dragons desde a primeira edição (capa vermelha, antes mesmo do temido ThAC 0).

E eu parei para repensar minha trajetória neste hobby, acontece que algumas pessoas que narravam na década de 1990 não narram mais, antigamente todo mundo jogava as aventuras de todo mundo. Ok, éramos adolescentes com muito tempo livre, hoje, tempo passou a ser um luxo e marcar uma aventura parte da aventura em si. Mas mesmo com tudo isso, o que mudou? O que passa na cabeça de alguém para não mestrar mais? Qual o medo de mestrar? Afinal estamos todos no mesmo barco, todos queremos nos divertir por algumas horas.

Eu pensei muito e conversei bastante com esse Mestre e quero pôr o assunto em pauta e, antes que eu prossiga, já aviso que o mais legal de expor esse tema é seu feedback. Seria legal, você que já passou por isso, dividir aqui sua experiência ou, até você, que nunca narrrou, mas está criando coragem, dividir um antes e um depois, nem que seja um “one shot” ou uma aventura pronta!

Eu mesmo me ausentei do hobby por alguns anos e estou voltando devagar, já tiveram “campanhas” minhas que não passaram da quinta sessão de jogo (e estavam programadas para durar, pelo menos, três vezes isso), então vou apresentar problemas meus também.

Como farei isso? Usarei uns tópicos e darei umas opiniões sobre eles. Opiniões, não verdades absolutas, mas coisas tiradas de capítulos para narradores em módulos básicos (já li muitos), blogs e livros sobre RPG e algumas experiências pessoais. Como são opiniões, divergências vão apenas enriquecer o artigo.

Suave? Então vamos lá?

São muitas regras e eu não vou decorar isso…

…E nem precisa! Comece pelo básico, pelo que você já conhece, se é o sistema que você já joga, você vai lembrar da maioria da mecânica, caso contrário, faça uma cola.

Muitos livros básicos apresentam exemplos de combate mas, se não for o caso, ele apresenta em tópicos, geralmente iniciativa, ataque, esquiva e dano. Você pode também anotar as regras menos comuns (ou, pelo menos, as páginas para referência), como ataque com arma improvisada, agarrão, etc. Mas, lembre-se, você não precisa decorar tudo, só saber se encontrar no livro. Se seus jogadores não voarem, e nem seus inimigos, é desnecessário decorar regras para combate aéreo.

Eu não conheço todo o cenário…

…E novamente não precisa! Nem Ed Greenwood deve conhecer tudo do atual cenário de Forgotten Realms. Dê uma lida geral no guia do mundo (ou no capítulo do mundo no livro básico) e se aprofunde um pouco mais apenas na região em que for mestrar. Não interessa quantos Rashemen os Magos Vermelhos de Thay matam por ano se sua aventura se passa em Cormyr, a não ser que algum jogador pertença a uma das facções, e, mesmo nesse caso, simplesmente saber que são inimigos já é suficiente.

Se você quer saber um segredo, nem os Mestres da sua mesa conhecem todo o cenário! E mais: o que você fizer na sua aventura, é seu! É a sua aventura, o seu mundo! Tenho um exemplo… Eu jogue 13ª Era com um dos Mestres mais experientes em nosso grupo e ele descreveu Santa Cora como uma cidade quase radiante, que crescia em volta de um opulento templo. Depois eu mestrei para esse mesmo Narrador e minha Santa Cora era um lugar de peregrinação, cheia de pedintes e comerciantes se aproveitando da fé alheia. A grande catedral se erguia no céu sobre a cidade, como uma estrela, mas se você olhasse apenas para cima, não veria a entrada do humilde templo, ofuscado pelas barracas de comerciantes. Por dentro ela, lugar mágico mas, por fora, um templo simples e humilde.

Ele (Jão das Neve) vai me corrigir, ele sabe toda a regra…

…Todo grupo tem um jogador regreiro, todo grupo mesmo! Às vezes ele nem mestra. Mas olha, enquanto você mestra, não é o livro quem controla as regras, mas você!

Deixe bem claro, mas bem claro mesmo, desde a primeira interrupção que você não vai parar a aventura para discutir regras, às vezes, até conciliarmos as agendas, nos sobra 3 ou 4 horas de aventuras e, se você deixar o Jão das Neve (nome genérico, complete com o nome daquele mala, aquele mesmo e, se não vem ninguém à cabeça, cuidado, o mala do seu grupo pode ser você!) interromper uma vez, o tempo efetivo da aventura vai diminuir drasticamente, as vezes em mais de 50%.

Uma boa dica, que inclusive eu uso, é que, se eu errei alguma regra para o bem ou para o mal do jogador, eu continuo a aventura e, depois, em casa e no meu tempo livre, eu pego o livro para confirmar. Depois, só com o jogador em questão, eu informo onde errei e digo que isso não mais acontecerá em outras sessões de jogo e, se eu o prejudiquei, até penso em uma compensação. E sim, nada é impossível, se eu matei o personagem por uma regra errada, ou algo semelhante, nada me impede de trazê-lo de volta à vida! E se o erro favoreceu o jogador, eu deixo bem claro também que tal erro não voltará a acontecer em sessões futuras.

Vão comparar minhas aventuras com as de outros Mestres…

…Lamento ser o portador de más notícias, mas sim, isso é inevitável!

Aqui o importante é não se intimidar. Uma dica é prestar atenção nos jogadores, ver se eles estão se divertindo. Se já jogam contigo há algum tempo, você já conhece um pouco do gosto de cada um e perguntar não ofende. Sim, você pode perguntar se estão se divertindo ou o que achariam bem legal de ver em uma aventura. Mas não os assuste e não faça isso na hora da aventura, converse com eles depois, nem que seja por Whatsapp (mas seria bem melhor pessoalmente), eles querem se divertir enquanto jogam, tenha isso em mente.

Eu vou matar um personagem…

…Sim, eventualmente, em uma campanha, isso pode acontecer. Tente transformar a morte em um evento, não mate seu jogador para o Goblin #6, tente algo diferente como, em vez de Goblin #6, ser Brutus, o Lutador, ou que o Goblin #6 estar sendo controlado por Poindexter, o Mago Sombrio!

Ou se for um OSR mate mesmo o jogador, ele deve esperar por isso.

Mas esse é outro tópico importante para impor seu ritmo, você deve mostrar que, em sua aventura, você está no controle. Nenhum jogador deve se achar imortal, mesmo se ele estiver também narrando sua campanha favorita (mas vamos torcer para ele ser maduro e entender que é só um jogo e que a morte de um personagem acontece de vez em quando).
Aproveitando o assunto sobre ritmo.

Eu vou travar! Uma hora vão me perguntar uma regra, um detalhe do mundo e eu não vou lembrar…

Essa talvez seja numa das dicas mais importantes, improvise!

Eu li no livro Despreparado? Nunca! literalmente este exemplo: “imagine uma festa, está a música rolando, muita gente dançando, todos, de uma forma ou outra, curtindo o ambiente e, de repente, silêncio!” Imaginou? Em RPG também é assim, os jogadores farejam o seu medo, então improvise!

Não sabe o dano daquela espada e hoje você esqueceu o livro? Chute algo plausível! Não sabe o que rola tal poder? Invente! O que há além das Colinas do Medo? Deixe o mistério! Diga que os moradores desconhecem, na dúvida, use dragões (mesmo se for no Mundo das Trevas ou em Jadepunk), mas não peça um tempo e procure em silêncio durante a sessão. Não sabe o dano de uma cadeira? Se liga na dica: 1d6 é um “número mágico”! Em 13ª Era, em Shadow of the Demon Lord, em Dungeons & Dragons, não importa o sistema: você é o mestre, a última palavra é sua e, se você prejudicar seu jogador, compense depois. Só não trave! O livro que eu citei acima dá ótimas ideias para preparar aventuras em quaisquer sistemas de regras, juntar ideias, preparar as anotações, ter o controle do seu tempo…

Minha aventura deve ser perfeita!

Outra coisa que não existe. Às vezes você cria enigmas engenhosos e os jogadores nem conseguem decorar o nome dos Personagens do Mestre. Em RPG, menos é mais. Comece pelo mais simples e aumente o ritmo. Não faça sua aventura depender unicamente do rolamento de dados para avançar, a Lei De Murphy é cruel com aventuras assim.

Não tenho tempo para preparar a aventura, então vou usar uma aventura pronta…

Até aventuras prontas precisam de preparo, você deve ler uma, duas, até mais vezes, se familiarizar com o cenário, os eventos, os Personagens do Mestre…

Eu, quando uso aventuras prontas, sublinho os detalhes importantes para não parar em silêncio na frente dos jogadores enquanto procuro a fala do PdM. A minha ideia é que, ao bater o olho sobre o texto, eu encontre o que devo apresentar de forma ipsis litteris e a minha memória me leva à descrição da cena, do ambiente, do PdM e eu dê meu toque pessoal.

Recentemente eu narrei uma aventura pronta de Shadow of the Demon Lord em um evento e, o que seria um “hexcrawl” dos jogadores perdidos pela floresta, virou uma aventura de corredor quando eles encontraram a estrada e, mesmo com 2/3 de probabilidade de eles encontrarem monstros e adversários, em aproximadamente 10 ou 12 rolagens, eles só encontraram um monstro aleatório no caminho. Eu tive que improvisar com os PdJ voltando para a floresta com uma dúzia de moradores locais para matar os bandidos escondidos na mata. Sem segurança para improvisar, a aventura duraria muito pouco tempo e não teria um clímax. O importante de fazer anotações ou usar aventuras prontas é sentir segurança enquanto você está narrando e não te confundir, se você não consegue se encontrar nas anotações, suas ou publicadas, significa que elas não estão servindo ao seu propósito!

Tem algumas regras que eu não entendo/concordo/aceito/me acostumo, vou mudar!

Não, só não!

Não mude uma regra antes de testar em mesa e, principalmente, avise previamente qualquer mudança aos jogadores antes da campanha começar.

Muitos jogos presam pelo equilíbrio entre as classes/variações/tipos de personagens, para que nenhum jogador fique em segundo plano durante a aventura. Às vezes, algo muito simples mexe com toda uma classe e, provavelmente, algo diferente foi usado em um playtest.

Deixe eu explicar alguns exemplos:

– Em uma campanha recente de Dungeons & Dragons 5ª Edição, que eu só tive contato recentemente, eu resolvi que seria uma boa ideia usar a regra de flanquear das edições anteriores. Eu não tinha muito teste dessa regra na edição atual, mas foi me mostrado pelos meus jogadores (que narram esta edição desde 2014) o quão desequilibrada essa regra seria se houvesse um ladino no grupo. Ao ponderar eu vi que não seria justo com os outros jogadores;

– Neste mesmo sistema, um Mestre também iniciante de nosso grupo, achou que seria justo um mago especialista ter vantagem em rolamentos de magia de sua escola, mas ele só tinha passado o olho pelas classes, preocupado com as novas e complexas regras de combate, e não havia notado que, progressivamente, os magos de uma escola ganhavam mais vantagens do que apenas um dado a mais na hora do ataque e, depois da sessão terminar, ele leu a classe e voltou para a regra convencional;

– Recentemente, em um grupo gringo de Dungeons & Dragons 5ª edição, eu vi uma explicação (não um pedido de desculpas) do Game Designer responsável pela criação do odiado ranger beastmaster, cuja ojeriza foi tão grande ao ponto de a classe sofrer um total re-design. Ele mostrou por cálculos simples como a classe não só é equilibrada, mas chega a ser forte mecanicamente em um combate, mostrando diversos pontos de interpretação equivocada da parte da comunidade.

Muitos jogos têm regras opcionais (Shadow of the Demon Lord, por exemplo, possui um suplemento somente com regras opcionais) testadas e aprovadas então, não ache que vai descobrir a pólvora no século XXI. Primeiro jogue algumas sessões e, se alguma ideia sua realmente acrescentar algo à campanha, faça um teste, use uma sessão ou duas, se realmente se adequar, use! Mas não tenha medo de voltar atrás (eu tenho mudado tanto as regras na minha campanha de Dungeons & Dragons que meus jogadores estão com medo de que, na próxima sessão, tenham que usar ThAC 0, mas deixo claro que é um teste e não tenho medo de dar um passo para trás).

Para finalizar, uma dica que sempre falo, para Mestres experientes e novatos: use um conjunto de regras que se adeque à sua campanha!

Por exemplo, se você quer combates frequentes, evite o Mundo das Trevas, principalmente Lobisomem: O Apocalipse, onde uma rodada de combate pode levar 40 minutos ou mais entre ataques, esquivas, dano, absorção e ações de Fúria. Não estou falando contra o sistema, mas se for ter um combate épico entre a sua matilha e uma matilha rival de Dançarinos da Espiral Negra, este combate provavelmente levará uma sessão inteira de jogo (acredite, já passei por isso).

Um jogo com muita investigação e o uso dinâmico de diversos tipos de perícias diferentes não combina muito com D&D. Talvez um Savage Worlds, algo em FATE, ou até mesmo um Dungeon World se adeque mais ao clima que você quer criar.

Cada sistema de regras tem a sua característica e a diversidade atual nos permite explorar vários! Então, vá sem medo, teste um livro novo na próxima sessão. Eu mesmo estou jogando uma campanha de Dungeons & Dragons que foi iniciada em GURPS 3ª edição!

Eu poderia escrever mais e mais sobre o tema, é bastante complexo e interessante, mas prefiro finalizar com a dica mais importante: leia! Não só para o RPG, mas para a vida.

“Conhecimento é poder!”

–Brainiac.

Eu me sinto seguro mestrando diversos sistemas diferentes e mesmo assim, frequentemente, eu leio o capítulo (ou o livro) do narrador. Ele não está lá à toa e costuma ter ótimas ferramentas para o tema proposto, seja horror, intriga, ou mesmo um “dungeon crawl” direto e objetivo, por que não? (O Guia do Mestre do Dungeons & Dragons da 4ª Edição dá ótimas dicas nesse sentido). Todos esses capítulos te passam algo sobre o clima do jogo, o ambiente, até mesmo dicas de trejeitos para fazer memoráveis vilões e inesquecíveis PdMs.

Então, deixe o medo para os jogadores quando estiverem frente a frente com o grande vilão da campanha, seu único objetivo a alcançar é a diversão, sua e de seus jogadores. E se em algum momento um jogador falar que Thay não faz fronteira com Cormyr, diga que Mystra juntou os dois reinos quando voltou ao panteão, ou que essa é a Thay de Abeir, ou qualquer outra coisa. Mas os deixe certos de que o seu mundo é fantástico e que o mais importante é que ele precisa de heróis! Mas lembre de depois devolver Thay para o Leste Inalcansável…

Por Eduardo Elfman
Equipe REDE
RPG

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